Page 357 - Revista da Armada
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o calor desse ente querido. Se valorizamos o  próprio ser. É, se o leitor quiser, uma droga  só mestre, seja este o dinheiro, a ambição, ou
         amor, sofremos também, muitas vezes, pela  com capacidade para libertar do desencanto  a vaidade. Destacam-se pela incapacidade
         incapacidade de mudar o ente amado.  mesmo o mais sofredor, sem pedir nada em  que têm de rir de si próprios e pelo sorriso
         Qualquer decisão neste caso é válida,  troca, excepto vontade e disciplina...  amarelo com que falam dos outros...
         porque não há decisões perfeitas, nem  Convidei o meu amigo a correr diaria-  Já corri em muitos lugares do Mundo por
         ninguém está aqui totalmente certo, ou erra-  mente, tal como eu próprio o fazia. E ele  onde a sorte e a Marinha me levaram, desde
         do...Fica-nos só, muitas vezes, o vazio do  aceitou. Corríamos, nós e outros, diaria-  o frio europeu, até ao calor húmido dos trópi-
         incompreensível e o desejo, profundo, de  mente, sempre que as operações de voo o  cos. Em cada lugar pude perceber a  vida de
         que tudo fosse diferente...Contudo, fre-  permitiam. Com o tempo o Atleta adaptou-se  uma forma distinta, mas sempre livre...
         quentemente, não o é....           a correr com balanço, a sorrir ao vento ou à  Muitas vezes, mesmo fisicamente confina-
           Ora, felizmente, naquele navio, havia  chuva. Aceitou o corpo cansado e a disci-  do, recordo postais coloridos, gravados na
         espaço para correr. Ainda que no frio metal,  plina do esforço.       alma, como o pôr do sol, no molhe, em
         ainda que em círculos, mas era corrida. Há  Pouco a pouco o Atleta foi conseguindo o  Ponta Delgada, ou a chuva, quente e doce,
         na corrida, quando o esforço é honesto e  silêncio em si próprio e a aceitação do  por entre a folhagem de uma ilha tropical.
         duro, um momento sublime, por muitos  inevitável. Com o tempo, ainda, atingiu um  Cada uma dessas memórias, físicas, reais,
         relatado, em que a mente se cala e um silên-  novo patamar de equilíbrio no seu íntimo, a  leva-me dali para fora e para fora dos meus
         cio livre nos invade. Nesses instantes, úni-  que alguns chamarão crescer...  receios. E no tal labirinto escuro da mente,
         cos, não há Bem nem Mal, nem Certo ou  É que, tenho a certeza, só fica perplexo, só  cada janela destas é refugio seguro. É liber-
         Errado. Só há um movimento mecânico que  sofre, quem genuinamente tem sentimentos.  tação.
         impele um pé na frente do outro num bater  A culpa que atormentava o nosso Atleta e o  Talvez o nosso Atleta devesse ter perdoado
         ritmado, quase como se de um bailado se  inferno, que daí advinha, não são merecidos,  o pai, ainda em vida deste. Mas, certamente,
         tratasse.                          ainda que ele – como muitos de nós, num ou  cada um de nós tem um talvez daninho, que
           É um silêncio bendito, que muitas vezes  noutro momento das nossas vidas – não con-  lhe atormenta a existência. Cada um terá,
         procurei na vida, sempre que dores ferozes  seguisse libertar-se. E eu, tal como muitos,  também, a sua forma própria de se libertar.
         me atormentaram, ou medos, maiores que a  cansei-me de ver pessoas boas e sensíveis,  Por mim, vou concluir esta história, afir-
         morte, me assustaram...            sofrerem pela sua sensibilidade, pela sua  mando, inequivocamente, que no oceano de
           No final desse clímax de esforço, come-  honestidade.               perplexidade, em que cada vez mais nave-
         çamos lentamente a sentir. Sentimos, ao de  Encontrei, infelizmente, outros homens  gamos, o esforço parece ser farol seguro, para
         leve, primeiro o vento na face, depois o sol  cheios de certezas, muito seguros de si  atingir a paz.
         na distância, ou o azul do mar, que afinal  próprios, para os quais estes problemas são  - Ora este vai continuar a acreditar em fan-
         tem um tom que desconhecíamos...   triviais, próprios de velhas, padres e crianci-  tasias! – gritarão alguns.
           Nesses momentos, acredito eu, estamos  nhas...Para este tipo de pessoas tudo corre  Vou, vou continuar a acreditar com todas
         perto de um paraíso verdadeiro, em que  bem, porque, acreditam serem donos da ver-  as forças. Quem sabe, não sou velha, nem
         todas as dores se calam, em face de um pra-  dade última, em quase tudo...Importam-se  padre, mas talvez seja criancinha?
         zer belo dos sentidos, que nos põe de bem  pouco ou nada com o que outros sentem, ou
         com as vibrações do mundo e com o nosso  sofrem. Habitualmente são escravos de um                   Doc.


                                               BIBLIOGRAFIA



                         Almirante Eugénio Ferreira de Almeida

                                               (Curriculum Vitae)



           Noventa anos é uma bela idade em                                    Almirante Ferreira de Almeida teve a
         que já vale a pena olhar para trás, e,                                gentileza de deixar na Revista da
         querendo e sabendo, fazer uma                                         Armada, é um exemplar de 50 páginas
         redacção para coleccionar em letra de                                 numeradas em algarismos árabes, mais
         forma o quanto se fez, se possível quan-                              26 (XXVI) numeradas em romano, estas
         do, como, porquê e, com presunção ou                                  últimas apresentadas como “Adenda ao
         sem ela, para quê, O Almirante Ferreira                               Curriculum Vitae / Pró Marinha /
         de Almeida quis ele próprio deixar-nos                                Algumas Das Atenções Despertadas
         a sua visão pessoal deste apanhado da                                 Com Reflexos Prestigiantes / Desde
         sua vida, e oxalá possa continuar a                                   1937”.
         brindar-nos com outros e novos feitos;                                  Toda a vida deste distinto oficial é de
         afinal noventa anos, não constituem                                   facto bem cheia, de tal modo que fica
         meta a considerar, conquanto muitos                                   útil divulgá-la.
         não tenham a dita de os conseguir no                                    A R.A. agradece ter sido contemplada
         rol dos vivos.                                                        com o volume que o próprio nos fez
           Contando com as facilidades enormes                                 chegar por um amigo comum.
         com que hoje se faz um livro, com
         apresentação até que anos atrás seria
         um luxo, (só lhe está faltando a ficha
         técnica – que facilmente se pode imagi-
         nar – é quase só um nome para as                                                              S. Machado
         várias alíneas) o livro que o Senhor                                                             CMG REF
                                                                                   REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 2001  31
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