Page 325 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
Património Cultural da Marinha
Peças para Recordar
31. A MARINHARIA DOS DESCOBRIMENTOS
Para aqueles que se interessam pela História da Ciência, nesse ramo apaixonante que se dedica à Náutica, existe uma obra
fundamental. Escrita há cerca de 60 anos, A Marinharia dos Descobrimentos continua a ser um compêndio fundamental.
O seu autor, Abel Fontoura da Costa, ilustre oficial de Marinha, publicou esta obra nos Anais do Clube Militar Naval,
durante os anos 1933 e 1934 e, com a mesma paginação, saiu neste último ano a considerada 1ª edição de 250 exemplares
pela Imprensa da Armada. Em 1939, a Agência Geral das Colónias publica a 2ª edição, correcta e ligeiramente aumentada,
que reedita em 1960. Prevê-se uma nova edição com um extenso aditamento com a súmula dos progressos registados, a
cargo de Luís de Albuquerque (conforme nos diz Teixeira da Mota) mas que nunca veio à luz. A 4ª edição, que se deve ás
Edições Culturais da Marinha, por proposta nossa, coincidiu com a XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura – OS
DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES E A EUROPA DO RENASCIMENTO, realizada em Lisboa no ano de 1983.
Abel Fontoura da Costa, nasce em 1869, ingressa na Escola Naval, em 1887 e, ainda jovem aspirante de 1ª classe,
publica nos Anais um trabalho de grande interesse para a época “Aplicação das tábuas de Estrada e logaritmos de sub-
tracção ao método de Saint Hilaire”, método que se deve ao oficial da Marinha Francesa e que veio dar um impulso
importante à determinação do ponto do navio no mar. Em 1901 interessa-se pelas “Pinhas de anel de um só cordão”, um
curioso trabalho que indiciava uma propensão para as matemáticas.
Depois, foi uma continuada produção de estudos, não só ligados à Navegação, como a outros temas. Distinguimos “A
reforma do Calendário” que escreve quando é nomeado para a comissão nacional encarregada de estudar o problema da
Reforma do Calendário, “Às Portas da Índia em 1484”, onde aprofunda as viagens de Diogo Cão e Bartolomeu Dias, “A
Evolução da Pilotagem em Portugal”. Estes e outros e preciosos trabalhos, foram publicados, especialmente, nos Anais do
Clube Militar Naval e nos boletins da Sociedade de Geografia e da Academia das Ciências
Dotado de uma invulgar inteligência e de grande cultura, o Comandante Fontoura da Costa, além duma vastíssima
obra escrita, participou em várias importantes reuniões, de que destacamos: o III Congresso Internacional de História das
Ciências (Portugal, 1934), o I Congresso da História da Expansão Portuguesa no Mundo (Lisboa, 1938), o Congresso Inter-
nacional de Geografia (Amsterdão, 1938) e o Congresso do Mundo Português (Lisboa, 1940).
Mas, para além dos predicados mencionados, Fontoura da Costa foi um espírito multiforme que se interessou pelos
mais variados assuntos, distinguindo-se sempre de modo notável e a dúvida que nos fica é saber como é que desencanta-
va tempo para tudo isso.
Foi professor da cadeira de Agulhas, Cronómetros e Navegação na Escola Naval, comandante superior das Escolas de
Marinha, director da Escola Naval, da Escola de Educação Física da Armada, da Escola Náutica, fez parte da delimitação
de fronteiras entre Angola e o Congo, foi governador da província de Cabo Verde. E para além do desempenho destas
funções, de certo modo ligadas à profissão de oficial de Marinha, Fontoura da Costa foi reitor do Liceu Central de Lisboa,
esteve ligado à educação física participando nas reuniões internacionais de Bruxelas, em 1910. No dia 23 de Setembro
deste mesmo ano foi criada a Associação de Futebol de Lisboa e o nosso ilustre comandante foi o seu primeiro presidente.
Por pouco tempo, talvez consequência da República ter sido implantada alguns dias depois.
Todavia, a faceta mais curiosa de Fontoura da Costa é a sua paixão pela criação de canários, em que foi mestre insigne,
procurando teimosamente o cruzamento que permitisse obter canário com novas plumagens. Numa conferência que fez
no salão do jornal O Século e, depois, publicada com o título O Canário Encarnado, publicado em 1935, descreve-nos
pormenorizadamente os seus múltiplos ensaios, terminando assim: “Para isto agi com ciência, pois que, embora o preto
ainda venha longe, o vermelho já se vislumbra no próximo horizonte primaveril: e todos vós possuís essa paciência e per-
severança que tudo alcança”.
Fontoura da Costa não pode ser esquecido. Todavia, o seu nome está, acima de tudo, ligado à investigação, especialmente,
no domínio da História da Navegação da qual, devido à limitação do espaço, deixamos ao leitor uma ténue imagem.
Consciente dos seus conhecimentos nesta matéria e acreditando numa rápida evolução da determinação da posição do navio
graças da radiogonometria, este mestre ilustre, previu, em 1930, o que seria o “ponto herteziano ideal, expoente máximo da
simplicidade: – Uma rede de possantes estações terrestres, modelarmente apetrechadas e devidamente equipadas com calcu-
ladores mecânicos, fornecerão a posição do navio a quem radiotelefonicamente lho peça: Allô... o meu ponto? - Que de
cinco minutos decorridos ser-lhe-ão transmitidas as coordenadas desejadas; uma segunda, uma terceira chamada para outras
estações bem colocadas azimutalmente, permitirão a necessária verificação”.
Mesmo para os génios, não é fácil fazer futurologia!
E por fim, referindo-se ao Comandante Fontoura da Costa disse um dia o Comandante Quelhas Lima (pai) “do Português
insigne, castiço, orgulhoso da sua Pátria, do professor eminente, do investigador infatigável, estudioso e genial da História Náutica
dos Portugueses, mestre excepcional, ouvido e acatado nos mais exigentes centros de cultura do Mundo, do cidadão incorruptí-
vel, tolerante e humano, do marinheiro ilustre, altivo e apaixonado da sua profissão, do camarada exemplar, sem mácula...”
Biblioteca Central da Marinha
(Texto de A. Estácio dos Reis, CMG)