Page 2 - Revista da Armada
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Talant de bi˜e faire

Tem a Escola Naval como divisa a expressão            português por talento, tem origem numa expres-
        “talant de bien faire”, reproduzindo o que    são grega (tálanton) que indica “prato da balança”,
        já fora o lema do Infante D. Henrique, seu    peso ou valor. Assumiu a versão em latim de talen-
superior patrono. Conhece-se esta expressão usa-      tum, com sentido semelhante, e passou para o por-
da pelo distinto filho do rei D. João I, inspirador    tuguês para designar valores ou méritos intrínsecos
das primeiras navega-
ções oceânicas portu-                                                                     de alguém. “Talant”,
guesas, de monta, que                                                                     por outro lado, é uma
conduziram os nossos                                                                      palavra que existiu no
navios até à região da                                                                    dialecto provençal com
Guiné, explorando os                                                                      um sentido de “desejo”
arquipélagos atlânti-                                                                     ou “vontade”. Entrou
cos dos Açores, da Ma-                                                                    na língua francesa e
deira e de Cabo Verde.                                                                    confundiu-se durante
O “talant de bien fai-                                                                    alguns séculos com “ta-
re” ficou gravado no                                                                      lent” (usado com duplo
túmulo do Infante, no                                                                     sentido), mas perdeu o
Mosteiro da Batalha,                                                                      significado provençal
e popularizou-se, so-                                                                     a partir do século XVII
bretudo, quando, em                                                                       e desapareceu do uso
1839, Ferdinand Denis                                                                     corrente (Émile Littré).
encontrou na Biblioteca
Nacional de Paris um                                                                        A divisa do infan-
códice encabeçado pelo                                                                    te D. Henrique, como
título Cronica dos feitos                                                                 pode ver-se claramen-
notavees que se passarom                                                                  te na imagem, é “talant
na conquista de Guinee                                                                    de bie˜ faire”. A palavra
por mandado do Iffante                                                                    “talant” pode tradu-
dom Henrique [Crónica                                                                     zir-se e português por
da Guiné]. No meio dos                                                                    “talante” (José Pedro
respectivos fólios, en-                                                                   Machado), com o signi-
contrava-se uma ima-                                                                      ficado que teve no dia-
gem dobrada represen-                                                                     lecto provençal e que
tando um homem de                                                                         corresponde ao sentido
chapelão, que se identi-                                                                  que lhe deu o Infante.
fica habitualmente com
o Infante D. Henrique, e, na                            TALANT DE BIEN FAIRE quer dizer talante, de-
parte inferior da folha, pode                         sejo ou vontade de bem fazer, e exorta um esforço
ler-se a referida expressão                           pessoal de perfeição. Não tem nada a ver com a cor-
“talant de bie˜ faire” (com                           rupção que, por facilidade, se dá à palavra “talant”,
o sinal de nasalação do “e”                           substituindo-a por “talent”, cujo sentido apontaria
que hoje se substitui pela in-                        para uma qualidade própria, intrínseca e indepen-
clusão do “m” final).                                  dente da vontade ou do esforço de quem a possui.

  O uso desta divisa na Ma-                                                                                                           Z
rinha Portuguesa é secular
e seria demasiado extensa a                                                                     J. Semedo de Matos
descrição de como foi assumida por toda a institui-
ção e como se restringiu à Escola Naval, como acon-                                                                             CFR FZ
tece no momento presente. Não é invulgar, contu-
do, que seja apresentada com um erro de grafia que
lhe altera completamente o significado: em vez do
“talant de bien faire”, como consta no túmulo e no
retrato do infante D. Henrique, escreve-se, por ve-
zes, “talent de bien faire”, uma expressão de senti-
do completamente diferente do anterior.

  A palavra francesa “talent”, que se traduz em

2 ABRIL 2010 U REVISTA DA ARMADA
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