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A MARINHA DE D. JOÃO III (35)



                D. João de Castro no governo da Índia:
                 D. João de Castro no governo da Índia:
                                  o segundo cerco de Diu
                                   o segundo cerco de Diu

         A
              20 de Agosto de 1545, Goa recebeu a  finais de Abril de 1546. Dos acontecimentos que  caíram com o muro. Em pouco tempo a situa-
              nova de que havia uma nau ao largo e,  então ocorreram nos dá conta Gaspar Correia  ção ficou insustentável e, em Julho, o capitão de
              de imediato, Martim Afonso de Sousa  num relato pormenorizado que seguirei nos  Diu, conseguiu fazer sair uma embarcação que
         mandou sair uma embarcação para saber quem  seus pormenores mais significativos.  levava a Goa um pedido desesperado de ajuda.
         era e ao que vinha. Tratava-se de um dos navios   A carta de D. João de Mascarenhas para o  A reacção do governador foi imediata, fazen-
         da armada que partira de Lisboa a 28 de Março  governador da Índia, dava, também,  conta das  do sair uma esquadra de mais de trinta fustas,
         desse ano, sob o comando de D. João de Cas-  carências da praça, em homens, pólvora, artilha-  comandada pelo seu outro filho, D. Álvaro de
         tro, que levava credenciais para ocupar o cargo  ria, espingardas, chumbo e mantimentos, pres-  Castro, com instruções precisas para que Diu
         de governador da Índia. O novo representante  sagiando um descalabro, caso não fosse refor-  resistisse até que ele próprio ali fosse socorre-
         da coroa de Portugal era um homem experien-  çada antes de começar a monção de Sudoes te.  -la. O seu plano era fazer chegar essa esquadra
         te das coisas do Oriente, para onde viajara em  O mau tempo que se avizinhava, e que se pro-  a Diu, mantendo-a com capacidade para actuar
         1538 com Garcia de Noronha. Participara na  longaria até finais de Agosto, impediria as aju-  no golfo de Cambaia, logo que o tempo o per-
         expedição ao Mar Vermelho, com Estêvão da  das vindas do mar e daria grande vantagem  mitisse. Entretanto ele próprio iria para Baçaim,
         Gama (1540) e ficara na Índia até 1542. Sendo  militar aos mouros de Coje Çafar, que podiam  e daí lançaria uma vasta campanha militar, por
         homem perspicaz e dotado de                                                     terra, contra os potentados mu-
         uma sólida cultura humanista,                                                   çulmanos do Guzerate.
         certamente que não lhe escapa-                                                    Este plano tinha sido discutido
         ram as nuances políticas e sociais                                              com os fidalgos do seu conselho,
         de todo o Índico, sabendo o sufi-                                                mas revelava-se, na minha opi-
         ciente para ter as suas próprias                                                nião com enormes fragilidades.
         ideias sobre o governo e sobre a                                                A mais óbvia era a de que po-
         defesa dos interesses nacionais.                                                deria não se conseguir defender
         Logo que tomou posse do cargo,                                                  Diu, nessas condições e a derro-
         alterou um conjunto de medidas                                                  ta seria psicologicamente insu-
         administrativas do seu anteces-                                                 portável. Mas outra seria a de
         sor, e isso não deixou de lhe cau-                                              que, mesmo resistindo e refor-
         sar alguns dissabores, contudo,                                                 çando as forças conforme fosse
         o grande desafio ao seu governo                                                  possível, com dificuldade se po-
         estava ainda além do horizonte:                                                 deriam reconstruir as condições
         tratava-se do reacender da guer-                                                de defesa, dada a dispersão de
         ra de Cambaia que levaria a um                                                  recursos tão parcos como eram
         novo cerco à cidade de Diu. Des-                                                os dos portugueses. A decisão
         ta vez mais terrível e dramático   Fortaleza de Diu                             correcta acabou por se precipitar
         que o de 1538.             Livro das Plantas de todas as Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental – EST. XV  com os acontecimentos, quando
           Em Abril de 1546 chegou a Goa   António Bocarro                               D. João de Castro se apercebeu
         uma carta de D. João de Mascarenhas, o capi-  reforçar -se com gente e material vindo por ter-  que podia perder uma das praças portugue-
         tão daquela praça portuguesa no Guzerate, avi-  ra, do Guzerate ou de outros potentados muçul-  sas mais importantes da Índia de um momento
         sando para a eminência da guerra, em face das  manos da região. O cronista diz que D. João de  para o outro, dando-se conta que já tinha perdi-
         manobras levadas a cabo por Coje Çafar. Esta  Castro não se alarmou muito com a carta vinda  do um filho na defesa de um dos baluartes mi-
         figura curiosa, na altura senhor de Surate, era  de Diu, mas não deixou de enviar uma esqua-  nados. Juntou, então, mais de 1500 homens em
         um italiano convertido ao islão que se fizera vas-  dra, comandada pelo seu próprio filho, D. Fran-  cerca de 60 embarcações de remo e 12 navios
         salo do sultão de Cambaia, e que esteve ligado  cisco de Castro, com o material que lhe pareceu  grossos, que chegaram a Diu a 6 de Novembro.
         à vitória portuguesa de 1538, em circunstâncias  adequado e que era possível transportar. Não  Analisando a situação, decidiu desembarcar
         que foram explicadas na Marinha de D. João III  contou, no entanto, que a situação se degradasse  com o grosso do pessoal, a coberto da couraça
         (18), e que nada deveram à sua honestidade ou  de forma tão rápida, e que os mouros tivessem  do mar e sem que os mouros o percebessem,
         carácter brilhante. Tratava-se, sobretudo, de um  capacidade para reunir forças que colocaram  para que, depois, pudesse lançar uma ataque
         homem manhoso que soubera construir o seu  os portugueses numa situação extremamente  de dentro para fora. Antes desse ataque, os
         próprio poder, traindo aqui e ali: agora os por-  desproporcionada em relação aos atacantes. Em  navios manobrariam em frente ao arraial ini-
         tugueses e, noutra altura, o sultão ou quem quer  pouco tempo, os nacionais foram quase com-  migo, dando a entender que queriam tentar
         que fosse, desde que pudesse tirar vantagens da  pletamente cercados, mantendo apenas a pos-  o desembarque, “fazendo modos de chegar e
         sua destruição. E, como todos as pessoas que  sibilidade de comunicação pelo mar, através de  se afastar com medo”. E assim fez a 11 de No-
         constroem o seu poder de forma capciosa, co-  um embarcadouro protegido por uma couraça.  vembro de 1546, dia de S. Martinho, obtendo
         nhecia também os seus limites, tendo o cuida-  Contudo os muros e baluartes que estavam vi-  uma vitória estrondosa sobre os mouros. Ne-
         do de fugir às roturas claras com os mais fortes.  rados para oeste foram atacados e destruídos. O  cessitava, contudo de reconstruir e guarnecer
         Sabendo-se por toda a parte as vantagens que  inimigo começou por fazer uma tranqueira, em  a fortaleza atempadamente. As obras come-
         tirava do relacionamento com os portugueses,  frente da muralha, de onde podia fazer fogo de  çaram de imediato, mas os pormenores dessa
         cedo foi confrontado com o facto pelo sultão,  artilharia e armas ligeiras, sobre os defensores.  acção ficarão para a próxima Revista.
         apressando-se a jurar a sua fidelidade e obedi-  Depois aterrou a cava que cercava a fortaleza,        Z
         ência, prontificando-se a atacar Diu, se para tal  foi conseguindo construir rampas e torres com   J. Semedo de Matos
         tivesse as forças necessárias. E foi o que fez em  pedra e argamassa, e minou os baluartes que    CFR FZ

         16  JUNHO 2008 U REVISTA DA ARMADA
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