Page 176 - Revista da Armada
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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (11)
Falar Estrangeiro
Falar Estrangeiro
já por demais conhecida aquela anedota portugueses semelhantes. Assim sucedeu com “s’rfiss” e “s’rfâss” (e neste momento metade da
de um turista (ou emigrante?) luso que, em outro camarada, a quem acompanhei numa nossa chamada “Comunidade Operacional”
É as de Sua Majestade Britânica, ao ser tarde de compras numa cidadezinha do Sul deve estar com a cara enfiada num dicionário
terr
abordado com um cordial “Good Afternoon! da Inglaterra. Pois quando este se dirigiu à sa- de Inglês para saber se eu tenho ou não razão).
How do you feel?”, terá respondido “Good af- ída de uma loja, ao ver sobre a porta de vidro E bem me custou, quando era Aspirante, ter
tershave! I Phil Collins.”. Se esta historieta tem o um letreiro com a indicação “push”, e sem se “levado na cabeça” por ter pronunciado a pa-
seu quê de jocoso, acaba, no fundo, por fazer lembrar que a palavra significa precisamente lavra correctamente. Na altura, embora tivesse
justiça ao já proverbial espírito de “desenras- o oposto daquilo que sugere, desatou a puxar – respeitosamente, diga-se! - tentado argumen-
canço” do português, que em situação alguma pela maçaneta sem que a bendita portinhola tar pela razão, não me restou outra alternativa
se atrapalha, mesmo que tenha de travar diá- se mostrasse disposta a ceder. Eis que surge, que não fosse remeter-me à insignificância da
logo com um chinês na língua materna deste. então, um “bife”, que a empurra com a maior minha reduzida antiguidade e considerar a con-
Claro está que isto é habitualmente feito à custa das facilidades e lhe atira com desprezo - em versa encerrada, com um diplomático “Recebi-
de brutais agressões ao idioma do seu interlo- Inglês, claro - “Não sabe ler?”. Claro que o meu do, Sr. Tenente. Determina mais alguma coisa?”.
cutor. Basta assistir – voltando ao exemplo do pobre “filho-da-escola” ficou ainda mais con- Magister dixit e não se fala mais nisso!
Inglês - à utilização de expressões como “Tank fuso do que já estava. Pois se ele tinha puxado Mas somos tão desgraçados que até na má
you very nice!”, para agradecer, ou “Offsho- a maçaneta, como o letreiro indicava…! pronúncia os “nuestros hermanos” nos levam
re!”, para manifestar concordância. Já no que toca à pronúncia, o nosso desempe- a palma, pelo menos no que toca a falar Inglês.
É costume dizer-se que “quem não sabe in- nho raia o conceito de atentado à mão armada. Ainda há pouco tempo, ao regressar de Madrid
venta” e o “Zé Portuga” faz isso melhor do que Se nos primeiros tempos da nossa participação num avião de uma companhia espanhola, vi
ninguém. Quando não inventa converte para na NATO se justificava a existência de manu- os passageiros – maioritariamente portugueses
“estrangeiro” palavras ou expressões que co- ais de procedimento radiotelefónico em Inglês e, provavelmente, nenhum deles especialista
nhece, como um “filho-da-escola” meu que, onde pontuavam enormidades como aquela no idioma anglo-saxónico – romperem numa
durante uma escala em Casablanca, quando o de pronunciar o algarismo “4” como “fáu-âr”, estrondosa gargalhada colectiva quando a hos-
empregado de um restaurante lhe perguntou, já se torna menos compreensível que, nos dias pedeira-chefe, pelo altifalante, se lhes dirigiu
em Francês, se desejava tomar café, respondeu de hoje, com uma melhor formação de base em Inglês. Penso que não estava presente qual-
“C’est pas precise!”, deixando o copeiro verda- do pessoal, se mantenham institucionalizadas quer pessoa de língua nativa inglesa, pois, ao
deiramente atarantado. O inverso também se verdadeiras “calinadas” como a de insistir em ouvir aquele ininteligível grasnar, vagamente
verifica, com a tendência de atribuir às palavras pronunciar a palavra “surface” como “surfeice”, semelhante a coisa nenhuma, teria, decerto,
estrangeiras o mesmo significado de vocábulos quando a sua correcta pronúncia é algo entre dado um tiro na cabeça, não obstante o facto
de não haver armas de fogo a bordo. É, aliás,
por esse motivo que os nossos concidadãos
preferem, normalmente, arriscar o seu “Espa-
nholês/Portunhol” quando se dirigem aos seus
vizinhos ibéricos.
Claro que quase todo o português julga
dominar o Castelhano. E por vezes essa pre-
sunção atinge outras línguas só pelo facto de
termos “pescado” nos filmes uma ou outra
expressão que acaba por se nos tornar fami-
liar. Ainda há pouco tempo quase rebentei
de riso ao ouvir a história de um jovem ca-
dete que, durante uma viagem de instrução,
enquanto a “Sagres” deslizava pelo canal de
Kiel, ia saudando a multidão com alegres
“Schwein! Schwein!”, julgando que se trata-
va de um comprimento e longe de imaginar
que os povos germanófonos utilizam a pala-
vra para designar o gado suíno.
Mas, voltando à questão da pronúncia: devo
dizer que embora muitas vezes a considere-
mos um problema de somenos importância a
verdade é que ela pode gerar situações verda-
deiramente problemáticas, que a nível superior
poderão, mesmo, degenerar num conflito diplo-
mático. Basta ver o que me sucedeu, certa vez,
em Zeebrugge, quando procurava uma agência
de aluguer de automóveis. Como me encontra-
va na Flandres belga e o Flamengo não faz parte
dos meus conhecimentos, vi-me na desagradá-
vel contingência de ter de falar Inglês com pes-
30 MAIO 2005 U REVISTA DA ARMADA