Page 314 - Revista da Armada
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Ao correr da pena … 1
“Master and Commander -
“Master and Commander -
- The Far Side of the World”
- The Far Side of the World”
quem se interessa por ficção naval,
não terá passado despercebido o fil-
A me “Master and Commander - The Far
Side of the World”, de Peter Weir, que recen-
temente esteve em exibição em diversas sa-
las de cinema, e do qual existem versões em
video e DVD. O filme não é a transcrição de
um livro completo, mas apenas de episódios
extraídos de alguns dos vinte livros que Patrick
O’Brian (1) escreveu.
Embora prejudicado por uma tradução que
deixa muito a desejar no que respeita a termos
técnicos de marinharia, o filme é um exem-
plo raro de seriedade na reconstituição de um
ambiente de época, de tal modo perfeito que
o pormenor, a coerência e a verosimilhança
dos acontecimentos que descreve resistem ao
confronto com fontes históricas mais exigen- maioria ao período das Guerras Napoleónicas, se reveste de aspectos tão invulgares em ter-
tes: nada foi improvisado ou deixado ao acaso, ou seja, da ultima década do Sec. XVIII até cer- mos de sucesso que merece a pena referi-la
nem houve cedências para conseguir efeitos ca de 1815, época que continua a ser objecto com pormenor.
espectaculares, como tantas vezes acontece de grande interesse e a polarizar as atenções Quando um amigo me emprestou o primei-
com filmes desta natureza. É nesta perspecti- do público em geral. ro livro de Patrick O’Brian, “Master and Com-
va que talvez possam ter interesse para alguns Até há bem pouco tempo, era referência mander”, disse-me que eu iria certamente gos-
leitores da Revista da Armada as considerações obrigatória e quase exclusiva nesta matéria tar de o ler. Agradeci, mas sem fazer grande
que se seguem, que se baseiam não só no filme a obra de C. S. Forrester, criador do perso- tenção de perder tempo com “mais um” a re-
mas também na obra de Patrick O’Brian e sua nagem “Horatio Hornblower” e autor de 11 petir o que C. S. Forrester já dissera e inúmeros
divulgação no momento presente. livros sobre a sua carreira como oficial da outros autores haviam glosado, explorando o
A novela histórica marítima teve início nos Royal Navy durante o período que decorre assunto á sua maneira.
primeiros anos do Século XIX com a publica- de 1793 a 1814. Só passados alguns dias me resolvi a folheá-
ção, em 1805 de “The Post Captain - The Woo- C. S. Forrester era, sem dúvida, um escritor -lo. Li uma página, duas páginas, comecei
den Walls Well Manned”, de John Davies. Mas notável, que descreveu com invulgar perícia aperceber-me de várias coisas - e no dia se-
só 15 a 20 anos mais tarde veio a tornar-se um essa época tão conturbada, deixando páginas guinte mandei um fax para Londres pedindo
estilo literário bem definido, através de alguns que certamente alguns dos que lêem estas li- a remessa urgente de todos os outros livros de
livros da autoria de oficiais da marinha inglesa nhas ainda recordam. Com ele, tudo ficou dito: Patrick O’Brian, que foram avidamente “de-
que descreveram, duma forma mais ou menos esgotou o assunto, pelo que escrever de novo vorados” logo que chegaram. Não me admira
romanceada, as suas próprias actividades du- sobre a vida naval do início do sec. XIX impli- que a situação se repita com mais alguém, pois
rante os conflitos da época (2). caria grave risco de plágio ou redundância…E há relatos de vários casos idênticos (4): diz-se
Esta versão “naval” ou “bélica” da novela assim se pensou até que, inopinadamente, Pa- mesmo que quem ler até ao fim um ou dois
marítima conheceu grande desenvolvimen- trick O’Brian resolveu retomar o tema, dando livros de Patrick O’Brian já só parará quanto
to: inúmeros autores cultivaram o estilo, com inicio a uma prodigiosa aventura literária que os tiver lido todos…
maior ou menor sucesso, dedicando-se na sua provavelmente ainda não terminou (3), e que O seu fascínio resulta do extraordinário ri-
gor com que Patrick O’Brian descreve a vida
a bordo no tempo das guerras napoleó nicas.
A política, os costumes, as crenças, os diverti-
mentos - numa palavra, o ambiente em que se
projectam os factos está relatado numa sinto-
nia tão perfeita com aqueles tempos que, sem
qualquer anacronismo ou desconforto, o leitor
se sente transportado para “dentro deles”, vi-
vendo as motivações psicológicas dos perso-
nagens e identificando-se com elas.
O tema em torno do qual se desenvolvem
as novelas é a vida e aventuras de dois perso-
nagens centrais: Jack Aubrey, oficial da Royal
Navy que, em 1800, em Port Mahon (Bale-
ares), é nomeado comandante do SOPHIE,
um pequeno brigue de 14 peças; e Stephen
Maturin, médico naval que é convidado por
24 SETEMBRO/OUTUBRO 2004 U REVISTA DA ARMADA