Page 248 - Revista da Armada
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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (17)



                                             Piropos
                                              Piropos



               á uns bons quatro anos, no âmbito de  presença. Já não sei se o mesmo poderão di-  cabo da respectiva vassoura ou esfregona, a as-
               funções de formação que me estavam  zer os habitantes da pacata cidade alentejana,  sistir, completamente embevecidas, a um au-
         Hatribuídas, propus-me frequentar um  que se viu literalmente tomada de assalto por  têntico desfile de homens suados, em tronco
         curso sobre o qual o nosso Exército tinha, na  um grupo de indivíduos de aspecto vagamen-  nu, a caminho dos balneários. E julgando que
         altura, direitos exclusivos, apesar de estar, ain-  te marciano e se tornou, durante quinze dias,  todos eles eram “da estranja”, não se coibiam
         da em fase experimental. Versava o referido  um verdadeiro “ninho de espiões”, onde ca-  de exprimir em voz alta (bem alta, por sinal)
         curso uma matéria tecnicamente designada  fés, jardins e outros espaços públicos foram  os seus mais íntimos pensamentos:
         por Human Intelligence (HUMINT), que, ao  palco de acesas discussões e ruidosas trocas   - Ai q’homes tã bons! Olha só a penuge
         contrário do que alguns leitores mais “barras”  de informações.       daquele!
         em Inglês poderão ser levados a pensar, não   A sede das operações foi a Base Aérea nº 11,   - E a pêtaça do outro!? Ai, Maria, tên mas
         se debruça directamente sobre os mecanismos  por onde passava o grosso do nosso apoio lo-  é juízo, se não o tê Manel arreia-te das boas
         da inteligência humana (embora exista sempre  gístico. Como o exercício se desenrolava ape-  quando chigares a casa!
         alguma – muito profunda – relação), mas sim  nas entre as nove da manhã e as cinco da tarde   Claro está que, ao ouvir tamanhas “bujar-
         sobre a informação operacional obtida com  dos dias úteis (que belo horário aquele!), era ali  das”, muitas vezes me vi aflito para aguentar
         recurso exclusivo ao elemento humano. Não,  que, no final do “expediente”, recolhíamos aos  as gargalhadas. Mesmo assim, os meus risos
         não estou a falar de espionagem, mas de uma  alojamentos para tomar um duche e vestir uma  abafados acabavam por ser fonte de novos
         actividade bem mais discreta, onde não se ac-  roupita mais adequada aos passeios nocturnos  comentários:
         tua disfarçado, não se espreita pela frincha da  na animada acrópole bejense.  - Ó, Zefa! Olha ali aquele lôrinho alto a rir-se
         porta nem se colocam microfones escondidos,   Ora, a limpeza dos ditos alojamentos era  p’ra ti! Vai-te a ele, que já ‘tás orientada!
         baseando-se tão-somente nos contactos inter-  garantida por duas simpáticas moçoilas lá da   Um dia, porém, não me contive e dei por
         pessoais directos, sem outros artifícios que não  terra que, por extraordinária coincidência ou  mim a saudá-las com um sonoro e portuguesís-
         sejam a hábil manipulação da conversa, o re-  discreta intenção, exerciam o seu modesto –  simo “boa tarde, minhas senhoras.”, que as dei-
         curso subtil à linguagem não-verbal, a defini-  conquanto indispensável – mister justamente  xou completamente de cara à banda. Prosse-
         ção racional de objectivos e, sobretudo, reser-  na altura em que o pessoal regressava da sua  guindo o meu caminho, saboreei sadicamente
         vas maciças de boa paciência.      diária labuta. E então era vê-las, apoiadas no  o longo e espantado silêncio que se seguiu à
           Feita esta breve introdução e não
         me sendo permitido adiantar mais
         pormenores técnicos, sob pena de
         ser impiedosa e exemplarmente
         punido pelos meus camaradas da
         Comunidade Operacional, importa,
         agora, relatar os factos que se segui-
         ram, com a promessa de falar muita
         verdade e de limitar os acrescentos
         ao mínimo indispensável para com-
         por o cenário:
           Sucedeu que o referido curso tra-
         zia consigo um “brinde”. É que por
         obra de uma espantosa coincidência
         fui propor-me para a sua frequência
         justamente no ano em que o nosso
         Estado-Maior General das Forças Ar-
         madas se preparava para acolher em
         Portugal o exercício Unified Blade
         2002, que deveria decorrer em Beja,
         no final do Verão, para o qual pro-
         curava “voluntários” devidamente
         versados nas artes da HUMINT que
         pudessem constituir uma razoável
         delegação nacional. E eis como,
         num tremelicar de pestanas, este
         vosso camarada se viu “pescado”
         para mais uma!...
           Não posso, porém, afirmar que se
         tratou de um “pincel”. Longe disso!
         Foi, na verdade, um exercício mui-
         to interessante e um período extre-
         mamente agradável, onde a saudá-
         vel camaradagem nacional e um
         animado convívio entre as várias
         delegações participantes marcaram

         30  JULHO 2006 U REVISTA DA ARMADA
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