Page 330 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO-DIA





              Reflexão sobre o futuro






                clima de ansiedade que as For-  verifica-se que, contrariamente ao que  forças de operações especiais em arma-
                ças Armadas estão a viver foi,  se possa julgar quando falamos de ope-  mento, equipamentos de comunicações
          Orecentemente, ainda mais agita-  rações de paz e conflitos de baixa inten-  e línguas faladas, pelo desenvolvimento
          do pelas consequências do ataque ter-  sidade, é necessário pôr em prática as  de novas tecnologias aplicadas à infan-
          rorista às torres do World Trade Centre  perícias próprias de praticamente todas  taria, às informações e às operações
          e ao Pentágono. Com efeito, imediata-  as disciplinas das operações militares.  aéreas, pela capacidade de detectar a
          mente apareceram opiniões de que    Creio que o público em geral já se  ameaça química e biológica, pela pro-
          todos os conceitos e planos teriam que  apercebeu de que hoje em dia as forças  tecção de redes de computadores, etc.
          ser repensados face a uma situação e  armadas não se preparam somente para  Ou seja, são medidas que completam as
          ameaça inteiramente nova, já que esta  um combate de alta intensidade. A sua  capacidades militares e de protecção
          teria que ser combatida com outros  preparação e missões estendem-se por  civil, não competindo com aquelas, pelo
          meios e de outro modo. É evidente que  uma gama alargada de formas de actua-  que há que aguardar serenamente pelo
          esta nova manifestação do terrorismo  ção de mais baixa intensidade, mas que  evoluir da situação sem alarmismos
          internacional requer da parte da comu-  contribuem para melhorarem a segu-  quanto ao futuro dos programas da
          nidade internacional uma atitude dife-  rança e a estabilidade do mundo. É para  Marinha.
          rente, novos conceitos e meios para as  cumprir este leque de missões que o  A vigilância das águas internacionais
          combater; só que esta ameaça não elimi-  planeamento de forças da Marinha é  e a segurança dos portos volta a ser
          na as outras, nem os meios para a com-  concebido, de modo a garantir as capa-  uma prioridade, de onde emerge a
          bater serão os mesmos, ainda que em  cidades operacionais essenciais hoje  necessidade de repensar o controlo
          parte possam servir.              reconhecidas pela NATO, preparando-  naval da navegação, alguma forma de
            Subjacente às opiniões que citei está a  -se assim para as operações do futuro  controlo da autoridade marítima sobre a
          alegada necessidade de desviar recursos  (não para as do passado ...) onde se  navegação mercante e de pesca e, ainda,
          para acudir a esta nova situação, o que,  pode também incluir o combate ao  refrescar o conceito de defesa marítima
          no caso nacional, deixaria a nossa  terrorismo naquilo que possa ser apro-  dos portos e competências dos respec-
          capacidade militar remanescente ainda  priado.                       tivos comandantes.
          mais ameaçada. Parece evidente que o  O problema do terrorismo trouxe de  Tão mau como não ter à disposição
          terrorismo se combate mais com “soft-  novo às primeiras páginas a questão das  forças e capacidades operacionais é não
          ware” do que com “hardware”. Com-  informações. As informações condi-  saber como as utilizar. O decisor políti-
          bate-se com a política, a economia, a  cionam praticamente tudo nas ope-  co, o decisor do nível estratégico-mili-
          educação, as informações, a vigilância,  rações, desde o seu planeamento até à  tar, o comandante conjunto, todos de-
          tudo encapsulado num bom conceito de  protecção do pessoal. A sua recolha  vem ter a noção perfeita de como uti-
          operações de informação. Neste sentido  deve ser feita com antecedência e nas  lizar e tirar vantagem da dimensão
          não parece adequado pensar que à par-  áreas problemáticas. A contribuição na-  naval e das mais valias que lhe são ine-
          tida, todos os planos e programas este-  val para um panorama correcto da situ-  rentes. Até agora, nas crises da última
          jam em causa à espera de um novíssimo  ação deriva de acções de reconhecimen-  década, as forças navais foram as pri-
          conceito estratégico. O mundo é o que é  to e vigilância, da análise das comuni-  meiras a comparecer, porque a pron-
          e tem evoluído por vezes da maneira  cações, das emissões electrónicas e acús-  tidão e mobilidade lhes é inerente. Para
          mais inesperada, mas curiosamente, na  ticas, dos informadores, etc. Como é  tal é preciso saber mandar largar os
          continuidade da evolução as tarefas  sabido um submarino colocado anteci-  submarinos na altura própria, ter a
          navais não sofrem grande alteração,  padamente na área de operações para  força posicionada na área de operações
          ainda que o seu contexto possa mudar.  colheita de “indicators and warnings” é  em tempo e mandar intervir no melhor
          Hoje as operações são sobretudo no  um multiplicador de força excelente,  momento.
          litoral, num campo de batalha tridimen-  capaz de nos dar indicações quanto ao  Tudo isto tem que fazer parte de uma
          sional e em espaço mais confinado,  desenvolvimento de uma crise ou de  cultura política e de Defesa Nacional
          onde as agora chamadas ameaças    uma acção, e de ajudar o responsável a  indispensável a uma apreciação correcta
          assimétricas e não convencionais pode-  decidir o desencadear de uma operação.  das opções e planos militares, porque
          rão estar presentes. A concepção das  Trata-se de facto de apoio naval à reco-  erros nesta matéria são irreversíveis e
          forças é expedicionária e conjunta, o  lha de informações que poderá ser ao  de consequências gravíssimas que per-
          que requer combinar as capacidades de  nível estratégico, operacional ou táctico.  duram por muito tempo.
          cada ramo mais adequadas à missão.  Este é um exemplo, como tantos outros,  Que a tragédia que se abateu sobre os
          Hoje em dia as forças navais têm um  que ilustra a necessidade de coerência  Estados Unidos da América tenha, pelo
          papel mais alargado do que o simples  num sistema de forças.         menos, o mérito de nos fazer reflectir so-
          cumprimento dos objectivos da cam-  No tempo decorrido desde o 11 de  bre estes assuntos é o que se deseja.
          panha naval. A sua utilidade está no  Setembro produziu-se abundante lite-
          contributo para uma campanha mais  ratura sobre esta questão e parece poder
          vasta cujo objectivo se encontra, inva-  concluir-se que o combate à ameaça ter-       J. Ferreira Barbosa
          riavelmente em terra. Mesmo assim,  rorista passa por um melhoramento das                        CALM


         4 NOVEMBRO 2001 • REVISTA DA ARMADA
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