Page 244 - Revista da Armada
P. 244

Antes que a trans-  buraco de cerca de 3 metros de fundo abaixo
                                                             missão da mensagem  da linha de àgua.
                                                             chegue ao fim já o   Os navios acabam por se separar e a água
                                                             Camperdown estava  começa a entrar com força pela grande cavi-
                                                             reconhecer o sinal,  dade produzida no Victoria. O navio inclina-se
                                                             levando as bandeiras  para EB. O comandante Bourke vai dar uma
                                                             a tope.           volta pelo navio para verificar se as portas es-
                                                              Às 15.31, os dois  tanques estão fechadas, dado que, apesar do
                                                             sinais são arriados si-  estado em que o navio se encontra não parece
                                                             multaneamente diri-  iminente o seu afundamento. Chega mesmo a
                                                             gidos – como vimos  ir a uma das casas das máquinas e ao compar-
                                                             – cada um deles, à  timento das caldeiras, onde tudo está O.K.
                                                             sua divisão. Os dois   Um dos oficiais, antevendo o pior, sugere
                                                             navios testas metem  rumar em direcção a terra. Tryon concorda e
                                                             leme para dentro da  ordena a velocidade de 7 nós.
                                                             formatura. No Victoria   Entretanto o comandante do Dreadnought,
                                                             é o próprio Tryon que  um dos navios da força, toma a iniciativa de
                                                             dá ordem para meter o  pôr embarcações na água, mas Tryon, não ad-
                                                             leme a BB. A velocida-  mitindo que o navio se afunde, manda anu-
         Id. esquema da evolução.
                                                             de dos navios é de cer-  lar a ordem. As máquinas não desenvolvem
         embarcado o vice-almirante Sir George Tryon  ca de 9 nós. Em trinta segundos o Victoria co-  rotações para atingir a velocidade ordenada.
         e  a coluna de BB, que formava a 2ª divisão,  meça a guinar em direcção ao Camperdown,  O rombo já fez entrar mais do que 2.000 to-
         tem como navio testa o Camperdown, de  enquanto este faz o mesmo em direcção ao  neladas de água. A situação piora e mesmo
         que é responsável o contra-almirante Hastin-  navio chefe. Velocidade relativa: 19 nós!  Tryon reconhece que o navio está prestes a
         gs Markham.                          A colisão parece iminente. O comandante  afundar-se.
           Às 15.27 são içados os seguintes sinais  do Victoria, ansioso, apontando para o Cam-  Às 15.44, isto é, cerca de 10 minutos após
         para a inversão de rumo:           perdown, dirige-se a Tryon:        a colisão, o Victoria afundou-se. Perderam-se
           1ª Divisão altera o rumo em sucessão   Temos de fazer qualquer coisa, Sir. Estamos  358 homens, a maior parte deles encafuados
         16 quartas (180º) para BB, mantendo a for-  muito perto do navio”. O tempo voa. Bourke  nas casas das máquinas e noutros comparti-
         matura;                            clama a Tryon, novamente, que é preciso fa-  mentos. Desapareceu também o Vice-almiran-
           2ª Divisão altera o rumo em sucessão  zer qualquer coisa, até que, não se contendo  te Tryon, cujas ultimas palavras foram:
         16 quartas (180º) para EB, mantendo a for-  mais, exclama:              – Foi tudo por culpa minha.
         matura.                              – Posso meter a ré a máquina de BB?  Desta enorme tragédia, foram salvos 350
           Todos os navios reconhecem o sinal excep-   O almirante Tryon que está próximo da  membros da guarnição entre os quais o capi-
         to o Camperdown, o navio testa da 2ª divisão,  mesa das cartas e vendo o Camperdown mui-  tão de fragata John Jellicoe, que se encontrava
         onde se encontra, como disse, o contra-almi-  to próximo, concorda:   acamado com 39.5º devido a uma febre de
         rante Albert Hastings Markham e que man-  – Sim, meta a ré.           Malta. Jellicoe consegue salvar-se, em trajes
         tém o sinal a meia adriça, mostrando dúvidas   E Bourke, ultrapassando a autorização de  menores, com a ajuda de um guarda marinha,
         quanto à execução da ordem. Suspeitando,  Tryon, ordena:              cujo nome é Philip Robert West e que contri-
         que há qualquer engano no sinal, Markham dá   – As duas máquinas, toda a força a ré!  buiu para que aquele valoroso oficial viesse a
         ordem para que se envie uma mensagem, por   Quatrocentas jardas separam os dois coura-  ser o grande vencedor da batalha da Jutlândia,
         semáforo, para o Comandante-Chefe, pedin-  çados. Nada há a fazer para evitar a colisão.  em Junho de 1916.
         do esclarecimentos. A mensagem não chega a  Um tenente desembaraçado manda apitar:  Acresce dizer que o Camperdown também
         ser enviada dado que, entretanto, Tryon, impa-  – Fechar portas estanques e preparar o co-  ficou muito mal tratado. De facto, sete com-
         ciente, admitindo, talvez, que a demora é uma  xim de abordagem!      partimentos ficaram alagados e só depois de
         censura à sua ordem, envia para o Camperdo-   prevendo um rombo que pusesse em causa  90 minutos de trabalho das bombas de esgo-
         wn, a seguinte sinal por semáforo:   a integridade do navio. Tripulantes correm para  to, é que o contra-almirante Markham, ago-
           – Do que é que está à espera?    preparar e levar o coxim de abordagem para o  ra comandante-chefe, mandou reconstituir a
                                            local onde se espera
                                            o embate. Não há
            O esporão, que tinha sido a grande arma   outras reacções até
          das famosas galeras do passado e que actuava   que Tryon atraves-
          pela força dos remadores, voltou a ser usado,   sando o convés e,
          nos navios de combate a vapor. O seu gran-  já tardiamente,  grita
          de sucesso registou-se, em 1866, durante o   angustiado para Ma-
          combate naval de Lissa, entre as frotas austría-  rkham:
          ca e italiana, em que o couraçado Ferdinand   – Ande a ré, ande
          Maximilian afundou o Re d’Italia. Na Mari-  a ré! Uma ordem
          nha Inglesa, para além do acidente referido   que já tinha sido
          no texto, houve outro, em 1875, igualmente   dada.
          em tempo de paz, no qual o couraçado Iron   Às 15.34, o Cam-
          Duke, devido ao nevoeiro, afundou o Van-  perdown, apesar da
          guard com um golpe de esporão, não tendo   sua velocidade ser
          havido vítimas. Laird Clowes, autor de uma   apenas de 6 nós,
          volumosa e importante obra sobre a Marinha   enfia o aguçado es-
          Inglesa, comenta o facto afirmando que o es-  porão no costado
          porão se tornou mais perigoso em tempo de   de EB do Victoria, a
                           2
          paz do que em combate .           cerca de 20 metros
                                            da proa, fazendo um   Id. Victoria.
         26  JULHO 2006 U REVISTA DA ARMADA
   239   240   241   242   243   244   245   246   247   248   249