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NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA (3)
Embarquei bastante para um oficial O Cowboy e acaba imobilizada, numa cama de hos-
médico naval. Dos médicos que pital. Eastwood, na sua qualidade de trei-
entraram nas fileiras no pós - 25 combatia – por ele, ou por outros - pelos nador e emocionalmente ligado à atleta e
de Abril, a minha geração de médicos direitos mais simples a que todo o ser hu- ao seu sofrimento, acaba por “facilitar” a
(dos quais poucos restaram) embarcou mano aspira: a vida, a terra, a liberdade- sua eutanásia. – A eutanásia é um tema
sucessivamente, muito para lá da espe- …a justiça… de difícil caracterização, mesmo por mé-
cialidade. Sou de um tempo, ainda não dicos e filósofos da ética médica. Que este
esquecido, em que o médico fazia parte Mais tarde, na sua carreira, aquele autor o tenha representado de forma tão
da guarnição dos navios. Antes essa fun- mesmo actor, fez alguns filmes policiais. brilhante, agradou-me profundamente.
ção foi, muitas vezes cumprida por mé- Destes destaco um em que, no papel de
dicos da Reserva Naval. Com a Marinha polícia à paisana, desmonta, por caso, um Outro excelente filme é Gran Torino, em
conheci todos os continentes, mesmo os assalto em curso e abanando uma gigan- que Clint – novamente actor e realizador
mais longínquos como a Austrália. Ora, tesca pistola, quase um canhão portátil, – faz de ex-combatente da Guerra da
para um médico, que só navegou em na- responde a um ladrão (que também lhe Coreia. Homem velho, solitário, perse-
vios “cinzentos”, operacionais, longe das apontava uma arma) – “torna feliz o meu guido pelas suas acções naquele conflito,
ocasionais viagens de dia…” tradução pobre de “Make my vê o seu bairro invadido por emigrantes
representação, de alguns day…”, frase original que encerra muito
outros navios e médicos, mais significado, e que ficou para sempre asiáticos. Racista, e cheio
é, compreensivelmente, de outros preconceitos,
motivo de orgulho… associada a Clint Eastwood. acaba por revelar uma
tanta viagem e tanto mar- Contudo, tudo o que disse até agora outra face (que todos nós
…A navegar tive várias temos, mas muitos infeliz-
funções acessórias, sendo poderia atribuir-se a muitos outros acto- mente nunca expressam).
que a função cultural res americanos, de grande sucesso e fama Liga-se a dois jovens asi-
foi uma constante. Essa mundial. A diferença, em relação a este ac- áticos, sacrificando, no
abrangia muitas vezes a tor particular, foi a de que, já tardiamente, processo, a própria vida –
escrita – no omnipresen- iniciou uma carreira de realizador e essa uma acto comovente,
te jornal de bordo – até à já o definiu inteiramente como homem. com referências humanas
organização de eventos, Na realidade, não há um dos seus filmes e cristãs, profundas…Este
como exposições de foto- que eu pessoalmente não aprecie. Todos último filme, aliás, é de
grafia e, é claro, a organi- me põem a pensar na mensagem que o particular actualidade e
zação da videoteca… realizador quis passar e no homem que paralelismo com Portugal.
ele deve ser. Todos os filmes deste cowboy Conheço vários ex-comba-
Estou longe de ser retratam temas de grande humanidade. tentes, particularmente da
um cinéfilo. Ao contrá- Guiné-Bissau, que mata-
rio, das artes a escrita Gosto particularmente do filme em ram e perderam amigos
é para mim a maior e a que Clint Eastwood (actor e realizador) na guerra que preten-
que mais gosto. Contudo, colaborava na apoia uma mulher pugilista (Million dia manter Portugal em
videoteca com alma em coração e apre- Dollar Baby - Sonhos Vencidos). Trata-se de África. Vêm, agora, com a mesma amar-
ciava os filmes, que nos preenchiam a uma jovem maltratada pela vida e pela gura retratada no filme, os seus bairros
alma nas longas navegações. – A impor- própria família, que procura uma identi- cheios de violência, muitas vezes às mãos
tância de um filme a bordo, só pode ser dade (e um razão para viver) no pugilis- dos descendentes daqueles que lutaram
avaliada por quem já esteve 33 dias con- mo. Contudo, depois de um período de para afastar os portugueses das suas ter-
secutivos, em exercícios, sem ver terra, ou sucesso, sofre um traumatismo da coluna ras….Esse facto gera neles particular de-
enjoou consecutivamente durante dias a sencanto, descrédito e implica sofrimen-
fio…Um filme não é um acessório, torna- to – tal como este Cowboy realizador, tão
-se numa necessidade de bem-estar… bem retratou…
Do mesmo modo, quando se decidiu a
De todos os artistas de cinema existe fazer um filme de guerra – e logo a violen-
um que sempre apreciei e, ultimamente, ta batalha de Iwo Jima, no conflito que opôs
tenho verdadeiro reconhecimento. Este EUA e Japão durante a 2ª guerra mundial
homem, de grande longevidade, come- - Eastwood apresentou o lado humano
çou em Hollywood como actor de filmes (singular) dos combatentes dos dois la-
do Oeste Americano (os Westerns). Neles dos, que tão frequentemente é esquecido
defendeu incontáveis damas em apuros. na “glória” das vitórias e no “sofrimento”
Combateu, muitas vezes em grande des- dos derrotados. Clint retratou os milita-
vantagem, os vilões da fita (…sempre res como pessoas, com mães, filhos, de-
homens maus e detestáveis), aos quais sejos e uma história pessoal de medos e
não dava quartel. Fez também um ou anseios. Este filme leva os militares para
outro papel de bom vilão cowboy. Herói longe, muito longe, da vulgar “carne
acossado por leis e homens injustos, que para canhão”, réstia atribuída aos com-
30 JUNHO 2011 • REVISTA DA ARMADA
