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Dia da Marinha 2008 – Madeira


         A
              Marinha volta a celebrar o seu dia  no cabo do qual estão dois ilhéus gran-
              de festa, comemorando 510 anos  des donde se foram abrigar”. Estes dois
              sobre a chegada de Vasco da Gama  ilhéus são, naturalmente, aqueles que
         a Calecut: o momento mais importante da  ajudaram a suportar o molhe do actual
         mítica viagem quinhentista que uniu dois  porto da capital.
         continentes através do mar e que constitui   O povoamento inicial da Ilha decorreu
         para nós o paradigma da missão espinhosa  durante a década de vinte do século XV,
         e difícil que foi conseguida à custa de esfor-  desenvolvendo-se a actividade económi-
         ço, perseverança e sacrifício. E, cumprin-  ca no sentido de garantir a sobrevivên-
         do a tradição de fazer do Dia da Marinha  cia dos colonos, mas vocacionando-se a
         uma festa popular, virada para as gentes do  curto prazo para a produção massiva de
         mar e populações ribeirinhas, este ano foi  açúcar, que encontrou condições muito
         até ao Arquipélago da Madeira, onde pa-  favoráveis. Envolvia a Madeira uma aura
         trocinou um conjunto de actividades que  de prosperidade que atraiu muitos imi-
         culminaram com a cerimónia militar rea-  grantes, e criou uma situação complexa
         lizada na cidade do Funchal, no dia 24 de  em que os bens alimentares se torna-
         Maio último.                       ram escassos para tanta gente, obrigan-
           A “grande Ilha da Madeira” – como lhe  do a uma importação sistemática e a um
         chamou Camões – foi conhecida das gen-  aproveitamento exaustivo do solo agrí-
         tes europeias a partir do século XIV, perma-  cola disponível, quase sempre à custa
         necendo despovoada e virgem até que a ela  de pesadas intervenções que implicaram
         aportou João Gonçalves (de alcunha o Zargo  muito trabalho e esforço humano. Na ex-
         ou Zarco) em 1419. Os mais antigos docu-  pressão feliz de José Azevedo e Silva, a
         mentos que se referem a esta viagem dizem  Madeira é a “ilha onde o esforço do ho-
         que, em Julho de 1419, saiu de Lisboa uma  mem fez das pedras pão” – uma verdade
         expedição em busca de umas ilhas, de que  que se observa a cada metro de terreno,
         falava um piloto que estivera cativo no Norte  nas levadas, nos socalcos e patamares de
         de África e que ali ouvira falar delas. Chega-  cultivo, nas pequenas hortas arrancadas
         ram à Ilha de Porto Santo em poucos dias e  aos penhascos e nas próprias povoações,
         avistaram, para as bandas do Sudoeste, “um  onde a construção de casas e caminhos,
         negrume muito grande, que nunca se des-  com frequência, obrigou a soluções com-
         fazia”, e que alguns diziam ser o “abismo  plexas que testemunham um quotidiano
         que estava no mar” ou que era “a boca do  de luta e suor.
         inferno, e que aquele negrume era o fumo   A relação dos madeirenses com o mar
         que dela saía”. Medos e mitos que afron-  afigura-se como um problema de sobre-
         tavam as mentes do século XV, fruto do  vivência, praticamente desde os tempos
         desconhecimento da natureza e da pou-  de Zarco. Praticaram a pesca a partir de
         ca familiaridade dos europeus com o Mar  pequenos portos e embarcadouros, reti-
         Oceano. Valeu, na altura, a iniciativa do  rando daí uma parte dos seus recursos
         capitão que insistiu em que se buscasse o  alimentares, mas foi no comércio exter-
         que escondia aquela bruma negra, desco-  no que encontraram o principal gerador
         brindo a magnífica ilha a que chamou da  de riqueza. O abastecimento da Ilha era
         Madeira, pelo muito arvoredo que tinha e,  feito através de navios que chegavam
         certamente, porque essa foi uma das rique-  do espaço continental português ou de
         zas mais exploradas nos primeiros anos da  outros locais da Europa, e era, também,
         colonização. Avistou, primeiro, a Ponta de  por essa via que saíam todas as exporta-
         S. Lourenço, e seguiu pela actual baía de  ções. Esta circunstância fez da Madeira
         Machico e Santa Cruz até passar a Ponta do  um relevante centro de comércio maríti-
         Garajau e encontrar a “formosa e grande  mo, onde se adquiria o açúcar e o apre-
         enseada de terra mais branda e ares mais  ciado vinho, e onde se vendiam bens ali-
         frescos”, onde “pelo muito funcho que nele  mentares e produtos manufacturados. Ali
         achou, lhe pôs o nome de Funchal, don-  passavam as armadas que seguiam para
         de depois fundou uma vila do seu nome,  a Índia e, com frequência, ali se abriga-

















         18  JUNHO 2008 U REVISTA DA ARMADA
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