Page 69 - Revista da Armada
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menos diferença entre o Algarve e a Se deixarmos morrer o verde à nossa No silêncio da alma, vou continuar a
Amadora. Não admira que os turistas estra- volta, morrerá certamente a nossa es- ouvir o som dos animais, o lamúrio das fo-
nhem. Afinal não é todos os dias que se vê perança. Então, estou seguro, nada fará lhas açoitadas pelo vento e a dor da terra
um povo estragar, de forma sistemática, por sentido... maltratada. Quero conhecer-lhes o espírito
lucros a curto prazo, tudo o que asseguraria Esse verde faz muita falta na nossa vida. e sentir-lhes a poesia, amiga, enquanto
a sua fonte de riqueza futura... Sinto-o muitas vezes em doentes que ainda existem...Ouço os seus apelos e os
A Marinha, afirmo-o aqui sem pudor, faz levam vidas modernas, desenraizadas da seus conselhos, ao mesmo tempo profundos
um bem ao país preservando o Alfeite, e biologia. Muitos vivem numa prisão se- e belos, e, por milagre (decerto por mila-
alguns outros espaços no seu domínio. Nós, vera, sem tempo para comer, para dormir, gre...), às vezes consigo agarrar um pouco
de entre os seres que o visitam, o reco- para sentir... da existência à nossa volta. Nesses dias, que
nhecemos. É que a saúde, saiba o leitor Sem verde não há emoções, sem tempo guardo como tesouros, encontro paz e con-
desprevenido, passa pelo ar que respiramos, não há pensar, sem pensar não há vida... sigo, finalmente, sorrir...
pela paz que sentimos, pelo prazer que Muitas vezes procuro dizer-lhes isto, mas Deixo ao leitor a tarefa de meditar sobre o
tomamos da vida... não querem ouvir. Preferem quase sempre verde da sua vida e a dura decisão de
E eu, como muitos de nós, sou forçado a um comprimido milagroso, que lhes acalme perceber se o verde tem importância....Já
conviver com as filas, os apertos, o cinzento o sono, que lhe regularize os sentidos. sabe, se tiver dificuldades, pode sempre
das ruas, que tantas vezes precede o cinzen- Alguns acharão mesmo que sou doido e recorrer ao cardápio farmacêutico nacional
to da alma. Vejo os autocarros despejarem talvez estejam certos? Estes conselhos não – lá encontrará, certamente, uma pastilha
rebanhos humanos, mais dóceis que vêm nos manuais da medicina e, de facto, para a resolução do seu problema...
cordeiros no camião do matadouro, eu próprio me considero algo estranho neste
esperando-os uma morte lenta, por um tempo, por procurar seguir os ritmos ances-
coração doente e seco, parco de emoções. trais do tempo e da vida... Doc.
BIBLIOGRAFIA
CAPITANIA
Romance de S. Vicente de Cabo Verde, foi livro que viu recente- ilha de S. Vicente em Cabo Verde. Como eu a conheci uns anos
mente a luz do dia, e, sem mais nem aquelas, nos veio parar às (poucos) antes da época a que o autor se reporta, e vivi naquela
mãos, com certeza para que dele falássemos. Escrito por Joaquim mesma casa/torre de Belém/inclinada de Pisa, onde uma criança
Saial, que na explicativa de pestana de capa nos diz ser uma quanti- brincava às corridas de automóveis deixando pequeninos bólides
dade de coisas bem interessantes quanto às qualificações que correr livremente de um lado para outro da sala, pude ainda “ver” o
obteve na vida: Formaturas, mestranças, licenciaturas são várias, e que o que o senhor Dr. Saial nos conta.
vários são igualmente os estabelecimentos , como o Instituto O agrado com que li o livro, o português escorreito que se tem
Superior de Novas Profissões, etc.,etc.. Não era preciso dizer-nos o gosto de apreciar, talvez carente de estilo, linear, mas bom de
tanto daquilo que aprendeu, pois desde logo se afigura que apren- forma e de gramática, são já qualidades que, talvez só por si, me
deu, pelo menos, a escrever português, o que já não é nada mau estimulem a recomendá-lo, num tempo em que profissionais que
para quem quer brindar com histórias o seu semelhante, sem que vão de locutores a políticos, aqueles que deveriam, só pelo que
(supomos nós) lhe tenha sido exigido tal. Foi pequenito para S. fazem, preservar a sobrevivência da língua, da nossa língua, tão
Vicente de Cabo Verde, filho de sargento de marinha ali colocado, mal a tratam. E também para uns quantos, aqueles que julgam
e do que os seu verdes anos por lá viram nos dá conta (fez lá o terem conhecido a terra das mornas só porque puseram um pé em
exame de admissão ao Liceu). terra, viram um casario deslavado, uma cidade espraiada, com
Chamar “romance” pouca cor, e bebe-
ao escrito é coisa que ram uma aguardente
não nos atrevemos a bem temperada, jul-
analisar, tantas são gam terem conheci-
hoje as amplitudes do a cidade. Existe
que a palavra per- alma naquelas pági-
mite. Não há intriga, nas. Pelo menos em
não há fio condutor muitas passagens das
da história, no seu mesmas páginas.
todo, não há suspen- Chegou o livro à
se, mas há “histórias” Revista da Armada
e foi talvez o que o mandado pelo edi-
autor achou por bem tor, por recomenda-
chamar de “roman- ção do autor. A um e
ce”. Porque não? outro queremos aqui
Podem-se ler segui- deixar a expressão
das, alternadas, pou- do nosso reconheci-
ca diferença faz; ao mento pela oferta,
fim e ao cabo, acaba- que fará parte da
-se fazendo uma ideia nossa biblioteca.
do que eram a terra e
as gentes daquela
cidade curiosa cha- S. Machado
mada Mindelo, na CMG REF
REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 2002 31