Page 14 - Revista da Armada
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ceptores da gente do mato, estavam constantemen- um sistema de patrulhas em jipe, circulando ceos, lutando à porfia por que todos fossem
te lançando para o ar, notícias aflitivas e quantas durante toda a noite numa vigilância contínua comprados...Aproveitava-se a ocasião para
vezes contraditórias, ou então apelos dramá ticos e e eficaz. Entre o edifício do aquartelamento e lhes dar alguns medicamentos, e fazer um
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angustiosos. O comandante-chefe enfrentava uma o mar existia um vasto espaço plano, coberto pouco de propaganda : «A tropa só castiga
situação aparentemente desesperada. As forças do de capim, que desde logo pareceu ideal para os culpados; quem não cometer crimes nada
Exército, cerca de 1200 homens europeus em toda campo de treinos. A péssima preparação do tem a recear da tropa», etc. Assim, aos poucos,
a Província e algumas centenas de soldados nativos, pessoal exigia que sem demora se procedesse conseguimos convencê-los que não corriam
que só o futuro veio demonstrar serem fiéis e leais, a exercícios intensivos de infantaria de comba- perigo, e que o nosso objectivo era protegê-
evidentemente que eram insuficientíssimos, para or- te, e por isso em todas as ocasiões disponíveis -los, e não atacá-los.
ganizar uma resis tência capaz numa área tão vasta. eles tiveram lugar. Por turnos, enquanto uma Paralelamente a este política de paz, exi-
Para dar uma medida exacta mais compreensível secção exercia vigilância, a outra seguia para o giam as circunstâncias que se mantivesse um
ao nosso espírito, direi que o seu número equivale- campo; ai se construíram carreiras de tiro para permanente estado de alerta e de desconfian-
ria, em face das escalas dos dois territórios, em ter a espingarda e metralhadora, abrigo para lan- ça quanto a tudo e a todos. Assim, durante a
Metró pole - toda a Metrópole - guarnecida apenas çamento de granadas (que então se verificou permanência da Marinha em Ambriz, funcio-
com 3 pelotões reforçados. Como se poderia efectuar que não explodiam…), e pistas para patrulhas naram de dia e de noite os dispositivos de vi-
uma campanha com tão reduzidos efectivos e trans- e viaturas. Depressa se reconheceu a necessi- gilância e defesa da vila, em cooperação com o
porta-los velozmente. Para impedir a progressão dade de dispor do maior número possível de Exército, que nunca se poupou a esforços para
dos reforços, os terroristas cortavam as picadas com condutores, visto que do pessoal desembarca- cumprir a sua tarefa. Aliviado pela presença
valas e arvores enormes que derrubavam, do nosso destacamento, que garantia
destruíam as pontes e embosca vam a tropa a integridade da vila, podia o Exérci-
e as milícias, à catanada e com tiros de ca- to desempenhar outras missões para
nhangulo. O avanço dos jipes através das Foto Ferreira dos Santos as quais nós, nessa época, não está-
picadas em miserável estado de conserva- vamos preparados: reconhecimentos
ção e atravancadas de obstáculos, fazia-se no interior, patrulhas ao mato, captura
a médias incrivelmente baixas. Onde bus- e interrogatório de suspeitos, etc. Não
car pontões, buldozeres poderosos, serras será demais realçar o excelente espírito
mecânicas?…Há nomes que ficaram para de equipa que caracterizou as relações
sempre gravados na memória das testemu- entre o Exército e a Armada, durante
nhas e nas páginas da História: Curimba, o período em que as forças de desem-
Mucaba, Ucua, Nambuangongo, Sanza O Patrulha “S. Vicente” na Baía de Luanda. barque permaneceram em Ambriz.
Pombo e muitos mais. Foi a tenaz resistência em do apenas 3 homens tinham carta. Acrescen- Z
Nova Caipemba que salvou Carmona. tou-se portanto a instrução de condução aos Comandante G. Conceição Silva
O agravamento geral da situação obrigava treinos de combate. Só ao fim de muito tem- (Continua)
a acorrer a Ambriz e aí desem barcar uma força po se atingiu nível aceitável de preparação do
para cooperar com o pelotão do Exército que pessoal, cuja ignorância em matéria de infan- Notas
1 “NEM A PÁTRIA SABE - A Marinha na Guerra de
guarnecia a vila. Já em 18 de Março aí estivera taria não é demais acentuar. Angola”, da autoria do Alm. Mexia Salema, Coman-
o “S. Vicente”, que foi encontrar grande parte À medida que prosseguiam os treinos, ia-se dante Naval de Angola de 1961 a 1963. Foi publicada
da população embarcada em batelões e prepa- organizando e refor çando a defesa da vila con- pelas Edições Culturais da Marinha em 1985.
2 As trancrições são assinaladas em itálico, com
rada para fugir, “mesmo que fosse à deriva”: tra um ataque dos terroristas, que poderia sur-
constava que bandos de terroristas de todo a gir de um momento para o outro. Assim, em indicação do numero da página do original a que
referem.
vasta região de Nambuangongo iriam descer colaboração com o Exército, estabeleceu-se um 3 Onde era chefe do serviço de artilharia.
o Vale do Loge e atacar aquela povoação, à se- sistema de patrulhas circulando pela vila du- 4 Contratorpedeiro “Lima”, fragatas “Pero Esco-
melhança do que haviam feito com as outras. rante toda a noite, a intervalos frequentes mas bar”, “Nuno Tristão”, “Diogo Cão”, “Corte Real”,
Um força comandada pelo Ten. Coronel Pe- irregulares. À intensa vigilância exercida nessa aviso “Pedro Nunes” e petroleiro “S. Braz”.
5 Ao chegar à Doca da Marinha para seguir para
reira Vaz , composta por pessoal daquele na- altura se deve, em parte, o facto de não termos bordo dos seus navios, muitos viram o seu destino
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vio, alguns elementos do Exército, outros da sido atacados. Com efeito, na área do concelho alterado, sendo enviados, com a roupa que tinham
Administração e muitos civis, fez uma batida de Ambriz registava-se, por essa época, inten- no corpo, para outros navios prontos a largar. Cons-
na área, tendo prendido algumas dezenas sus- sa actividade terrorista, mas nas imediações da ta que ao fim da tarde se fizeram telefonemas para
peitos. Esta operação, bem como alguns voos vila tudo decorria normalmente. o Bar do Club Militar Naval, perguntando “se es-
tavam ali alguns oficiais”. Caso algum estivesse e
rasantes de Pereira Vaz no seu PV 2 , tiveram o Nem sempre foram fáceis os contactos com atendesse o telefone, recebia ordem para se apresen-
efeito de dissuadir potenciais atacantes, mas a a população branca local. De um modo gené- tar imediatamente a bordo de determinado navio, já
população de Ambriz continuava inquieta por rico, e salvo honrosas excepções, os habitantes pronto a largar.
6 Fazia frio, em Janeiro de 1961. O fardamento e
se sentir desamparada e saber o que acontecera da vila ressentiam-se do ambiente de angústia demais roupa eram os de Inverno, e apenas na quan-
noutros locais. Ambriz veio efectivamente a ser e nervosismo que rei nava no interior, e as no- tidade necessária para usar durante 15 dias, como se
atacado mais tarde (Junho), por um numeroso tícias de lá vindas só contribuíam para o au- julgava. Esta imprevisão veio a revelar-se terrivel-
grupo de terroristas, que foram rechaçados. mentar. No que se refere à população negra, mente incómoda ao longo de vários meses de África,
A “Pacheco Pereira” desembarcou aí um quer de Ambriz, quer das sanzalas, verificou- no período mais quente…
7 4 de Fevereiro.
pelotão, até que, tendo que seguir para o Zai- -se um fenómeno curioso: à chegada da Mari- 8 “Pacheco Pereira” (Cte. Camões Godinho)
re, foi rendida pela “NunoTristão”. Este navio nha, os povos indígenas retraíram-se, fugindo 9 “S. Tomé” (Cte. Angelo Barbeitos) e “S. Vicente”
chegou a Ambriz a 26 de Março. Mandando alguns para o interior. A pouco e pouco, con- (Cte. Fonseca Gamito)
para terra duas 2 Secções, com um primeiro- tudo, começaram a regressar, estabelecendo 10 Sobre este incidente, comenta Mexia Salema: “A
tenente e um aspirante RN. O desembarque relações comerciais e acabando por acorrer moral desta pequena história, mostra até que ponto era
grande a confian ça, ou a inconsciência ! Que formidáveis
efectuou-se em condi ções dificílimas : só ao em grande número, quando se aproximava o prejuízos não poderia causar todo aquele arsenal, se caísse
cair da noite ficou concluida a instalação dessa jeep da patrulha. em mãos antagonistas! (Obra citada p. 53)
força no edifício do Cine Clube, escolhido para Todas as manhãs, saía do quartel um jeep 11 Da Força Aérea, ex-oficial da Armada. A popu-
quartel. Ficava situado no centro da povoação com pessoal armado, para proceder à aquisi- lação de Ambriz referia-se a ele como “o homem que
e fora transfor mado em “fortim”, com árvores ção de alguns mantimentos. Chegado à san- a Providência nos enviou”, de tal modo ficou grata
pela acção que desenvolveu.
derrubadas, sacos de areia, etc. Ser via de ponto zala, e ao grito de «Talamakié» (galinha), era 12 Aquilo a que, mais tarde, se veio a chamar “ac-
de apoio para a defesa da cidade, que incluía rodeado por pretos oferecendo ovos e galiná- ção psico social”.
12 JANEIRO 2008 U REVISTA DA ARMADA