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HISTÓRIAS DA BOTICA (5)




                                    O Doutor D
                                    O Doutor D






             screver é um acto de prazer.   O povo rejubila ao ritmo desta música  - Fui operado pelo Dr. D, já há uns
             Escreve-se o que nos vai na alma,  de acusação fácil, numa tonalidade bem  anos. Tenho 2 próteses, uma em cada
        E porque algo nos impressionou, bem  orquestrada pelos média, cujo interesse  anca, agora, infelizmente caí e não con-
         ou mal. Porque amamos, ou porque odia-  cessa rapidamente, poucas vezes repro-  sigo dobrar a perna esquerda. Procedeu-
         mos. Porque estamos contentes e, espe-  duzindo a verdade dos factos, após apu-  -se à radiografia e havia um problema
         cialmente, porque, muitas vezes, nos  ramento legal. Não que não haja quem  com a prótese desse lado. Informado que
         sentimos tristes e desencantados. Às  proceda mal, não é isso, a verdade é  se ia contactar o Ortopedista de Serviço,
         vezes até se escreve sem saber porquê...  que, com frequência, quem acusa fá-lo  o Cabo antigo contestou:
           No fundo, a escrita é mais fiel que a  sem justificação, deixando, todavia,  - Eu gostaria de ser visto pelo Dr. D,
         namorada que não nos quis, o amigo  impunes, os milhares de casos que mere-  ele tem sido sempre o meu médico!
         que nos traiu, ou o objectivo que, afinal,
         não atingimos...Comigo, parece ser a
         panaceia para a perplexidade crónica
         que bate à porta, em noites de insónia.
           Tento, sobretudo, escrever sobre o
         Bem que vou encontrando. O Bem e
         todos os valores a ele associados (a co-
         ragem, a humildade, o sofrimento), estão
         em desuso nesta sociedade, em que só o
         que passa na televisão é real e em que
         os fortes e imorais, dormem felizes, ape-
         nas, por não serem fracos... Contudo,
         estes valores, hoje esquecidos, libertam
         e exaltam, são duradouros e, apesar de
         muitas vezes não os sentirmos, estão
         ainda presentes em muitos dos incógni-
         tos do mundo.
           O Mal, ao contrário, acabrunha e
         entristece. O Mal é, perdoem-me os
         leitores, como o fruto azedo, que
         apetece cuspir logo após a primeira den-
         tada e, infelizmente, é sempre mais pu-
         blicitado. Parece-me, em dias tristes, que
         o nosso mundo gira à volta de más notí-
         cias e de homens pouco transparentes.
         Penso mesmo, que deveria haver um
         telejornal B, em que o "B" estaria para as
         boas notícias, para os bons homens. A
         notícia do homem que nos fez o pão
         quente, do homem que se sacrificou
         pelos outros, do carteiro que faz o seu
         trabalho de forma competente, a notícia
         simples, enfim, de quem cumpre com
         rigor o que lhe compete. Aos militares,
         em geral, este telejornal seria de particu-
         lar interesse, já que têm sido ignorados
         sob rótulos de "privilegiados", "inúteis"
         e/ou "desnecessários", assumidos, há já
         alguns anos, no ideário desta pequena  ciam justiça. Da arte de bem tratar, o tra-  Ora o Sr. Dr. D tinha ocupado, recen-
         nação, esquecida do seu passado.   balho dos mais velhos é importante.  temente, o cargo de Director do Hospital
                                            Destes, ficou-me o exemplo, discreto, de  da Marinha. Sabendo eu que muitos
           Mas vamos ao assunto desta história,  um antigo director do Hospital da  médicos, após ocuparem cargos de
         que mereceu tão filosófico intróito. Têm  Marinha.                    comando, se afastam da clínica, alguns
         sido frequentes (e não só no nosso país)                              por imperativos de Serviço, outros
         as notícias de má prática médica. Por  Estava eu de Serviço, quando se dirigiu  porque um vírus grave chamado poder
         outro lado, são poucas as referências de  ao Banco, em cadeira de rodas, um  infecciousus se apodera deles, afastando-
         boa prática – e estas são muito superiores,  Cabo, da estirpe dos que combateram na  -os das referências, que deveriam sempre
         acreditem, em número, às primeiras.  Índia, dizendo:                  pautar a profissão, avisei o doente que

         30 FEVEREIRO 2001 • REVISTA DA ARMADA
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