Page 177 - Revista da Armada
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soas de outra língua nativa. Ora, quando uma o “portas” preferiu dar passagem aos primeiros, me desmanchar a rir, lhe disse “Se quiser pode
senhora, muito prestavelmente, respondia às deixando o francófono camarada “pendurado” falar Português, que eu entendo perfeitamen-
minhas indagações, a resposta soou-me a algo diante do umbral. te”. Caindo, finalmente, em si, juntou o seu riso
como “ass-ho”, que é muito semelhante a um Mas bem fazem os franceses e os espanhóis ao meu e a refeição terminou com esta nota
conhecido insulto anglo-saxónico. Preparava- em defender com unhas e dentes a primazia da de boa-disposição.
me, já, para sugerir à referida senhora que fosse sua língua sobre todas as outras – pelo menos Para completar o panorama poderia, ainda,
chamar aquele nome a um dos seus familiares dentro do seu território. Já o Português não é mencionar um ou dois daqueles casos em que
mais chegados quando ela, vendo a minha cara tão orgulhoso e não hesita em ser ele a adaptar- a nossa própria língua nos soa como estrangeira.
de poucos amigos e adivinhando o mal-entendi- se à linguagem do seu interlocutor. O que, pes- Mas aí temos muito mais “pano para mangas” e,
do, se apressou a rabiscar numa folha a palavra soalmente, me faz sentir um pouco estranho é sobretudo, o mote para uma outra história…
“Esso” (peço desculpa pela publicidade gratui- quando, por uma questão de cortesia, tenho de
ta!), desfazendo, deste modo e de uma vez por falar Inglês com outros compatriotas só porque Nota do autor: Aqui fica, como não podia
todas, quaisquer hipóteses de confusão. no grupo está presente um estrangeiro. É o que deixar de ser, uma palavra de saudade para
Porém, nem sempre compensa dominar per- acontece na minha presente unidade, onde, com o Comandante Sousa Machado, cujo re-
feitamente uma língua estrangeira. Certa vez, além de lidar com pessoal dos três Ramos das cente desaparecimento veio empobrecer sig-
em Bordéus, à entrada de uma discoteca, alguns Forças Armadas, trabalho com um engenhei- nificativamente o mundo das Artes e das Letras
dos meus camaradas de curso, admitindo a sua ro de nacionalidade britânica. Por esse motivo, navais. Foi um verdadeiro privilégio para este
ignorância no Francês, dirigiram-se ao porteiro grande parte dos meus almoços são passados vosso camarada ter ilustrado com estas modes-
em Inglês, enquanto um outro, que tinha vivido a falar Inglês. Ora, sucedeu, certa vez, que o tas linhas algumas das últimas obras daquele
muito tempo em França, fez questão de exibir Engenheiro teve de sair da mesa mais cedo. E insigne Artista. O espaço vazio que desta vez
os seus latos conhecimentos no idioma gálico. não é que o meu vizinho do lado – militar do aqui se exibe mostra que, embora ninguém
Infelizmente, para ele, desta vez o tradicional Exército Português -, entusiasmado com a con- seja, verdadeiramente, insubstituível, há pes-
chauvinismo francês funcionou de forma oposta versa que se tinha desenrolado até ali, conti- soas extremamente difíceis de substituir.
ao esperado, pois, entre três ou quatro supostos nuou a falar comigo… em Inglês?! Divertido Z
turistas e alguém cujo sotaque sugeria tratar-se com a situação, deixei-o falar à vontade, até J. Moreira Silva
de um imigrante sul-europeu ou norte-africano, que, por fim, não podendo aguentar mais sem CTEN
Raúl Sousa Machado
Raúl Sousa Machado
Um apontamento
ste desenho inédito de Raúl Sousa Machado,
feito em 1942, simboliza a condescendência
Ee a amizade de um respeitável senhor cade-
te da Escola Naval por um fedelho de 12 anos que,
na fase de afirmação da personalidade e da busca
de modelos, via a Marinha e tudo o que com ela se
relacionava com o deslumbramento que, por essa
altura, os jovens tinham pelas pessoas e pelas coi-
sas do mar!
A amizade, que era recíproca e cimentada em re-
lações de famílias muito próximas, igualmente liga-
das á Marinha e residentes no Alfeite, continuou ao
longo dos anos.
O respeito do mais novo pelo mais velho foi sem-
pre crescendo, e nem a chegada àquelas idades em
que dez anos de diferença já nada significam o di-
minuiu ou afectou.
Ao publicar este desenho, quero que ele simbolize
a homenagem de todos os jovens que buscam mode-
los de conduta e exemplos que lhes sirvam de orien-
tação na forma correcta de proceder, ou de vidas de-
dicadas ao estudo, á arte, a tantas outras actividades
benéficas e solidárias para com o próximo: seguindo
o exemplo de Raúl Sousa Machado irão seguramente
pelo caminho certo.
Z
Comandante G. Conceição Silva
REVISTA DA ARMADA U MAIO 2005 31