Page 317 - Revista da Armada

O Trânsito de Vénus
O Trânsito de Vénus

o passado dia 8 de Junho, o planeta Vénus “passou” na frente co-científicas, cruciais ao desenvolvimento sustentado da vanguarda
do disco solar, quando observado da Terra! tecnológica europeia.
N A um fenómeno astronómico deste tipo dá-se o nome de O Planetário Calouste Gulbenkian, participou nesta importante efe-
Trânsito. Para que tal observação seja possível a partir do nosso astro, méride, disponibilizando meios técnicos e humanos, junto ao Padrão
são necessários determinados alinhamentos planetários, como uma dos Descobrimentos, para que o público pudesse observar o aconteci-
conjunção inferior, isto é, os planetas interiores à Terra encontrarem-se mento de forma segura (filtros solares ou método de projecção), bem
entre esta e o Sol. Nestes trânsitos, como o natural esclarecimento do
os planetas percorrem trajectórias fenómeno. Para os observadores lis-
através do disco solar, visualizados boe tas, Vénus foi madrugador, pois
como simples “pontos pretos”, o 1º contacto ocorreu às 06h20m,
uma vez que se encontram na fase (Sol nasceu às 06h12m), o 2º con-
“nova”, na qual viram para a Terra tacto às 06h40m (efeito de “gota
o seu hemisfério não iluminado. A negra”!) e até às 12h06m, 3º con-
visibilidade à superfície da Terra é tacto com novo efeito de “gota ne-
variável em função das diferentes gra”, e 12h25m, 4º e último contac-
latitudes, tal como acontece para to. O planeta não nos deixou ficar
os eclipses solares. mal, percorreu o caminho previsto,
Vénus vai viajar muitas vezes cumprindo com exactidão as leis
mais na frente do Sol. A próxima que regem o Universo, e demons-
passagem de 2012, não é visível no trando aos humanos, mais uma
nosso país, sendo por isso, necessá- vez, a nossa brevidade …
rio viajar até outras paragens, se as Foi bastante gratificante,
gerações do presente ainda o qui- como sempre acontece para
serem agarrar. Em 2117 também quem divulga astronomia, o
não terá visibilidade em Portugal. Será novamente observa- contacto com o público, que
do, embora parcialmente … em 2125! no presente caso, e atendendo
Estes longos intervalos entre trânsitos, principalmente os de ao local, era maioritariamente
Vénus, devem-se a factores tais como, diferentes inclinações das estrangeiro. Bastante interes-
órbitas dos intervenientes, que têm de estar alinhados com a sados, franceses, ingleses, ja-
Terra e o Sol, perto da “linha dos nodos”, que une os pontos de poneses, alemães, holandeses
intersecção das suas órbitas com a “eclíptica” (órbita da Terra), e até, neo-zelandeses … lá fo-
e períodos siderais de revolução com as suas variações secula- ram, timidamente observando
res. Em média, ocorrem cerca de 13 trânsitos de Mercúrio por e fazendo algumas perguntas
século (um em cada 7,5 anos) e 4 trânsitos de Vénus em aproximada- relativas ao inesperado viajante cósmico, pois não faziam a mínima ideia
mente 243 anos. Actualmente, os interesses científicos nas observações que esta visita ao nosso país lhes proporcionaria uma observação astro-
dos trânsitos são outros, como, por exemplo, o estudo e teste de mé- nómica de oportunidade única “…once in a life time?... Great!”
todos de detecção de planetas extra-solares, ou exoplanetas, dado que As opiniões, relativamente ao avistado astro dividiam-se, como
também eles “transitam” as suas estrelas. é natural: - “O quê? Aquilo é que é Vénus? Aquele minúsculo pon-
Historicamente, existem registos do trânsito de Vénus de 1639, o tinho preto?”
primeiro, previsto e observado por um jovem britânico de nome Hor- -“ Pensava que seria muito maior!”
rochs, que apesar de ter falecido muito novo, conseguiu desenvolver -“Ainda se fosse visto lá de cima, do terraço do Padrão, seria bem
inúmeros aspectos de astronomia teórica e observacional, que ainda melhor! Estávamos mais perto!” (sorrisos cúmplices…)
hoje espantam, pela sua inteligência e persistência. -“ Aquele é Vénus? Fantástico! Ele está mesmo ali e eu a vê-lo!”
Novo trânsito em 1761, cujas observações deram origem à análise dos -“ Tá a ver? Estou em Portugal com o Rock in Rio, o Euro 2004
resultados registados para se conseguir determinar a paralaxe solar, e e … Vénus!”
assim se poder calcular a distância da Terra ao Sol (unidade astronómi- Curiosa, foi também a possibilidade de observar no disco solar umas
ca), pelo método de triangulação. Astrónomos de diferentes países par- ténues manchas acinzentadas, de vários tamanhos, a uma latitude apro-
ticiparam nestas observações, entre eles três portugueses. Os resultados ximadamente equatorial, as já bem conhecidas Manchas Solares, des-
das observações do português Miguel Ciera, do Collegio dos Nobres, cobertas por Galileu Galilei, que … não podemos esquecer, também
foram publicados em 1794 num artigo da Academia Real das Ciências descobriu … as “fases” de Vénus!
de Lisboa. O trânsito de 1769, seria uma segunda oportunidade para Uma magnífica manhã de primavera, que reuniu pessoas vindas dos
poderem finalmente calcular com rigor a distância que separa a Terra “quatro cantos” do mundo, numa observação única, que, para alguns
do Sol. A Royal Society organizou uma expedição ao Taiti, comanda- espíritos mais sensíveis, teve tanto de científica, como de mística. Afinal,
da por James Cook que com sucesso observou o fenómeno. O último estávamos apenas a espreitar um nosso parente mais próximo, mas isso
trânsito de Vénus aconteceu em 1882! não impediu que cada um de nós, e a seu modo, sentisse a perenidade
O trânsito de Vénus de 2004 ficará, certamente, para a História, pelas do Universo, aquele mesmo que, segundo palavras de um brilhante
iniciativas que foram preparadas, um pouco por todo o mundo, com es- astrofísico português, e passo a citar “… será sempre o último a rir!”
pecial destaque para o projecto elaborado e liderado pelo Observatório Z
Europeu do Sul (ESO), denominado VT-2004, financiado pela Comissão Teresa Barbosa
Europeia, que criou uma rede de observação astronómica que abrange Conferencista-Demonstradora
todos os países, sem excepção, a todos os níveis: universidades, esco- PLANETÁRIO CALOUSTE GULBENKIAN
las, astrónomos amadores e população. Este projecto enquadra-se nos Notas
Informação recolhida a partir de textos de livre utilização dos interessados,
objectivos fundamentais de promover a cultura científica, despertar que se encontram na página oficial Central do Projecto VT-2004.
os jovens para a ciência e incrementar as vocações profissionais técni- Copyright ESO Education & Public Department
REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2004 27