Page 73 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
             Património Cultural da Marinha


                                         Peças para Recordar





                    35. A CAPELA DE S. ROQUE DO ARSENAL DA MARINHA


               S. Roque nasceu e morreu em Montpellier, França, na primeira metade do século XIV. Tendo perdido os pais cerca dos vinte anos,
             partiu para Roma em peregrinação, dividindo antes, os seus bens, em duas partes: uma para os pobres e outra ficou à guarda de um
             seu tio.
               Pelo caminho foi atacado pela peste e refugiou-se junto de Placência, numa floresta, para não contaminar ninguém. Lá teria morri-
             do de fome se não fosse um cão que vinha cada manhã trazer-lhe um pão roubado da mesa do dono. Este, intrigado com o animal
             que roubava com tanta regularidade, seguiu-o pela floresta; encontrou o doente, travou amizade com ele e fez o possível por lhe
             melhorar a sorte. “É S. Roque e o cão”, costuma-se dizer de duas pessoas que estão sempre juntas.
               S. Roque era invocado como advogado contra a peste, e as suas relíquias foram enviadas pelo Senado de Veneza, a pedido de
             D. Manuel I, como protecção às vítimas da peste que assolara Lisboa em 1503.
               Após o terramoto de 1755, por alvará de 14 de Novembro, foi determinada a reconstrução da Ribeira das Naus no local que tinha
             ocupado anteriormente, seguindo o risco de Eugénio dos Santos de Carvalho. Surge então o Arsenal da Marinha de Lisboa: um esta-
             belecimento situado na margem Norte do Tejo, ocupando os terrenos dos Paços da Ribeira, dos Paços dos Infantes e o espaço onde
             fora a Ribeira das Naus, cujas construções ficaram destruídas.
               As obras iniciaram-se em 1759 e o plano compreendia a feitura de vastos armazéns abobadados e duas carreiras de construção
             naval em cantaria. No final do século o “Arsenal” já ocupa definitivamente o lugar dos antigos estaleiros.
               «Foi nesse edifício concedida licença aos carpinteiros para construir uma capela dedicada a S. Roque», como consta em José
             Cândido Correia, Catálogo official dos objectos enviados à Exposição Industrial Portuguesa em 1888.
               Quem entra nas Instalações da Marinha, pelo Portão do Arsenal na Praça do Município, passa o túnel e encontra, à sua esquerda,
             a porta da Capela mandada construir pelo Marquês de Pombal para o culto a S. Roque, santo da devoção dos carpinteiros navais.
               A Capela mede 9.30 metros de comprimento e 6.40 de largura. O tecto é em abóbada de estuque branco e rosa, com ornatos em
             relevo. O retábulo do altar é uma alegoria a S. Roque, atribuído a José da Costa Negreiros, e foi feito para a Capela da Ribeira das
             Naus.
               As colunas do altar suportam uma pesada ornamentação de madeira a branco e ouro: do lado direito tem, em alto relevo, a figura
             da Fé, e do lado esquerdo a da Esperança; a meio, um cordeirinho a escuro, e sobre este uma coroa. Mais acima, dentro de uma
             oval ornada a anjos e raios de resplendor, a triangulação simbólica da Santíssima Trindade, a dourado.
               O coro e o púlpito são de madeira pintada a amarelo, rosa e verde.
               Nas paredes laterais existem oito figuras a fresco, quatro em cada. Na da esquerda, estão representados, na parte mais alta,
             S. João Evangelista e S. Mateus, e por baixo destas, quadros com os dísticos: «Amor de Deus» e «Caridade».
               Na parede da direita estão, S. Marcos e S. Lucas, e, por baixo, alegorias com os dísticos: «Religião» e «Constância».
               As paredes são revestidas de seis painéis de azulejos do século XVIII (três em cada lado), a azul e branco, com cercaduras de flores
             a amarelo e rosa, representando várias passagens da vida de S. Roque, assim descritas:
               «Nascimento de S. Roque, no qual se viu uma cruz vermelha no peito do Santo Menino»;
               «S. Roque saído da sua terra entrou num hospital, no qual fez maravilhas»;
               «S. Roque faz o sinal da Cruz na testa de um Cardeal, este ferido se pôs bom»;
               «O santo vendo que todos se escusam a dar-lhe acolhimento se retira para um bosque»;
               «Entrou em Montepellier em miserável estado, de sorte que desconfiaram dele e o prenderam»;
               «Aqui se vê morto S. Roque dentro da prisão, onde o tio o conhece como sendo seu sobrinho».
               Neste último painel lê-se a seguinte legenda inscrita no peito do Santo: Quos pestilentia vulneravit; implorantes Rochi patrocinium
             convalescent.
               Junto à Igreja fica a sacristia, onde esteve instalada a Caixa de Pensões dos Operários do Arsenal. No meio do tecto, dentro de
             uma oval, está pintado o símbolo da Irmandade, constituído por um escudo bipartido, com as armas de Portugal à direita e, à esquer-
             da, um cão com um pão na boca olhando para um bordão de peregrino encimado por um chapéu com três conchinhas e uma
             cabaça pendente (objectos  referentes a S. Roque).
               O pavimento é de boa madeira de duas cores. Na parte central, embutidas, uma elipse e uma estrela de madeira preta e creme
             (ébano e espinheiro).
               Por cima da sacristia ficava a Casa do Despacho da Irmandade dos Carpinteiros Navais, local onde hoje funciona a Chefia do
             Serviço de Assistência Religiosa.
               O sino da capela, na parte exterior, com lavrados em ramagens, constitui uma peça interessante. Na parte central, em relevo, um
             soldado romano com pendão. No rebordo interior tem a seguinte inscrição: «feito no arsenal nacional da marinha no ano de 1822».
               Em 1955 a Capela foi recuperada para o culto, recebendo, de novo a Cruz do século XVIII, o Santo Cristo de metal dourado
             com cruz e embutidos em madre pérola - e um Pano com as armas da irmandade de S. Roque que se encontra na sacristia.
               Assim, a Capela de S. Roque do Arsenal da Marinha, constitui no seu todo uma peça de arte notável do final do séc. XVIII, e é
             por assim dizer, com o dique (que se encontra entulhado) e a fachada exterior do grande edifício da Marinha, o que resta do
             velho Arsenal que ali funcionou até 1939.
               A sua visita é obrigatória.


                                                                   Capela de S. Roque / Instalações da Marinha
                                                                   (Texto P Manuel da Costa Amorim, CMG Grad/Capelão)
                                                                        e
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