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REVISTA DA ARMADA | 495

  A outra grande influência para a elaboração da Arte da Guerra
do Mar foi Sto. Agostinho. Entre outros contributos maiores para
o Cristianismo e a filosofia ocidentais, Sto. Agostinho ajudou a
desenvolver a teoria da guerra justa. Segundo ele, os Cristãos de-
veriam ser, pela própria natureza da sua fé, contra a guerra. Con-
tudo, ele considerava que a procura da paz deveria incluir sempre
a possibilidade de partir para a guerra (uma guerra justa), se essa
fosse a única opção para evitar um grande mal. Oliveira acredita-
va na guerra justa e definiu-a como “a que defende o seu bando
dos que injustamente o querem ofender (…) [ou] a que castiga as
ofensas a Deus” (Cap. 4, Parte I). Além disso, acrescentou que “a
guerra dos Cristãos que temem a Deus não é má, antes é virtuo-
sa, pois faz-se com desejo de paz sem cobiça nem crueldade, por
castigo dos maus & desopressão dos bons” (Prólogo).

PENSAMENTO ESTRATÉGICO                                                 • Importância das informações: “Quando encobrimos nossas
                                                                       coisas, tanto façamos por saber as dos contrários” (Cap. 14,
  Um dos aspetos diferenciadores da Arte da Guerra do Mar con-         Parte II);
siste no facto de a abordagem à guerra naval extravasar as pers-       • Importância da unidade de comando: “É necessário que te-
petivas tática e operacional – comuns nos autores contemporâ-          nham cabeça, a gente da guerra, (…) e uma que mande sobre to-
neos – entrando no domínio da estratégia. Isso manifesta-se na         dos” (Cap. 13, Parte I);
reflexão sobre a importância do poder naval para a manutenção          • Importância da unidade de ação: “Muitas vezes fazem mais os
dum vasto império, como o que Portugal possuía na altura, bem          poucos concordantes que os muitos diferentes” (Cap. 13, Parte I);
como na abordagem a alguns princípios perenes da estratégia.           • Necessidade de adequar as capacidades ao tipo de conflito:
                                                                       “Devem ser também os navios conformes à guerra que hão de
  Com efeito, no século XVI, o conceito de “poder naval” ainda não     fazer” (Cap. 1, Parte II);
tinha sido introduzido. Porém, uma leitura atenta da Arte da Guerra    • Importância do equilíbrio nas capacidades: “Assim, nas frotas
do Mar mostra que Oliveira usa a expressão “guerra do mar” com         armadas, é necessário que haja navios diferentes, uns para sus-
um significado muito semelhante ao daquilo que viria mais tarde a      tentar o peso da guerra e outros para servir e ajudar aqueles”
ser definido como “poder naval”, englobando todos os aspetos da        (Cap. 1, Parte II).
organização militar para a guerra naval, incluindo construção, apro-
visionamento, treino e operação de navios de guerra. No prólogo,       CONSIDERAÇÕES FINAIS
Oliveira enfatiza a importância da “guerra do mar” (i.e. do “poder
naval”): “em especial para os homens desta terra que agora mais tra-     Apesar de escrita há mais de 450 anos, a Arte da Guerra do
tam pelo mar que outros, donde adquirem muito proveito & honra.        Mar é uma obra bastante abrangente, tocando nos vários aspe-
(…) Dando-se a esta guerra [i.e. a este poder], têm ganho os nossos    tos relacionados com a edificação, organização e emprego do
Portugueses muitas riquezas & prosperidade (…) & têm ganho honra       poder naval. Oliveira inspirou-se em autores clássicos (sobretu-
em pouco tempo quanta não ganhou outra nação em muito” (Pró-           do em Vegécio) e em pensadores Cristãos (nomeadamente Sto.
logo). Mais à frente, Oliveira sublinha que a segurança marítima não   Agostinho), inovando na conceptualização do uso do poder naval
pode ser dada como adquirida, reiterando a importância das mari-       como instrumento para a consecução dos objetivos políticos e
nhas para a prossecução dos interesses nacionais: “Porque o mar é      dos interesses económicos de Portugal.
muito devasso, e os homens não podem escusar de nele negociar
suas fazendas, uns mercadejando, outros pescando, e outros como          Infelizmente, a Arte da Guerra do Mar não teve a projeção inter-
lhes vem bem, (…) cumpre que nele se ponha muito recato (…) com        nacional que merecia e Oliveira continua um desconhecido fora de
medo ou com severo castigo. (...) Por todas estas razões é necessário  Portugal e da comunidade lusófona. Isso deve-se ao facto do seu tra-
haver armadas no mar que guardem as nossas costas e paragens, e        tado ter sido escrito em português antigo e nunca ter sido traduzido.
nos assegurem dos sobressaltos que podem vir pelo mar, que são         Felizmente, essa lacuna está prestes a ser ultrapassada, uma vez que
muito mais súbitos que os da terra” (Cap. 3, Parte I).                 a Arte da Guerra do Mar está a ser traduzida para inglês, pelo inves-
                                                                       tigador português Tiago Maurício (que, em boa hora, estagiou no Es-
  Outro aspeto relevante da Arte da Guerra do Mar é a forma            tado-Maior da Armada). Isso permitirá que o livro receba a atenção
como aborda alguns dos princípios intemporais da estratégia,           internacional que justifica, devido ao seu valor histórico, ao leque
com reflexões que permanecem válidas na atualidade. Incluem-           alargado de matérias tratadas e às suas ideias estratégicas – muitas
se abaixo alguns dos princípios tratados por Oliveira, ilustrando      das quais permanecem atuais e relevantes no século XXI.
cada um deles com uma citação da Arte da Guerra do Mar:
• Importância da defesa nacional: “A boa guerra faz boa paz. E                                                                               Sardinha Monteiro
assim, a paz que agora logramos, guerra passada no-la ganhou”                                                                                                   CFR
(Cap. 1, Parte I);
• Importância da prontidão: “A presteza dá vitória aos diligentes,
e a negligência desbarata os descuidados” (Cap. 1, Parte I);
• Importância do fator surpresa: “Os sobressaltos súbitos aterram
os inimigos, e os encontros providos não abalam” (Cap. 14, Parte II);
• Tempo como elemento fundamental da estratégia: “É tempo
para dar batalha, quando temos oportunidade para isso, ou vanta-
gem nossa” (Cap. 10, Parte II);
• Espaço como elemento fundamental da estratégia: “O lugar
muitas vezes vale mais que a força” (Cap. 14, Parte II);
• Importância da dissuasão: “E para isso favoreçam as armas,
as quais não são tão contrárias da paz como parecem, antes elas
defendem a paz como os cães defendem as ovelhas, posto que
pareçam contrários delas” (Cap. 1, Parte I);
• Importância da dissimulação: “Tanto dissimulemos, que nos
tenham por mentirosos” (Cap. 14, Parte II);

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