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A MARINHA DE D. JOÃO III (30)



             S. Francisco Xavier: a peregrinação oriental
              S. Francisco Xavier: a peregrinação oriental

         A                                  isso, a presença de um galeão com melhores  Malaca, e foi aí que teve as primeiras notícias
               presença dos jovens congregados à  antecipadamente a Goa. Aproveitou, para  lhe restava outra alternativa que esperar em
               volta de S. Inácio de Loyola, em Itá-
               lia, foi ditada pelas circunstâncias  condições de vela que facilitariam a travessia,  da China dadas, provavelmente, por Diogo
         da guerra no Mediterrâneo e pela impossi-  e Francisco Xavier seguiu com ele.  Pereira e António Pereira, homens de quem
         bilidade de passarem à Terra Santa, a partir   Os múltiplos episódios e viagens que o pa-  se tornou amigo, e que viriam a ter um papel
         de Veneza. Mas foi dessa forma que cresceu  dre fez pelo Oriente não podem ser descri-  determinante no estabelecimento de boas re-
         a organização entre eles, e se definiram for-  tos na meia dúzia de linhas que constituem  lações comerciais com o Celeste Império. Entre-
         malmente as regras que haviam jurado junto  este artigo, mas é importante dar notícia das  tanto, chegava de Goa a «nau de Banda», cujo
         à capela dos mártires, em Paris. Digamos que  empresas fundamentais, sobretudo porque  destino eram os arquipélagos onde se produ-
         foram meses dedicados à reflexão em conjun-  tiveram lugar nos centros de actuação dos  ziam a noz moscada e o macis. Pareceu-lhe
         to, com o objectivo de estruturar o fun-                                   ser esse o destino adequado e partiu em
         cionamento do que, então, chamaram                                         Janeiro de 1546, seguindo uma rota de
         de “Companhia de Jesus” ou Societas                                        cerca de mês e meio, pelas ilhas de Java,
         Iesu (SJ). Uma das regras acordadas                                        Bali e Sumbaia, até ao Mar das Flores
         foi a de que todos os membros ausen-                                       e Amboíno, onde ficou alguns meses.
         tes de Roma deveriam escrever perio-                                       Não deixou, contudo, de ir até Ternate
         dicamente, relatando todos os factos                                       e às grandes ilhas a leste das Molucas,
         importantes, sobretudo, na perspec-                                        sendo obrigado a esperar pela monção
         tiva da acção apostólica. Os que esta-                                     do ano seguinte, para regressar.
         vam em Itália deveriam fazê-lo todas                                         Dizem-nos alguns relatos que foi
         as semanas, e os outros que, entretan-                                     nos princípios de Junho de 1547, quan-
         to, foram mais além, até outros países                                     do celebrava missa na igreja de Nossa
         distantes (como a Irlanda), tentariam                                      Senhora do Monte, em Malaca, que
         dar notícias uma vez por mês. E esta                                       o velho amigo Jorge Álvares veio ter
         decisão foi cumprida com o rigor per-                                      com ele e lhe apresentou o jovem An-
         mitido pelas condições, e fazendo com                                      girô, depois baptizado com o nome de
         que alguns séculos depois da saída de                                      Paulo de Santa Fé, que viria a ser um
         S. Francisco Xavier de Roma, o arqui-                                      dos primeiros padres jesuítas japone-
         vo dos jesuítas seja um testemunho                                         ses. Não é certo, porém, que se tenha
         pormenorizado das vivências quoti-                                         entusiasmado imediatamente com a
         dianas observadas pelos padres nas                                         ideia de ir até essas longínquas ilhas,
         mais diversas situações. Temos relatos                                     talvez porque houvesse assuntos ur-
         de viagens para toda a parte, com por-                                     gentes para tratar, no âmbito da organi-
         menores da vida a bordo, da própria                                        zação oriental da Companhia de Jesus.
         navegação, das querelas, dos anseios,                                      Só em 1549 empreenderia essa viagem,
         dos medos; relatos da vivência em Goa,                                     a bordo do junco de um comerciante
         em Malaca, Macau, Ternate ou outros                                        chinês, residente em Malaca, chama-
         locais; pormenores importantíssimos                                        do Avân. Evidentemente que as auto-
         de natureza económica e social; enfim,                                      ridades portuguesas lhe deram todo o
         um imenso manancial de informação,   Representação alegórica da viagem de São Francisco Xavier   apoio necessário para estas iniciativas,
         nalguns casos já publicada e divulga-  à India e ao Japão.                mas as viagens de Malaca para os Mares
         da, mas noutros inédita ou indisponí-  Biblioteca Nacional de Lisboa.     da China e Japão, em navios portugue-
         vel, devido às políticas de restrição informa-  navegadores e comerciantes portugueses.  ses, podiam ser muito perigosas, geradoras
         tiva da própria Companhia, que o considera  Os primeiros três anos que seguiram à sua  de conflitos graves e irreversíveis. Francisco
         património privado.                chegada foram vividos entre Goa, as comuni-  soube de alguns dos pormenores que esse co-
           O percurso de Francisco Xavier, desde que  dades de pescadores de pérolas do Cabo Co-  mércio envolvia, quando regressava do Japão
         abandonou Roma com D. Pedro de Mascare-  morim, Ceilão e a costa do Coromandel. Foi,  e encontrou Diogo Pereira em Sanchouang,
         nhas em 15 de Março de 1540, está espelhado  aliás, de S. Tomé de Meliapor que, em Setem-  junto à foz do rio de Cantão. Foi nessa altura
         em sucessivas cartas escritas a Inácio antes da  bro de 1545, partiu para Malaca, num junco  que decidiu unir esforços com as autoridades
         partida para a Índia. Contudo, sobre a viagem  pertencente ao veterano soldado português  portuguesas para o reatamento das relações
         propriamente dita, apenas nos chegou uma  António de Lemos – um homem que já tinha  oficiais e, sobretudo, para que fossem liber-
         carta que escreveu de Moçambique. São par-  combatido no Norte de África, e que estava na  tados os cativos que padeciam nas prisões
         cas as suas palavras, devido à doença que o  Índia desde 1508, quase sempre em funções  chinesas. Veio à Índia por causa disso, regres-
         assolava, mas permite adivinhar uma viagem  de comando de navios de guerra.   sando logo para Malaca, com o objectivo de
         difícil e sofrida, que se atrasou em relação à   Francisco Xavier queria ir até Macassar, a  alcançar a China tão breve quanto possível.
         «monção grande» do Índico, obrigando a  leste de Bornéu, sobre cujo povo tinha ouvi-  E estava nessa mesma ilha de Sanchouang,
         uma invernada em Moçambique. Foi aí que  do dizer que não adorava nenhuma religião  à espera de autorização para se deslocar a
         Martim Afonso de Sousa recebeu notícias so-  e que, com facilidade, aceitaria a fé de Cristo.  Cantão, quando a morte o surpreendeu a 2
         bre a descuidada situação em que se encon-  Contudo, as circunstâncias do Extremo Orien-  de Dezembro de 1552.
         trava a Índia, levando-o a decidir pela partida  te nem sempre permitiam que as vontades se           Z
         nos finais de Fevereiro, com intenção de apro-  cumprissem, sendo mais útil adaptar os pla-  J. Semedo de Matos
         veitar a «monção pequena» de 1542 e chegar  nos aos acontecimentos. Naquela altura, não           CFR FZ
                                                                                      REVISTA DA ARMADA U JANEIRO 2008  13
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