Page 248 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DA BOTICA (41)



                           A Raínha do Mundo,
                           A Raínha do Mundo,

                         a Vida e a Esperança.
                         a Vida e a Esperança.



                                                                               uma rapariga de 9 anos (em anexo), que muito
                                                                               me surpreendeu. Gostei do estilo, com prin-
                                                                               cípio meio e fim, mas gostei ainda mais da
                                                                               mensagem. Quantas vezes desejei ter pode-
                                                                               res de fada, para mudar o fado que – sinto-o
                                                                               pesadamente hoje – me persegue como cão
                                                                               raivoso, que morde sem largar, feroz e aza-
                                                                               rento…Tal como no texto também eu dese-
                                                                               jei ter sorte e poder. Desejei ajudar os bons
                                                                               e anular os maus e egoís tas, só não quis ter
                                                                               uma limusina. Sempre achei que certos car-
                                                                               ros são muito ostensivos, uma quimera no
                                                                               mundo de fazer crer em que nos tornámos:
                                                                               uma espécie de disneilândia da boçalidade
                                                                               em que pessoas sem arte ou cultura preten-
                                                                               dem fazer acreditar a outros a distinção que
                                                                               não conseguiram nos bancos da escola, nem
                                                                               – as mais das vezes – com trabalho honesto.
                                                                               Exactamente o mesmo fenómeno se observa
                                                                               nos países do terceiro mundo que já visitei,
                                                                               ao contrário de outros ditos do norte, onde se
                                                                               limam as assimetrias e as pessoas pretendem
                                                                               basear a sua individualidade em valores que
                                                                                         estão para além do que se vê…
             screvo numa manhã soa-                                                      esquecidos, quase proscritos en-
             lheira. É por certo a primei-                                               tre nós…Mas não é este o desa-
         Era em que encontro o de-                                                       bafo que me interessa. Queria,
         sejo de libertar o espírito – que                                               isso sim, ter ainda a fé de uma
         é para isso que serve a escrita                                                 criança para acreditar que a li-
         – logo pela manhã. Contudo,                                                     musina “só custasse um cênti-
         o brilho do novo dia fere-me o                                                  mo”, para (nem que fosse por
         espírito. Há demasiada luz, tudo                                                um só dia) permitir a tal criança
         parece demasiado real e as pa-                                                  uma viagem naqueles modernos
         lavras, sei-o bem, preferem o re-                                               rocinantes…
         côndito da sombra, que a noite                                                    O que me tocou mais na pe-
         favorece. Talvez hoje tenha sido                                                quena composição é a expressa
         assim, porque só com uma luz                                                    vontade de que um irmão e uma
         tão cheia de força e tão (ine-                                                  irmã, ambos à sua maneira do-
         quivocamente) positiva, pôde                                                    entes, melhorassem…Na doen-
         afugentar os fantasmas que me                                                   ça, sobretudo se prolongada e
         atormentaram durante a noite.                                                   grave, todos desfalecem e per-
         Seria por isso que povos anti-                                                  dem a esperança. Ora eu vivo
         gos adoravam o Sol? Hoje, por                                                   muitas vezes sem esperança e
         ironia do momento, juntei-me                                                    com a sensação que a vida, por
         a essas almas de outrem: talvez                                                 mais que tente, está enredada em
         porque tenho a alma carrega-                                                    perplexidade e desespero. Isto é
         da e não tenho paz na solidão,                                                  particularmente verdade agora,
         que geralmente me acompa-                                                       quando um dos meus filhos se
         nha. Estou triste e preocupado                                                  encontra seriamente doen te. À
         pela Vida. Aquele ente sem face,                                                minha maneira, também gosta-
         que tem todas as faces e é todo-                                                ria de ter poderes mágicos, para
         poderoso, que obriga mulheres                                                   poder agir sobre tudo o que me
         a viverem em perpétuo pecado                                                    preocupa. De todas as sensa-
         (…as da Vida) e homens a mor-                                                   ções, a que mais me aflige é a
         rerem, de forma nobre e anóni-                                                  de que de algum modo numa
         ma, na guerra.                                                                  encruzilhada invisível, mas mui-
           Felizmente, nesta manhã lu-                                                   tas vezes presente, me enganei
         minosa, encontrei o texto de                                                    no caminho que deveria ter sido

         30  JULHO 2005 U REVISTA DA ARMADA
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