Page 309 - Revista da Armada
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Marinheiro antes de tudo mas tânea numerosos telegramas fo-
também um contador de histórias e ram enviados para o Ministério
daí o seu gosto pelo conto naval, e para o próprio rei, protestando
publica nesse ano uma pequena contra a saída do governador e
e bela colectânea de narrativas a enaltecendo a sua acção a qual
que chamou “ Marinhas” e onde fez despertar a colónia de uma ter-
relata vários episódios por ele vi- rível letargia. Era indiscutível, no
vidos a bordo. curtíssimo espaço de um mês a
O seu permanente desejo de obra realizada tinha sido extra-
cumprir missões no mar será ordinária! À chegada a Lisboa o
novamente satisfeito quando é encontro com o novo ministro
nomeado, inicialmente encar- nada teve de amistoso. O gover-
regado do comando e poste- nador declarou que não tendo o
riormente, em Agosto de 1907, apoio da Metrópole para a obra
comandante da canhoneira que pretendia levar a cabo pre-
“Diu”, navio misto construí- Chegada do Governador Leotte do Rego a S. Tomé em 14 de Junho de 1911. feria apresentar a sua demissão,
do no Arsenal da Marinha em que foi aceite.
1889. Após um período de missões nas cos- É nesta situação que em Abril é nomeado Como sempre Leotte do Rego age segun-
tas do Continente, que incluiu uma viagem governador de S. Tomé e Príncipe pelo seu do a sua consciência e não ao saber dos
de instrução de aspirantes da Escola Naval, amigo Comandante João Azevedo Coutinho, ventos políticos e muito menos de conve-
larga em 1908 para Moçambique. Mais uma Ministro da Marinha e Ultramar, como ele um niências pessoais.
comissão nos mares do Índico, onde retoma heróico combatente em Moçambique. Apesar de descontente com os malogros
os reconhecimentos hidrográficos nas barras A situação económica em S. Tomé sofria a da Monarquia não teve qualquer intervenção
e nos portos locais, que decorrerá até Agosto concorrência do Brasil quanto à cultura e à quando da instauração da República. Para ele,
de 1909, recebendo na ocasião diversos lou- exportação do cacau, o aparelho administra- como já citado, a defesa pelo engrandecimen-
vores entre os quais se destaca o do Major- tivo encontrava-se totalmente ineficaz e cor- to da Marinha constituía o objectivo priori-
-General da Armada pelo grande zelo e inte- rompido, porém o problema da mão-de-obra tário, pois essa situação, aliada a um bom
resse que lhe merecem a disciplina e a instrução indígena era de longe a mais grave questão governo do Ultramar, levaria também ao
profissional da guarnição da canhoneira “Diu” tendo até sido objecto de fortes acusações fortalecimento da Pátria que, na sua opinião,
do seu comando. De sublinhar a atenção de por parte de potências europeias, especial- deveria estar acima de tudo e de todos. Ade-
Leo tte do Rego na elaboração de relatórios mente da Inglaterra. riu à Republica no início de 1911, já que lhe
das suas missões. Assim, nos “Anais do Clu- A duração do exercício do cargo do novo pareceu que o novo regime político melhor
be Militar Naval”, de que será assíduo co- governador foi extremamente curta, de 15 de poderia corresponder aos seus desejos.
laborador, relata a viagem de instrução de Junho a 21 de Julho de 1910, apenas 36 dias! Logo após o 5 de Outubro tinha sido no-
aspirantes de 1907 e a de Lisboa para Mo- Compulsando o “Boletim Oficial” de S. Tomé meado para S. Tomé um governador inte-
çambique que se seguiu. pode-se verificar a avalanche de legislação en- rino mas a população ansiava o regresso de
Terminado aquele que seria o seu penúl- tão publicada visando especialmente aspectos Leotte do Rego e assim a convite do novo
timo comando no mar e considerado en- sociais e atacando frontalmente a corrupção Ministro de Marinha e das Colónias, em
tão um profundo conhecedor das questões e inúmeros privilégios, mordomias e abusos Março de 1911, voltou a ser nomeado gover-
africanas, principalmente no que respeita que proliferavam no território. nador do território. Recebido triunfalmente
a Moçambique, é nomeado vogal de duas A Monarquia estava prestes a cair. Os go- logo apresentou as linhas mestras do seu
comissões: uma criada para remodelar a or- vernos sucediam-se. D. Manuel II, no seu rei- programa que contemplará os aspectos so-
ganização da Marinha na parte que diz respei- nado de somente dois anos teve de mudar ciais, particularmente os que incidem sobre
to à polícia e fiscalização da costa e dos rios das sete vezes o Ministério. Na pasta da Marinha a mão-de-obra o eterno problema, incitando o
possessões Ultramarinas portuguesas e outra e Ultramar, João Azevedo Coutinho é substi- respeito por todos os trabalhadores.
encarregada da estrutura e reorganização da tuído pelo conselheiro Marnoco e Sousa, fac- Em princípios de Outubro na Metrópole ti-
província de Moçambique. to com repercussões no governo de Leotte do veram inicio incursões monárquicas pela fron-
Sendo prioritariamente um homem de ac- Rego que é chamado a Lisboa. Tem enorme teira norte que provocaram agitação interna e
ção, como tinha até então provado e a vida repercussão a partida do governador, além de limitaram a acção governamental, no entanto
no mar o seu ideal, era simultaneamente um uma grandiosa manifestação popular espon- em terras santomenses o governador continua
estudioso. Ser um brilhan- a desenvolver reformas in-
te operacional e também cidindo prioritariamente na
um notável oficial de ga- instrução, determinando
binete é considerado um que o ensino primário é obri-
caso invulgar. Leotte do gatório para todas as crianças
Rego era verdadeiramen- de ambos os sexos e na agri-
te uma excepção. cultura, tendo em vista
No início do ano de 1910 que esta actividade é priori-
as forças politicas republi- tária para a prosperidade da
canas encontram-se em província. Cessa as funções
franco desenvolvimento, de governador a 22 de No-
o chamado Rotativismo en- vembro de 1911. Mais uma
tre Progressistas e Rege- vez devido a uma série de
neradores constituía um factores conjunturais, a que
verdadeiro obstáculo a a politica não foi alheia, as
qualquer avanço social ou suas comissões de serviço
económico. Enfim, o jogo são de curta duração. Rela-
político em Portugal estava cionado com a sua gover-
totalmente desacreditado. Cruzador “Vasco da Gama”. nação ultramarina é eleito
REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2004 19