Page 27 - Revista da Armada
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ra, que teria na sua constituição contratorpe- África. A primeira prioridade é a defesa do uma guerra de grande intensidade de meios,
deiros e torpedeiros. O objectivo do Ministro estuário do Tejo, onde permanece a Divisão poder de fogo e elevado nível tecnológico, a
parecia ser claro: activava-se uma força na- Naval. Reforçam-se as defesas da capital por Marinha foi uma peça-chave da participação
val, baseada longe da capital, para se afas- mar, através de uma barragem de minas. O portuguesa no conflito, para o país vir a re-
tar da participação da política os instáveis segundo ponto mais importante, para a de- clamar a inviolabilidade dos seus territórios
marinheiros. Nessa perspectiva, Pereira da fesa do continente, situa-se em Leixões. Aí o ultramarinos e compensações de guerra.
Silva empenha-se em transferir para a Mar- Departamento Marítimo do Norte encarrega-
gem Sul o Arsenal da Marinha e as restan- se da defesa do porto e da zona envolven- CONCLUSÃO
tes estruturas navais que desde a recuada te. O Algarve não é igualmente esquecido,
época de Expansão Marítima funcionavam tal como a defesa das ilhas atlânticas, que A Primeira República Portuguesa tentou
na Ribeira das Naus. O Ministro já sugerira, funcionavam como importantes pontos de colocar em prática sonhos que passavam pela
inclusivamente, a abertura de um canal en- apoio naval.                                         afirmação de Portugal no Mundo. Logo se
tre o rio Sado e o Tejo, para acomodar a es- Numa guerra de grande escala, como foi verificou que o país padecia de vários pro-
quadra. O processo de transferência do Ar- a I Guerra Mundial, as acções no mar são blemas e que o seu processo de decadência
senal, Corpo de Marinheiros, Escola Naval, muito importantes, na medida em que as imperial se tornava atroz, mediante as riva-
em paralelo com a construção de uma Base linhas de comunicação marítimas, pontos lidades internas e as lutas intestinas nas ruas.
Naval, para as designadas “Sete Quintas”, no sensíveis por onde circulam homens e ma- Todavia, ao longo dos dezasseis anos em
Alfeite, tem inicio nesses anos, mas vai pro- terial para abastecimento das forças que se que durou a República, houve sectores que
longar-se durante mais de uma década. Não enfrentam em terra, são um dos grandes se destacaram pela sua criação e pela inova-
poderia ser de outro modo, face à complexi- “troféus” em disputa. Os portos são outra ção que trouxeram para a sociedade, contri-
dade da mudança de comandos, unidades e das estruturas a manter imunes – porta de buindo para a sua modernização.AMarinha
serviços Mais uma vez vale                                                                          Portuguesa, poderemos re-
a pena sublinhar o pionei-                                                                          ferir, liderou essa frente. O
rismo das políticas que se                                                                          problema quase contínuo
implementam na Primeira                                                                             da falta de meios, não de-
República e que ainda hoje                                                                          moveu o papel enérgico
constituem o património                                                                             dos homens da Marinha
e a herança da instituição                                                                          que souberam estar à altu-
naval, bem presente nas                                                                             ra dos desafios que Portu-
estruturas navais existentes                                                                        gal enfrentou nesses anos.
no Alfeite!                                                                                         De facto, muitas das mo-
As reformas de Pereira                                                                              dernizações: no sector das
da Silva revelam a sua hir-                                                                         comunicações, no estudo
suta vontade em resolver,                                                                           do mar, nas engenharias, na
em primeiro lugar o cróni-                                                                          meteorologia, foram pro-
co problema financeiro com                                                                          porcionadas pela Marinha,
que a Marinha se debatia,                                                                           acabando por se dissemi-
em segundo lugar a organi-                                                                          nar rapidamente pela so-
zação em moldes diferentes    A Escola de Mecânicos, em Vila Franca de Xira, no final dos anos 20.  ciedade civil, com ganhos

da máquina burocrática e operacional da Ins- entrada dos navios que percorrem as linhas que não deixam de ser notáveis ao nível do
tituição e por fim, distanciar a Marinha das de comunicação marítimas. Mesmo antes seu modo de produção e da sua própria or-
intervenções na política interna.              de ser beligerante – o que aconteceu com a ganização social. Assim sucederá entre 1910
                                               declaração de guerra da Alemanha em 1916, e 1926, por exemplo, com a Telegrafia Sem
VI. A ARMADA EM ACÇÃO                          após o aprisionamento dos navios mercantes Fios, com a electricidade ou com as novas
                                               alemães estacionados em portos nacionais – técnicas de trabalhar o ferro ou o aço. A Ma-
Durante a Primeira República a Armada a esquadra portuguesa já escolta comboios. rinha, de uma Guarda Pretoriana transforma-
entrou em combate, empenhando os seus Porém, com a entrada na guerra verifica-se ra-se aos longos desses anos finais da I Repú-
meios, na Europa, mas também em África e que é necessário fazer uma requisição de na- blica numa força despolitizada e virada mais
no Extremo-Oriente. Logo em 1912, em Ti- vios civis, nomeadamente de oito arrastões para as questões de índole profissional, soli-
mor, na Guerra do Manufai, a acção da ca- de pesca do alto, que sofreram medicações dificando as inovações técnicas que haviam
nhoneira “Pátria”, torna-se notável no apoio para se adaptarem a caça-minas.                    sido introduzidas ao seu serviço.
às operações que são levadas a cabo em ter- O esforço de guerra português compreende
ra, sob a liderança do Governador, Capitão- quatro teatros de operações: França, Angola,                                           
                                                                                                    Carlos Valentim
-tenente Filomeno da Câmara. Asublevação Moçambique e a frente marítima. Conclusões                                                1TEN

das populações do sul da ilha, que alastrou estabelecidas a partir da análise destas qua- Notas
ao enclave de Oecussi, teve lugar numa al- tro frentes, registam que unicamente não cor- 1 Veja-se João Freire (2010), A Marinha e o Poder
tura em que a jovem república portuguesa       reu mal a acção militar na frente marítima7.     Político em Portugal no Século XX, Lisboa, Edições
se consolidava em território metropolitano.    Ainda hoje em dia nos interrogamos, como         Colibri, p. 67.
Os meios da Marinha empenhados e os seus       foi possível um país, na sua maioria rural e
homens tiveram um papel central na neutra-     pouco evoluído industrialmente, participar          2 António José Telo (2010), A Primeira República I. Do
                                                                                                Sonho à Realidade, Lisboa, Editorial Presença, p.356.

                                                                                                   3 António Teixeira de Sousa (1912), Para a Histó-
lização da revolta indígena e na concertação numa guerra moderna de feição tecnológi- ria da Revolução, Vol. I, Livraria Editora, Coimbra,
da paz no território timorense.                ca tão avançada. A Armada portuguesa em          pp. 279-280.
  A actividade da Marinha Portuguesa           particular, que concluiu com sucesso inúme-         4 António Canas (2009), Os Submarinos em Portugal,
                                               ras missões, teve poucas baixas, no seu qua-
na I Grande Guerra tem fundamentalmen-         dro humano e material. As perdas humanas         Lisboa, Editorial Prefácio, p. 41.
te dois objectivos: missões de fiscalização e                                                      5 Vamos seguir nos parágrafos seguintes relativos

                                                                                                às reformas de Pereira da Silva, em traços gerais, An-
patrulha naval nas águas sob soberania por-    foram 23 mortos no mar e 117 em terra. Com       tónio José Telo (1999), pp. 318-324.
tuguesa para detecção de submarinos e es-      uma retaguarda, onde pontificava uma so-            6 Decreto 5:076, de 28 de Dezembro de 1918.
colta a navios mercantes e de transporte de    ciedade dividida e carente a vários níveis (fi-     7 Mais uma vez nos socorremos de António José
forças militares, quer para França, quer para  nanceiro, económico, tecnológico) e travando
                                                                                                Telo (1999), pp.288-293, o único investigador até ago-
                                                                                                ra a estudar estas matérias com profundidade.

                                                                                                    Revista da aRmada • NOVEMBRO 2010 27
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