Page 69 - Revista da Armada
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iria contactar o Dr. D, que agora exercia ciosa por parte do Dr. D. Perpassava nossa razão de ser está na existência de
outras funções... sempre uma suave bondade para com os doentes, tão embrenhados que estão nos
A medo, penetrei no gabinete da idosos e humildes, que nos punha de títulos, na ambição, ou nos carros de
direcção e contei o sucedido. O Dr. D, bem com a vida e com a medicina. luxo.
imerso na leitura de uma mensagem e Alguém terá dito: é sempre preferível
com um rol opressivo de outras publi- Achei, que depois de vários directores, dizer bem de alguém do que mal de ou-
cações diante de si, suspirou e disse: que por picardia, alguns subalternos trem. É que, acreditem, limpa a alma e
- Tenho que ir ver, conheço esse tratavam por Sr. Comandante, pelas ati- afasta do espírito o mal estar dos "diz-se
homem há muito tempo... tudes duras (muitas vezes contrastantes que", "do parece que", do "acho que",
E foi. Ao vê-lo, o olhar de alegria do com as suas práxis anteriores), que as- imersos em nevoeiros de suspeição, a
velho marinheiro disse mais que mil sumiam ao tomar o poder, tínhamos na toldar a vida de muitos...
palavras. Eram velhos amigos que se direcção alguém diferente, que valoriza-
encontravam. Com uma expressão de va, sobretudo, o médico que lhe ia no Já agora um aviso a todos, o tal vírus,
total confiança, o doente sorriu e quase coração. Desde então, outros, na mesma o poder infecciosus, não ataca só médi-
gritou - estou nas suas mãos outra vez... posição, se lhe seguiram neste mister, cos, ataca, para nosso pesar, em todas as
Havia luxação de uma das próteses. conciliando humanidade e empatia, classes e profissões, com grande conta-
Era preciso operar. O doente foi interna- como se um novo ciclo tivesse sido inau- giosidade. Para se precaver, o caro leitor
do e operado pelo Dr. D. Este, ao outro gurado. deverá, regularmente, fazer infusões de
dia, acenava com um sorriso feliz, quase Também, a propósito, para os subalter- Vitamina H (de humildade) e aceitar que
infantil, uma radiografia com a prótese nos, o Dr. D, tinha sempre uma palavra todos, mesmo os mais capazes, depen-
no seu devido lugar. de simpatia e amizade. Como todos os demos uns dos outros...Eu tento fazer
Outros doentes se seguiram, enquanto que são diferentes, tinha inimizades isso, mas sou apenas humano e é, deve-
o Dr. D esteve no hospital. E não pense entre os seus pares, mas dificilmente, ras, um trabalho de uma vida, cheio de
o avisado leitor que estes eram mais mesmo esses, lhe imputariam críticas dificuldades e incompreensões...Penso,
acima na hierarquia, que os anteriores. É quanto á prática clínica. no entanto, que ajudam os bons exem-
verdade que alguns médicos têm defe- plos dos que nos precedem, contrariando
rências especiais para com a hierarquia, E assim é, amigos leitores, que pelo as tendências deste tempo, em que o
mas não era assim neste caso. A maioria menos um médico fez o que lhe com- cifrão e a ambição, ignóbil e desajusta-
dos doentes eram muito humildes ou na pete. Pelo menos um foi atencioso para da, parecem comandar.
reforma desde há muitos anos. Alguns com os humildes. Assim foi, ainda, que
eram familiares. Em todos, a atitude era a eu escrevi sobre o Bem em vez de deitar
mesma: uma referência elogiosa por a minha irritação à falta de moral de ou-
parte do paciente, a mesma atitude aten- tros, que, precisamente, esquecem que a Doc.
BIBLIOGRAFIA
A LONGITUDE EM BEST SELLER
Já muitas vezes foi dito, mas não é demais as forças francesas do Mediterrâneo, espeta-se
repetir, que os Portugueses, quando na Época nas pequenas ilhas de Scilly, a sudoeste de
dos Descobrimentos, navegaram pelas quatro Inglaterra, devido a deficiente navegação.
partidas do Mundo, fizeram o ponto do navio Perdem-se quatro dos cinco navios que com-
recorrendo à estrela Polar e ao Sol. Medindo põem a esquadra e, com eles, desapareceram
a altura destes astros, sabia-se a latitude em 2000 homens.
que o navio se encontrava, mas a longitude Este desastre consternou a Inglaterra, mas
estimava-se. E isto acontecia porque não exis- despoletou o problema da determinação da
tia um método capaz de determinar, no mar, longitude a bordo. Assim, em 1711, cria-se o
aquela última coordenada. Board of Longitude e oferece-se 20 mil libras
Esta dificuldade criava limitações na nave- a quem apresente a melhor solução. John
gação e, pior ainda, punha, por vezes, os Harrison será o grande ganhador com o seu
navios em situações de perigo. célebre cronómetro. Este cronómetro é, exac-
Procuraram-se soluções, ofereceram-se tamente, o principal protagonista dessa mag-
prémios. Apareceram ideias que não resul- nífica história contada por Dava Sobel, na sua
taram. Umas fantasiosas, como aquela em obra Longitude, agora editada em Portugal.
que o nosso João de Lisboa acreditava, afir- Aconselhamos a sua leitura porque a con-
mando que a longitude era função linear da sideramos apaixonante para os entendidos e
declinação magnética. Outras, com base uma verdadeira descoberta para todos os ou-
científica, mas que não eram realizáveis a tros. E para convencer alguns leitores hesi-
bordo por falta de instrumentos ou de tabelas, tantes, lembro que não é comum um livro de
como o recurso às chamadas distâncias lunares ou aos eclipses cariz científico manter-se durante várias semanas na lista de
de Júpiter. best sellers, em dois prestigiosos jornais: The New York Times e
Quando as coisas estavam neste pé, acontece mais um trági- The Times de Londres.
co acidente marítimo. No dia 22 de Outubro de 1707, uma
esquadra inglesa, comandada pelo almirante Clowdisley A. Estácio dos Reis
Shoveel, que regressava à Pátria, depois de defrontar com êxito CMG
REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 2001 31