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REVISTA DA ARMADA | 509
SAÚDE PARA TODOS 36
ESCLEROSE MÚLTIPLA
A Esclerose Múltipla é uma doença neurológica crónica que afeta o sistema nervoso central. Surge frequentemente entre os 20 e os 40 anos de
idade e tem predileção por indivíduos da raça branca. É duas vezes mais comum em mulheres que nos homens. A Organização Mundial de Saúde
estima que em todo o mundo existam cerca de 2.500.000 pessoas com Esclerose Múltipla. Em Portugal estimam-se mais de 8 mil. Devido à sua
evolução ser habitualmente por surtos e muito variável de pessoa para pessoa, bem como por não haver nenhum sintoma específico, o seu diagnós-
tico pode demorar anos a ser feito. Para melhor compreensão deste problema foi pedida colaboração à 1TEN MN Carina Fernandes, neurologista.
AP – O que é a Esclerose Múltipla? ticulação das palavras, alteração
CF – A Esclerose Múltipla é uma doença do equilíbrio/coordenação mo-
neurológica na qual é afetado o sistema ner- tora, falta de força num ou vários
voso central, nomeadamente o encéfalo e a membros, dificuldades urinárias,
medula espinhal. Caracteriza-se pela perda dormência ou formigueiros per-
da mielina, uma membrana que reveste os sistentes, dificuldade em andar.
prolongamentos dos neurónios e cuja função Ao longo da evolução da doença
é tornar a condução dos impulsos elétricos surgem também frequentemente
entre os neurónios mais rápida. outras queixas, que são: fadiga,
AP – O que causa a Esclerose Múltipla? depressão, alterações cognitivas,
CF – Não se encontra ainda completamente alterações do sono.
esclarecido o mecanismo fisiopatológico na AP – Como pode evoluir a do-
base da Esclerose Múltipla, mas é sabido que ença? na Consulta Externa, considerando as caracte-
o principal mecanismo subjacente a esta do- CF – É uma doença crónica, logo, acompanha rísticas do doente, as suas queixas (atuais e
ença é a autoimunidade, ou seja, há uma res- a pessoa para toda a sua vida. Mas a gravida- prévias) e as alterações encontradas no exa-
posta do sistema imunitário contra alvos exis- de dos sintomas é muito variável de doente me neurológico. Pode ser necessário realizar
tentes no próprio indivíduo. Simplificando: para doente, podendo em alguns casos ter análises ao sangue (para excluir outras causas
no caso da Esclerose Múltipla são as próprias um curso benigno e noutros ser uma causa de para os sintomas), Ressonância Magnética
células de defesa do indivíduo que atacam a importante incapacidade numa fase precoce. (permite visualizar as lesões na substância
mielina, inflamando-a e destruindo-a. O mais frequente, contudo, é a evolução ser branca, que representam áreas de desmielini-
AP – Existem fatores de risco para esta algo intermédio a estes cenários extremos: zação), Potenciais Evocados (avaliam se a con-
doença? sintomas menos incapacitantes numa fase dução dos impulsos nervosos está lentificada)
CF – Sim, já foram identificados alguns fac- inicial (o doente consegue fazer uma vida nor- ou Punção Lombar (colhe-se uma amostra do
tores que, não sendo inteiramente responsá- mal) a que se vão somando posteriormente líquido cefalorraquidiano, que envolve o cé-
veis pelo aparecimento da Esclerose Múlti- alterações neurológicas (após vários anos de rebro e a medula espinhal, para confirmar a
pla, aumentam o risco de a vir a desenvolver. evolução levam a uma incapacidade significa- presença de inflamação e excluir diagnósticos
Destaco os fatores genéticos, algumas infe- tiva). alternativos).
ções virais e o défice de vitamina D. Atual- Existem alguns padrões característicos de evo- AP – Quais os tratamentos disponíveis?
mente a explicação mais provável para esta lução da doença ao longo da vida. Frequente- CF – Não existe ainda cura para a Esclerose
doença é: pessoas com fatores genéticos que mente, a Esclerose Múltipla evolui segundo Múltipla mas os tratamentos disponíveis são
predispõem à Esclerose Múltipla ao contata- um padrão surto-remissão, em que existem cada vez mais eficazes no seu controlo. Os
rem com um fator ambiental que faz ativar o episódios agudos de sintomas (surtos) e pos- medicamentos utilizados (imunossupresso-
sistema imunitário levam-no a atacar a pró- teriormente períodos de recuperação parcial/ res e imunomoduladores) atuam a nível do
pria mielina. /total, com estabilidade clínica. Mais rara é sistema imunitário, dada a significativa com-
AP – Quais são os sintomas mais fre- a evolução chamada de primariamente pro- ponente de autoimunidade desta doença.
quentes? gressiva, na qual não existem surtos mas sim Além dos tratamentos dirigidos especifica-
CF – A Esclerose Múltipla pode afetar qual- uma acumulação progressiva de sintomas mente à doença, existem outros que podem
quer porção do sistema nervoso central por neurológicos com perda de algumas funções. estar indicados para controlo dos sintomas e
isso os sintomas possíveis podem ser muito Na maior parte dos casos a apresentação ini- melhoria da qualidade de vida, que incluem
diversos e diferentes de pessoa para pessoa. cial é na forma surto-remissão e após vários não apenas medicamentos mas também a
Uma apresentação frequente da doença é a anos existe uma perda gradual de funções reabilitação.
nevrite ótica (inflamação do nervo ótico que neurológicas (secundariamente progressiva).
evolui em poucos dias, causando perda de AP – Como se faz o diagnóstico? Ana Cristina Pratas
1TEN MN
visão parcial e dor num dos olhos). Outros CF – Habitualmente é feito através da avalia- www.facebook.com/participanosaudeparatodos
sintomas podem incluir: dificuldade na ar- ção clínica realizada no Serviço de Urgência ou saudeparatodos@outlook.pt
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