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REVISTA DA ARMADA | 495

	 Stratεgia	11

PADRE FERNANDO OLIVEIRA

UM PIONEIRO DA ESTRATÉGIA NAVAL

  NOTA PRÉVIA: Em final de 2014, o Centre for International Ma-
ritime Security, dos EUA, organizou um ciclo intitulado "Forgotten
Naval Strategists", tendo-me sido pedido que contribuísse com um
artigo sobre o Padre Fernando Oliveira. Esse artigo intitulou-se "Fa-
ther Fernando Oliveira: a Pioneer of Naval Strategy" e pode ser
acedido em: http://cimsec.org/father-fernando-oliveira-pioneer-
-naval-strategy/13188.

  Este texto da série Stratεgia corresponde a uma tradução
adaptada desse artigo.

INTRODUÇÃO

  Os Descobrimentos espoletaram o aparecimento de um pensa-
mento marítimo estruturado durante o século XVI, particularmen-
te em Espanha, França, Itália e Portugal. De entre os trabalhos pro-
duzidos nessa altura, sobressai a Arte da Guerra do Mar do padre
português Fernando Oliveira, que foi escrita em 1552-54 e editada
em 1555. Existe apenas uma cópia do tratado original, na Biblioteca
Nacional de Portugal, em Lisboa, mas o livro já foi republicado por
quatro vezes: em 1937, 1969, 1983 e 2008, sendo que as duas edi-
ções mais recentes têm a particularidade de incluir o fac-simile da
edição original. Antes de abordar o conteúdo desse livro, justifica-se
um olhar telegráfico sobre a vida e a obra do autor.

SÍNTESE BIOGRÁFICA                                                        ga e Romana. Muitos humanistas Renascentistas eram homens
                                                                          da Igreja e combinaram a redescoberta dos autores clássicos com
  Fernando Oliveira nasceu por volta de 1507 e com dez anos entrou        a promoção da doutrina Cristã. Esse foi também o caso de Olivei-
para um Convento Dominicano, onde adquiriu os valores humanistas          ra, cujas referências maiores para a Arte da Guerra do Mar foram
evidenciados nos seus escritos. Em 1536, publicou a primeira gramáti-     o escritor Romano Vegécio e o teólogo Sto. Agostinho.
ca da língua portuguesa, após o que se deixou enveredar por uma vida
aventurosa, com o mar como pano de fundo. Embarcou em vários na-            Com efeito, Oliveira assume explicitamente no prólogo do livro que
vios, numas ocasiões como capelão e noutras como piloto, fruto dos        a principal influência para a Arte da Guerra do Mar foi Vegécio e o seu
conhecimentos de navegação que foi adquirindo. Os seus navios en-         Epitoma Rei Militaris (Compêndio de Assuntos Militares), um tratado
volveram-se, várias vezes, em combates navais e ele chegou mesmo          que explica métodos e práticas militares empregues durante o Impé-
a ser feito prisioneiro. Beneficiando da sua experiência de mar, Olivei-  rio Romano. Em Arte da Guerra do Mar (incluindo no prólogo), Oli-
ra produziu um conjunto de obras notáveis sobre assuntos náuticos.        veira cita Vegécio trinta vezes, a propósito de assuntos tão variados
Além da já mencionada Arte da Guerra do Mar, escreveu, por volta de       como recrutamento, treino, organização, disciplina, logística, pronti-
1570, um tratado enciclopédico em latim intitulado Ars Nautica (Arte      dão, meteorologia e dissimulação. No entanto, sobre guerra no mar
da Navegação). Posteriormente, cerca de 1580, escreveu – desta vez        em concreto, Oliveira recorreu pouco a Vegécio, pois o tratadista Ro-
em português – um livro sobre construção naval: Livro da Fábrica das      mano escreveu muito parcamente sobre essa matéria (apenas cerca
Naus. Finalmente, por volta de 1581, escreveu uma História de Portu-      de 17 páginas) e numa altura em que a navegação e a guerra naval
gal, que ficou incompleta. Não obstante a importância e o pioneiris-      eram completamente distintas. Isso acentua o caráter pioneiro da
mo dessas obras, o foco deste artigo será a Arte da Guerra do Mar, o      obra de Fernando Oliveira, no que toca à estratégia naval.
livro em que mais se evidencia o seu pensamento estratégico naval.

INFLUÊNCIAS EM ARTE DA GUERRA DO MAR

  A Arte da Guerra do Mar é constituída por um prólogo e duas
partes, cada uma das quais com quinze capítulos. Aborda um vas-
to conjunto de assuntos, tais como construção naval, aprovisio-
namento de navios, navegação, marinharia, meteorologia, ocea-
nografia, logística, recrutamento, treino, educação, liderança,
cerimonial marítimo e informações. Por todo o livro, ressalta o
humanismo de Oliveira, evidente na veneração pela cultura Gre-

4 ABRIL 2015
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