Page 177 - Revista da Armada
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uma voz assim, de não possuir tal coragem,  Faço o possível por lhes prestar home-  recordo que a arte e o sentir estão no coração
         de não conseguir tal alegria, que marca tão  nagem nestas palavras sem grande préstimo,  dos homens limpos, muito mais que em gabi-
         bem a alma portuguesa, da qual, com esse e  que o leitor já reconhecerá pelo estilo piegas  netes eruditos, museus aspirados, ou progra-
         outros marinheiros simples, aprendi a ter  e pelos temas simplórios. Louvo-lhes, particu-  mas ensaiados...
         orgulho...A mesma alegria, com que em  larmente, a alma boa e corajosa. Enquanto  Quanto a mim, homem inculto e sem jeito,
         certo dia, fui por ele abençoado, com um  eu, medroso, mais não faço do que partilhar  talvez seja tempo de repor ao silêncio das
         vinho milagroso e decerto livre de todo o  os meus próprios receios...   gavetas este e outros pensamentos, que,
         pecado, como é a inveja....          Com eles tive orgulho de ser português (sei  muitas vezes acredito, talvez só a mim inte-
           Sendo eu um homem triste, muitas vezes  que nos tempos modernos a palavra já  ressem...
         sinto que a vida me furtou alegrias, que com  parece estranha). Reconheci-me entre eles.  No final desta história lá dirá, certamente,
         outros parece ter esbanjado. Esse sentimento  Senti o meu antigo avô, que se terá perdido  um grande e sábio amigo, que vou tendo:
         moldou a minha vida. Ensinou-me a ser o que  no distante caminho de Goa, ouvi o choro da  - Afinal onde está o princípio, o meio e o
         sou e a coleccionar momentos, insignificantes,  minha velha tia pelo marido que morreu, de  fim da história?
         escondidos, sussurrados, mas que têm, assim  sezões, nas idas campanhas do Gunhana, vi  - Não sei, meu bom e corajoso amigo, só
         acredito, uma imensa e poderosa força...  finalmente, estou seguro, a alegria da avó  sei que por vezes é assim, andamos,
           Na Marinha encontrei muitos destes artis-  Luísa, que conheci, quando o filho regressou  andamos, só para voltar ao sítio exacto de
         tas e gabo-lhes a força interior, que me dá  da guerra de África, são e salvo...  onde partimos...e fazemos, num instante,
         coragem. Reconheço-lhes a força incógnita.  No silêncio dos caminhos da vida ouço,  uma grande viagem...
         Roubo-lhes memórias, que dão sentido a este  ainda, frequentemente, o cantar desse alente-
         meu viver...                       jano – que há longo tempo não vejo - e                          Doc.



                                               BIBLIOGRAFIA


                    “A FIGUEIRA DA FOZ E A PESCA DO BACALHAU”



               á para aí uns anúncios com frases que procuram  ser aliciantes  do dos maus tratos de alguns capitães... seriam razão suficiente para
               para a aquisição, no âmbito económico de ter mais por menos,  que, na voz do povo, tal vida fosse comparável a uma escravidão só
         Hrezando, por exemplo leve três, pague dois, ou três por nada.  aceitável para encarcerados. Dolorosa era, sem dúvida, a vida do
         Não! Este livro vai mais longe, e logo na ficha técnica nos deixa perfeita-  pescador do bacalhau...” letras forjadas na ira duma lida de mar gela-
         mente à vontade. Após a informação: Coordenação, compilação e  do, e faina de enregelar, já vinda de pai a filho...
         notas: Manuel Luís Pata, Colaboração, Grácia Cardoso do Carmo,  O livro é um profuso e bem elaborado estudo da vida de navios na
         Título: A Figueira da Foz e a Pesca do                                     Terra Nova, desde os Corte Reais à
         Bacalhau – Achegas para a sua História.                                    mais corrente actividade da pesca do
         Edição: Centro de Estudos do Mar e dos                                     bacalhau, que, pouco tempo após o
         Navegantes Luís de Albuquerque – CE-                                       descobrimento e primeiras explo-
         MAR. Apoio! Stora Celbi. Local Figueira                                    rações, passou a ser conhecida por
         da Foz, Data: 1997. Capa, Composição                                       Terra dos Bacalhaus.
         de página, etc. etc., remata assim:                                          Mas com muito mais proveito e
         “Este livro não se destina a ser vendi-                                    peso, até porque esta série de 2,
         do, e será distribuído em ofertas gra-                                     véspera de 3 livros, está muito bem
         tuitas, como forma de divulgação                                           feita, bem escrita, e até bem ilustra-
         cultural”.                                                                 da, sendo novidade no que respeita
           Ora bem, como é que só chega até                                         à sua ligação com as belas praias e
         nós, Revista da Armada, já com cinco                                       terras da Figueira da Foz, vai deixar
         anos de existência, é curiosidade que                                      com certeza o leitor encantado.
         demoraria a desvendar, mas que não                                           Como deixou, por exemplo, a Con-
         é importante: chegou e cumpriu.                                            fraria Gastronómica do Bacalhau, e
         Vieram dois volumes, sequência de três, segundo cremos; o terceiro  ainda os “Amigos do Museu de Ílhavo” e da Câmara Municipal, que
         aguarda, conforme apurámos, novas ajudas de parto.   em cerimónia presidida pelo vereador Neves Vieira e outras perso-
           Diz o Editor: “Julgamos que entre os principais méritos desta  nalidades, celebraram o aparecimento do 2º Volume com almoço e
         compilação, se outros não houvesse, contar-se-iam sempre o  traje próprio da confraria (gabão preto) dando a conhecer o apareci-
         esforço e a dedicação investidos; um esforço abnegado e uma dedi-  mento que monetariamente apoiaram.
         cação verdadeira, que transparecem até no figurino gráfico da com-  Para o 3º Volume falta ainda apoio que leve à respectiva edição
         posição do texto e imagens das páginas deste livro [...”]. “Levan-  que isto de papel, letra, encadernação, etc., não nasce das boas von-
         tam-se pistas para o estudo da pesca do bacalhau, um tema de tanta  tades das gráficas.
         relevância para a História Marítima Figueirense, sobre a qual, infe-  Mas parece estar prestes a aparecer o terceiro volume.
         lizmente, ainda ninguém até hoje na Figueira da Foz, havia tido a  Se puder, não deixe de os ir lendo, que valem bem as penas da
         coragem de fazer qualquer investigação sistemática, e qualquer  pesquisa e outras, já que a aquisição é questão apenas de três mil
         publicação específica semelhante a esta”.            escudos (à venda apenas o 2º volume, por ora, na Revista da
           Quem assina tais palavras é “um marítimo prático” – digamos o  Armada, ao preço de Euros 15.00), ou pouco mais.
         nome, que o merece, é Manuel Luís Pata” – sempre a citar com recato  A Revista agradece ao autor a oferta dos dois volumes já editados.
         e modéstia o seu nome, mas, dizemos nós , tomaram muitos!... É  Para homens do mar, esta colecção é um “must”.
         escrita sã, escorreita, e revela enorme, enormíssima dedicação, dádi-
         va dos dias, das horas, dos minutos em produção eficaz e produtiva;                            S. Machado
         ele próprio o confessa: “O sofrimento a que obrigava a faina, acresci-                              CMG
                                                                                       REVISTA DA ARMADA • MAIO 2002  31
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