Page 306 - Revista da Armada
P. 306

A MARINHA DE D. MANUEL (40)



                 A conquista de Malaca
                 A conquista de Malaca




               cidade de Malaca cresce no estreito  hipótese de fazer a feitoria. Talvez que o ca-  sas bandas. Era um argumento de peso que,
               do mesmo nome, como um entre-  pitão se tenha apercebido de uma questão  além de tudo, era verdadeiro, todavia a de-
         A  posto comercial que surge a partir  muito importante: não havia unidade de in-  cisão de sair foi dele próprio, e se queria ata-
         de uma pequena comunidade piscatória sem  teresses, nem solidariedade política entre os  car a entrada do Mar Vermelho apenas de-
         grande importância até ao dealbar do século  mercadores indianos (especialmente muçul-  veria ter escolhido outra altura para partir.
         XV. É um dos casos mais evidentes em que  manos guzerates), os chineses e os orientais  Preferiu – como vimos – esta manobra que
         a posição estratégica no sistema de comércio  (javaneses e outros); o grupo dominante era  lhe daria alguma vantagem táctica evitando
         que se desenvolve entre o Índico e o Pacífico,  guzerate e a ele se juntavam todos os mu-  a contra-argumentação dos capitães (que se
         com o acesso à China e à Indonésia, é decisivo  çulmanos que tinham a solidariedade reli-  tornara vulgar desde os acontecimentos de
         no desenvolvimento de uma cidade, que tem  giosa do Sultão, mas os outros não tinham  Ormuz) e a circulação da informação pelos
         de importar quase todos os meios de subsis-  um procedimento tão conforme com o poder  comerciantes muçulmanos, que a fariam che-
         tência (especialmente arroz, que era a base  local e podiam ser aliados de qualquer outra  gar a Malaca a tempo de permitir qualquer
         da alimentação das gentes), mas que funcio-  potência dominante.      preparação militar. Ali chegou a 28 de Junho
         na um centro de comércio                                                            com 18 navios, iniciando-
         entre um espaço oriental e                                                          se o habitual “diálogo de
         outro ocidental. E a razão                                                          surdos” cujo pretexto era
         fundamental para o seu                                                              agora a libertação dos pri-
         estabelecimento entre os                                                            sioneiros da armada de
         dois “mundos” resulta da                                                            Diogo Lopes de Sequeira.
         necessária sujeição das via-                                                        Apesar de tudo, ganhou
         gens marítimas ao regime                                                            com estas negociações al-
         de monções. Explica-nos a                                                           gum tempo, ficando a sa-
         Enciclopédia do Islão que                                                           ber que quando atacasse
         os navios vindos da Índia                                                           a cidade, teria os guzera-
         chegam entre Março e Ja-                                                            tes contra si e uma parte
         neiro seguinte, enquanto                                                            dos orientais a seu favor.
         os navios chineses e orien-                                                         O Sultão ia protelando a
         tais vinham entre Novem-                                                            libertação dos prisionei-
         bro e Março. Os primeiros                                                           ros e Albuquerque man-
         tinham os tecidos como                                                              dou aproximar alguns
         mercadoria essencial, e os                                                          navios e lançar uma acção
         outros negociavam as por-                                                           de surpresa sobre a praia,
         celanas e as especiarias das                                                        queimando as casas que aí
         ilhas orientais. Este movi-                                                         existiam. Os presos aca-
         mento era rigorosamen-  Malaca, Livro das Plantas de Todas as Fortalezas Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental.   baram por ser libertados,
                               António Bocarro.
         te regulado e constituía a                                                          mas, quando isso acon-
         base da riqueza e poder de Malaca que, in-  Como já tivemos ocasião de verificar, este  teceu, já a exigências de Albuquerque iam
         clusivamente, dispunha de uma guarnição  tipo de situações não passavam desperce-  até a total vassalagem ao rei de Portugal e à
         militar poderosa.                  bidas a Afonso de Albuquerque, que sabia  construção de uma fortaleza. Desembarcou
           D. Manuel insistiu várias vezes com D. Fran-  usá-las melhor do que ninguém, mantendo  de novo em 25 de Julho com auxílio de com-
         cisco de Almeida para que fosse a Malaca, e  como única linha de conduta a manutenção  batentes e embarcações chinesas, javanesas
         tal nunca aconteceu no seu vice-reinado, por  dos interesses portugueses. Outra das carac-  e do Pegu, bombardeando uma parte da ci-
         razões que podem ter mais a ver com a in-  terísticas do seu comportamento como Go-  dade e espalhando o pânico. Mesmo assim,
         suficiência de forças navais do que, propria-  vernador e como chefe militar foi a surpresa  só a 11 de Agosto, com novo desembarque
         mente, com qualquer desinteresse do Vice-  que procurava nas suas acções, indo ao ponto  precedido de bombardeamento, conseguiu a
         -Rei. Aliás, em 1508, o Rei enviou ao Oriente  de esconder as suas intenções aos seus pró-  vitória total. Ficava ainda por decidir o futuro
         uma esquadra comandada por Diogo Lopes  prios capitães. Talvez tivesse aprendido com  daquela conquista que,  na opinião da maio-
         de Sequeira, com o explícito objectivo de que  alguns dissabores antigos que era mais efi-  ria dos capitães, deveria ser o de abandono
         fosse em busca de Malaca e ali tentasse esta-  ciente e fácil alterar planos quando os navios  depois de conseguir um aliado local, mas que
         belecer uma feitoria comercial. Essa esqua-  já estavam no mar, do que preparar as acções  o Governador decidiu que seria a construção
         dra passou por Cochim, onde foi acolhida  com antecedência e sair para expedições que  de uma fortaleza exercendo total soberania
         e apoiada por D. Francisco, antes de partir  toda a gente já conhecia. Foi o que fez com  sobre a cidade, mesmo que isso significasse
         para oriente. Chegou a Malaca em Setem-  Malaca: saiu de Goa em Abril de 1511, após  (como aconteceu) o ter de ali ficar até à pró-
         bro de 1509 e conseguiu negociar um acor-  a sua segunda conquista, com toda a gente  xima monção. Como já tive ocasião de refe-
         do comercial com o Sultão local, todavia as  convencida de que iria até ao Mar Vermelho  rir, Albuquerque tinha uma ideia muito clara
         influências de outros grupos comerciais aca-  – cuja entrada era um objectivo estratégico  sobre o controlo de certos pontos chave para
         baram por alterar as intenções do soberano,  português antigo – mas, quando já estava  o movimento marítimo.
         que tentou surpreender os navios e aprisio-  no mar, deu indicações para que a esqua-                 Z
         ná-los. Não o conseguiu, mas ficaram presos  dra rumasse para Malaca, alegando que não    J. Semedo de Matos
         em terra alguns portugueses, gorando -se a  era a altura oportuna para navegar para es-           CFR FZ

         16  SETEMBRO/OUTUBRO 2003 U REVISTA DA ARMADA
   301   302   303   304   305   306   307   308   309   310   311