Page 68 - Revista da Armada
P. 68
HISTÓRIAS DA BOTICA (5)
O Doutor D
O Doutor D
screver é um acto de prazer. O povo rejubila ao ritmo desta música - Fui operado pelo Dr. D, já há uns
Escreve-se o que nos vai na alma, de acusação fácil, numa tonalidade bem anos. Tenho 2 próteses, uma em cada
E porque algo nos impressionou, bem orquestrada pelos média, cujo interesse anca, agora, infelizmente caí e não con-
ou mal. Porque amamos, ou porque odia- cessa rapidamente, poucas vezes repro- sigo dobrar a perna esquerda. Procedeu-
mos. Porque estamos contentes e, espe- duzindo a verdade dos factos, após apu- -se à radiografia e havia um problema
cialmente, porque, muitas vezes, nos ramento legal. Não que não haja quem com a prótese desse lado. Informado que
sentimos tristes e desencantados. Às proceda mal, não é isso, a verdade é se ia contactar o Ortopedista de Serviço,
vezes até se escreve sem saber porquê... que, com frequência, quem acusa fá-lo o Cabo antigo contestou:
No fundo, a escrita é mais fiel que a sem justificação, deixando, todavia, - Eu gostaria de ser visto pelo Dr. D,
namorada que não nos quis, o amigo impunes, os milhares de casos que mere- ele tem sido sempre o meu médico!
que nos traiu, ou o objectivo que, afinal,
não atingimos...Comigo, parece ser a
panaceia para a perplexidade crónica
que bate à porta, em noites de insónia.
Tento, sobretudo, escrever sobre o
Bem que vou encontrando. O Bem e
todos os valores a ele associados (a co-
ragem, a humildade, o sofrimento), estão
em desuso nesta sociedade, em que só o
que passa na televisão é real e em que
os fortes e imorais, dormem felizes, ape-
nas, por não serem fracos... Contudo,
estes valores, hoje esquecidos, libertam
e exaltam, são duradouros e, apesar de
muitas vezes não os sentirmos, estão
ainda presentes em muitos dos incógni-
tos do mundo.
O Mal, ao contrário, acabrunha e
entristece. O Mal é, perdoem-me os
leitores, como o fruto azedo, que
apetece cuspir logo após a primeira den-
tada e, infelizmente, é sempre mais pu-
blicitado. Parece-me, em dias tristes, que
o nosso mundo gira à volta de más notí-
cias e de homens pouco transparentes.
Penso mesmo, que deveria haver um
telejornal B, em que o "B" estaria para as
boas notícias, para os bons homens. A
notícia do homem que nos fez o pão
quente, do homem que se sacrificou
pelos outros, do carteiro que faz o seu
trabalho de forma competente, a notícia
simples, enfim, de quem cumpre com
rigor o que lhe compete. Aos militares,
em geral, este telejornal seria de particu-
lar interesse, já que têm sido ignorados
sob rótulos de "privilegiados", "inúteis"
e/ou "desnecessários", assumidos, há já
alguns anos, no ideário desta pequena ciam justiça. Da arte de bem tratar, o tra- Ora o Sr. Dr. D tinha ocupado, recen-
nação, esquecida do seu passado. balho dos mais velhos é importante. temente, o cargo de Director do Hospital
Destes, ficou-me o exemplo, discreto, de da Marinha. Sabendo eu que muitos
Mas vamos ao assunto desta história, um antigo director do Hospital da médicos, após ocuparem cargos de
que mereceu tão filosófico intróito. Têm Marinha. comando, se afastam da clínica, alguns
sido frequentes (e não só no nosso país) por imperativos de Serviço, outros
as notícias de má prática médica. Por Estava eu de Serviço, quando se dirigiu porque um vírus grave chamado poder
outro lado, são poucas as referências de ao Banco, em cadeira de rodas, um infecciousus se apodera deles, afastando-
boa prática – e estas são muito superiores, Cabo, da estirpe dos que combateram na -os das referências, que deveriam sempre
acreditem, em número, às primeiras. Índia, dizendo: pautar a profissão, avisei o doente que
30 FEVEREIRO 2001 • REVISTA DA ARMADA