Page 35 - Revista da Armada
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Navios Hidrográficos
2. O IATE REAL AMÉLIA II
Originalmente denominado Fair Geraldine e depois Giralda este na do nosso plan’alto continental, mas também a dos abysmos, que,
iate foi construído em Leith - Escócia, em 1880, nos estaleiros da Ra- exemplo quase único na Europa, se encontram em certos pontos, a
mage and Fergunson. Tratava-se de um navio em ferro, apresentando poucas milhas da costa, acrescentando que um dos principaes objec-
as seguintes características: tivos da campanha era o emprego de espinheis, nas grande profundi-
dades que se encontram a pequena distância do Cabo Espichel. Este
Deslocamento máximo................................................301 toneladas processo verdadeiramente clássico, empregado há muitos annos pe-
Comprimento (fora a fora)...............................................45 metros los nossos pescadores para a apnha das lichas, que habitam os gran-
Boca....................................................................................7,10 “ des fundos e são mesmo d’elles características, vem preencher uma
Calado.................................................................................3,20 “ verdadeira lacuna nas investigações zoológicas (…) Convém lembrar
Velocidade........................................................................11 nós a este propósito, que há apenas quarenta annos era geralmente acei-
Dispondo de instalação eléctrica alimentada por um dínamo,
era propulsionado por meio te no mundo scientífico, que
de uma máquina compound a vida animal cessava a 500
de dois cilindros verticais que metros de profundidade, pou-
accionavam um hélice de co mais ou menos; entretanto
três pás, com uma potência os nossos pescadores há muito
de 320 HP. Armava com três tinham resolvido o problema,
mastros e gurupés, onde içava ou pelo menos dilatado muito
três latinos, um redondo à proa o limite bathymetrico da vida
e duas velas de proa. animal, indo com os seus es-
Adquirido pelo Rei D. Car- pinheis apanhar lixas, e pes-
los em 19 de Abril de 1897, car acidentalmente esponjas
com o propósito de substituir o totalmente desconhecidas, até
anterior Amélia foi rebaptizado 1.200 metros de profundidade,
com o mesmo nome, tendo e foram elles que a dois natura-
sido assim o segundo iate Amé- listas nossos, Barboza do Boca-
lia ao serviço da Oceanografia. ge e Brito Cappelo forneceram
À semelhança do seu antecessor, foi inicialmente comandado o material, para as suas interessantes memórias, sobre os nossos es-
pelo Capitão-de-fragata Roberto Ivens e após a morte deste oficial, qualos abyssaes e a Bocage sobre o Hyalonema.
em 28 de Janeiro de 1898, pelo Capitão-tenente D. Fernando Pi- Além destas três campanhas o navio realizou várias Observações
mentel. Sob a orientação do Rei, o Amélia II prosseguiu as campa- Oceanográficas, missões que habitualmente duravam um só dia e in-
nhas oceanográficas iniciadas no ano anterior. Para o efeito, recebeu cluíam a pesca com o espinhel, de arrasto e ao candeio.
arrastos com redes de vários comprimentos, cabos de linho, covos, Na qualidade de iate real o Amélia II efectuou diversas viagens
chichorros, lança-harpões e outros apetrechos de pesca, garrafas ao serviço régio, destacando-se em Outubro de 1897 ao Algarve,
para recolha de amostras, prumos de copo e Thomson, termóme- com a subida do Rio Guadiana até ao Pomarão e em Julho de 1898
tros e outros equipamentos para efectuar dragagens e observações, o embarque de D. Carlos para assistir a um exercício de torpedos ao
e ainda diversas armas para recolha de exemplares ornitológicos. A largo de Cascais. Também nesse ano, quando das comemorações
bordo existiam ainda instrumentos para preparação e conservação do Terceiro Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo
dos exemplares recolhidos, antes de serem entregues nos laborató- para a Índia, foi a bordo que o Rei assistiu às regatas de vela que se
rios de Cascais ou do Palácio das Necessidades. realizaram em Cascais, acompanhados de outras individualidades,
Efectuou três campanhas durante os anos de 1897 e 98. A pri- membros do corpo diplomático e comandantes de navios estrangei-
meira decorreu de Maio a Setembro, tendo-se realizado na área do ros que na ocasião se encontravam no Rio Tejo.
Cabo Espichel e Sesimbra. A segunda no mês de Novembro na foz Em 12 de Abril 1889 o Amélia II fez a sua última saída para o
do Rio Sado e nas aproximações do Porto de Setúbal. Estas duas mar, tendo nesse ano sido trocado pelo iate Yacona que viria a ser
campanhas estão descritas no Diário Náutico do Yacht Amélia- rebaptizado como Amélia, sendo o terceiro com esse nome apetre-
-Campanha Oceanográfica Realizada em 1897, obra da autoria do chado e dedicado à investigação oceanográfica.
Monarca e que foi publicada pela Marinha em 1978. A terceira e A propósito, o Comandante António Marques Esparteiro na sua
última campanha, no mês de Junho de 1898, localizou-se no so- grandiosa obra Três Séculos no Mar descreve-nos essa derradeira
tavento algarvio e teve como objectivo o estudo da pesca do atum. viagem nos seguintes termos: “Pelas 10 horas da manhã embarcou
A propósito das campanhas oceanográficas então realizadas, são o rei, a rainha, a condessa de Figueiró, Luís Soveral, conde de Vila
esclarecedoras as palavras escritas por D. Carlos: As numerosas inves- Nova de Cerveira, conde de Figueiró, conde de Arnoso, almirante
tigações oceanographicas, que as nações extrangeiras teem realisado Pinha, José Lobo, Pinto Basto, João Caldeira e D. Fernando de Serpa.
n’estes últimos annos, com tão profícuos resultados, a importância Depois do almoço seguiu para Cascais e Boca do Inferno.
que esta ordem de estudos tem para a industria da pesca, uma das Regressou pela barra norte e seguiu até Santa Apolónia e
principaes do nosso paiz, e a excepcional variedade das condições dali a Paço de Arcos.
bathymetricas, que apresenta o mar que banha as nossas costas, suge- Pegou na bóia da Junqueira às 5.45 horas p.m.”
riram-nos no anno findo a ideia de explorar scientificamente o nosso
mar, e dar a conhecer, por meio de um estudo regular, não só a fau- Colaboração do INSTITUTO HIDROGRÁFICO