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A MARINHA DE D. MANUEL (40)
A conquista de Malaca
A conquista de Malaca
cidade de Malaca cresce no estreito hipótese de fazer a feitoria. Talvez que o ca- sas bandas. Era um argumento de peso que,
do mesmo nome, como um entre- pitão se tenha apercebido de uma questão além de tudo, era verdadeiro, todavia a de-
A posto comercial que surge a partir muito importante: não havia unidade de in- cisão de sair foi dele próprio, e se queria ata-
de uma pequena comunidade piscatória sem teresses, nem solidariedade política entre os car a entrada do Mar Vermelho apenas de-
grande importância até ao dealbar do século mercadores indianos (especialmente muçul- veria ter escolhido outra altura para partir.
XV. É um dos casos mais evidentes em que manos guzerates), os chineses e os orientais Preferiu – como vimos – esta manobra que
a posição estratégica no sistema de comércio (javaneses e outros); o grupo dominante era lhe daria alguma vantagem táctica evitando
que se desenvolve entre o Índico e o Pacífico, guzerate e a ele se juntavam todos os mu- a contra-argumentação dos capitães (que se
com o acesso à China e à Indonésia, é decisivo çulmanos que tinham a solidariedade reli- tornara vulgar desde os acontecimentos de
no desenvolvimento de uma cidade, que tem giosa do Sultão, mas os outros não tinham Ormuz) e a circulação da informação pelos
de importar quase todos os meios de subsis- um procedimento tão conforme com o poder comerciantes muçulmanos, que a fariam che-
tência (especialmente arroz, que era a base local e podiam ser aliados de qualquer outra gar a Malaca a tempo de permitir qualquer
da alimentação das gentes), mas que funcio- potência dominante. preparação militar. Ali chegou a 28 de Junho
na um centro de comércio com 18 navios, iniciando-
entre um espaço oriental e se o habitual “diálogo de
outro ocidental. E a razão surdos” cujo pretexto era
fundamental para o seu agora a libertação dos pri-
estabelecimento entre os sioneiros da armada de
dois “mundos” resulta da Diogo Lopes de Sequeira.
necessária sujeição das via- Apesar de tudo, ganhou
gens marítimas ao regime com estas negociações al-
de monções. Explica-nos a gum tempo, ficando a sa-
Enciclopédia do Islão que ber que quando atacasse
os navios vindos da Índia a cidade, teria os guzera-
chegam entre Março e Ja- tes contra si e uma parte
neiro seguinte, enquanto dos orientais a seu favor.
os navios chineses e orien- O Sultão ia protelando a
tais vinham entre Novem- libertação dos prisionei-
bro e Março. Os primeiros ros e Albuquerque man-
tinham os tecidos como dou aproximar alguns
mercadoria essencial, e os navios e lançar uma acção
outros negociavam as por- de surpresa sobre a praia,
celanas e as especiarias das queimando as casas que aí
ilhas orientais. Este movi- existiam. Os presos aca-
mento era rigorosamen- Malaca, Livro das Plantas de Todas as Fortalezas Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental. baram por ser libertados,
António Bocarro.
te regulado e constituía a mas, quando isso acon-
base da riqueza e poder de Malaca que, in- Como já tivemos ocasião de verificar, este teceu, já a exigências de Albuquerque iam
clusivamente, dispunha de uma guarnição tipo de situações não passavam desperce- até a total vassalagem ao rei de Portugal e à
militar poderosa. bidas a Afonso de Albuquerque, que sabia construção de uma fortaleza. Desembarcou
D. Manuel insistiu várias vezes com D. Fran- usá-las melhor do que ninguém, mantendo de novo em 25 de Julho com auxílio de com-
cisco de Almeida para que fosse a Malaca, e como única linha de conduta a manutenção batentes e embarcações chinesas, javanesas
tal nunca aconteceu no seu vice-reinado, por dos interesses portugueses. Outra das carac- e do Pegu, bombardeando uma parte da ci-
razões que podem ter mais a ver com a in- terísticas do seu comportamento como Go- dade e espalhando o pânico. Mesmo assim,
suficiência de forças navais do que, propria- vernador e como chefe militar foi a surpresa só a 11 de Agosto, com novo desembarque
mente, com qualquer desinteresse do Vice- que procurava nas suas acções, indo ao ponto precedido de bombardeamento, conseguiu a
-Rei. Aliás, em 1508, o Rei enviou ao Oriente de esconder as suas intenções aos seus pró- vitória total. Ficava ainda por decidir o futuro
uma esquadra comandada por Diogo Lopes prios capitães. Talvez tivesse aprendido com daquela conquista que, na opinião da maio-
de Sequeira, com o explícito objectivo de que alguns dissabores antigos que era mais efi- ria dos capitães, deveria ser o de abandono
fosse em busca de Malaca e ali tentasse esta- ciente e fácil alterar planos quando os navios depois de conseguir um aliado local, mas que
belecer uma feitoria comercial. Essa esqua- já estavam no mar, do que preparar as acções o Governador decidiu que seria a construção
dra passou por Cochim, onde foi acolhida com antecedência e sair para expedições que de uma fortaleza exercendo total soberania
e apoiada por D. Francisco, antes de partir toda a gente já conhecia. Foi o que fez com sobre a cidade, mesmo que isso significasse
para oriente. Chegou a Malaca em Setem- Malaca: saiu de Goa em Abril de 1511, após (como aconteceu) o ter de ali ficar até à pró-
bro de 1509 e conseguiu negociar um acor- a sua segunda conquista, com toda a gente xima monção. Como já tive ocasião de refe-
do comercial com o Sultão local, todavia as convencida de que iria até ao Mar Vermelho rir, Albuquerque tinha uma ideia muito clara
influências de outros grupos comerciais aca- – cuja entrada era um objectivo estratégico sobre o controlo de certos pontos chave para
baram por alterar as intenções do soberano, português antigo – mas, quando já estava o movimento marítimo.
que tentou surpreender os navios e aprisio- no mar, deu indicações para que a esqua- Z
ná-los. Não o conseguiu, mas ficaram presos dra rumasse para Malaca, alegando que não J. Semedo de Matos
em terra alguns portugueses, gorando -se a era a altura oportuna para navegar para es- CFR FZ
16 SETEMBRO/OUTUBRO 2003 U REVISTA DA ARMADA