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Património Cultural da Marinha
             Património Cultural da Marinha


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                 38. O HINO DA REAL ACADEMIA DOS GUARDAS-MARINHAS


               A comemoração do Bicentenário da Companhia dos Guardas-Marinhas e sua Real Academia em 1982/1983 deu origem a um
             notável esforço de investigação documental que se traduziu em importantes esclarecimentos históricos, como sejam o da própria
             criação da Real Academia dos Guardas-Marinhas.
               Na preparação das celebrações também se investigou quais os símbolos da Academia: a Bandeira, que se guarda no Museu da
             Escola Naval (Revista da Armada nº 335), e o Brazão, que por descrição documental se conseguiu reproduzir e foi representado
             no anverso da medalha comemorativa do Bicentenário.
               No mesmo intento se considerou a existência dum hino. Foi pela mão do pintor Alberto Cutileiro, membro da Comissão das
             Comemorações, que se tomou conhecimento da partitura de um hino da autoria do compositor português Marcos António da
             Fonseca Portugal, que o havia composto em 1809 e havia dedicado a D. João, o Príncipe Regente.
               De facto, na biografia do compositor refere-se que “no dia de anos de D. João VI (1809) deu-se uma récita de gala no Teatro de
             S. Carlos, para a qual Marcos Portugal escrevera uma peça de ocasião e que o final desta cantata era um hino, que se tornou o
             hino oficial português até 1834, evoluindo mais tarde para Hino de D. João VI”.
               Não será de excluir que exista correlação entre este hino e o hino em causa ou até que se trate da mesma peça musical, já que
             compostos no mesmo ano e ofertados à mesma entidade.
               De qualquer modo, a Corte Portuguesa ficou depositária dum património de que a rainha D. Maria II fez oferta à Real Academia
             dos Guardas-Marinhas. Faz sentido supor que tal oferta  tenha tido lugar na oportunidade da nomeação de seu filho D. Luís (futuro
             rei), para guarda-marinha, aquando da sua apresentação à Academia e, ainda, que tivesse ordenado a execução do hino nessa ceri-
             mónia, realizada a 28 de Outubro de 1846. Sabe-se que a Bandeira da Companhia foi aí pela primeira vez apresentada em público,
             pois é certo que D. Maria ordenara que fosse o hino tocado sempre que a bandeira da Companhia estivesse presente.
               Parece lícito supor-se que desde então fosse o hino tocado em todas as cerimónias militares em que a Companhia estivesse pre-
             sente, havendo notícia de o haver sido pela última vez no Juramento de Honra do guarda-marinha Infante D. Manuel, muito
             provavelmente em razão da queda do regime monárquico.
               Uma vez “descoberto” o Hino da Academia julgou-se que seria adequado atribuí-lo à Escola Naval (que não possuía) e nesse
             sentido foi, em Maio de 1981, solicitado ao Chefe do Estado-Maior da Armada fosse superiormente determinado que o hino que
             Marcos Portugal dedicou a D. João, Prícipe Regente (1809) e atribuído por D. Maria II (1846) à Academia dos Guardas-Marinhas
             passasse a ser o Hino da Escola Naval.
               É assim que na cerimónia de abertura das comemorações do citado Bicentenário (3 de Maio de 1982) o Hino é executado, pela
             Banda da Armada, na presença do Presidente da República. Volta a sê-lo no encerramento das citadas celebrações (24 de Março
             de 1983). Desde então tem vindo a ser tocado na cerimónia do Juramento de Bandeira dos alunos finalistas na Escola Naval. O
             Hino da Escola Naval é actualmente também cantado nas festas da Escola, com letra do Cap. Ten. Ribeiro Cartaxo, composta
             em 1987, a qual determinou ligeiras alterações musicais elaboradas pelo então Chefe da Banda da Armada, Cap. Frag. Manuel
             Maria Baltazar.
               Ao citar-se Marcos Portugal merece que seja recordada a figura do compositor português mais notável de todos os tempos.
             Nasceu em Lisboa a 24 de Março de 1762. Aos sete anos entrou para o Seminário Patriarcal e ali fez rápidos progressos no estudo
             da composição. Aos vinte e um anos foi admitido na Irmandade de Santa Cecília. Foi mestre de música no Teatro do Salitre para
             onde entrara em 1785. Por esta altura foram ali representadas várias peças musicais de sua autoria, adquirindo grande fama de
             compositor colocando-se a par de seu mestre Sousa Carvalho.
               Muito conceituado e gozando do convívio da família real obteve os meios para ir para Itália com uma bolsa de estudos conce-
             dida pelo governo. Parte em 1782 ficando a residir em Nápoles.
               Dando-se a conhecer como compositor realizou logo um ano depois uma ópera séria à qual se seguiram muitas outras nos
             teatros de Florença. Em 1794 apresentou pela primeira vez uma ópera sua no Scala de Milão. Seguem-se depois várias represen-
             tações de óperas (bufas e sérias) nos teatros de Veneza. Durante a sua estada de oito anos em Itália escreveu vinte e uma óperas.
               Regressou definitivamente a Portugal em 1800, rodeado de prestígio e de fama, sendo logo nomeado mestre da Capela Real e
             do Teatro de S. Carlos, onde já no ano anterior à sua vinda se tinham cantado algumas óperas suas.
               Quando D. João VI partiu para o Brasil não o quis acompanhar. Ainda no princípio de 1810 esteve à testa do Teatro de S. Carlos,
             mas depois partiu definitivamente para o Brasil sendo recebido na Corte com todas as deferências devidas ao seu talento. No Rio
             de Janeiro o seu trabalho principal consistiu na composição de música religiosa para o serviço da Capela Real. Foi ali mestre do
             Príncipe D. Pedro.
               Um ataque apoplético ocasionou a perda da suas incomparáveis faculdades artísticas e impossibilitou-o de acompanhar a fa-
             mília real no seu regresso a Lisboa. Viveu os seus últimos anos sem recursos. Morreu no Rio de Janeiro a 7 de Novembro de 1830.
               Dez anos volvidos após a restauração do hino e para dotar a Marinha com um hino que o Regulamento de Honras e
             Continências prescreve e de que não dispunha, foi atribuído à Corporação (1993) a peça que Marcos Portugal compôs em 1809.
             O Hino da Marinha tem letra da autoria do 1º. Ten. Jorge Moreira Silva.
               A Escola Naval, legítima herdeira da Real Academia dos Guardas-Marinhas, fiel à sua missão de preservar a tradição, naquilo
             em que ela é válida, como vínculo com o passado e ponte para o futuro, instituiu-se assim, depositária de tão valioso património.


                                                                         Escola Naval / Banda da Armada
                                                                         (Texto de Henrique Serpa de Vasconcelos, VALM)
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