Page 5 - Revista da Armada
P. 5
REVISTA DA ARMADA | 522
em Rota (Espanha), por seu lado, beneficiavam de um
período de treino de 4 meses (17%), após os 8 meses Foto: US Navy
de manutenção (33%), reduzindo o período de disponi-
bilidade operacional para 12 meses (50%). Já os navios
estacionados nos EUA, cujo ciclo operacional é de 27
meses (em vez de 24 meses, como nos dois casos ante-
riores), dispunham de 5 meses para manutenção (18%),
seguidos de 11 meses para treino (41%), ficando ope-
racionais durante os restantes 11 meses do ciclo opera-
cional (41%).
INSUFICIENTE FORMAÇÃO
Em 2003, a US Navy efetuou uma mudança radical na
formação dos seus oficiais de quarto à ponte, acabando
com o curso presencial na Surface Warfare Officers
School, em Newport, onde, durante cerca de 6 meses, USS John S. McCain após a colisão.
se preparavam os jovens oficiais em áreas como nave-
gação, manobra de navios, meteorologia, marinharia, armamento na exata medida em que os seus operadores sejam conscienciosos,
e limitação de avarias. Em substituição, a formação dos oficiais de capazes e estejam devidamente treinados. Com efeito, seria ingé-
quarto à ponte (recrutados depois de se formarem em universidades nuo pensar que os modernos sistemas de navegação eliminariam o
civis) passou a basear-se em tutoriais em computador (computer-ba- risco de erro humano. Tratando-se de sistemas extremamente avan-
sed training). Os oficiais recém-incorporados passaram a receber um çados, torna-se ainda mais essencial que os seus operadores este-
conjunto de CD-ROM, a fim de fazerem a formação por si próprios, jam devidamente treinados, para que não interpretem erradamente
sob a supervisão de oficiais mais antigos dos navios onde eram colo- as informações providenciadas e para que não tomem decisões que
cados. Isso significou que os novos oficiais passaram a chegar a bordo possam comprometer a segurança da navegação.
do seu primeiro navio sem qualquer formação presencial em navega- Importa referir ainda que têm surgido especulações sobre a pos-
ção ou em manobra de navios, entre outras matérias. sibilidade destes acidentes estarem relacionados com ataques
Tradicionalmente, a formação dos oficiais de Marinha sempre cibernéticos ou com guerra eletrónica. Contudo, apesar da susce-
combinou lições teóricas em sala de aula, com a aplicação prática tibilidade das redes de dados e dos sistemas de comunicações dos
dos conhecimentos adquiridos, a bordo de navios no mar e, mais navios a ciberataques, e apesar da vulnerabilidade do GPS a empas-
recentemente, em simuladores de navegação. Em 2003, a US Navy telamento ou mistificação, não há indícios de que tal tenha aconte-
mudou esse paradigma, considerando dispensável a formação teó- cido em qualquer um destes casos.
rica em sala de aula. O principal objetivo dessa Revolution in Navy
Training (como foi então designada) foi a diminuição dos custos de REDUÇÕES DE PESSOAL NOS NAVIOS
formação, tendo a medida implicado uma poupança de 15 milhões MERCANTES
de dólares por ano. Todavia, os resultados dessa formação on-job
revelaram-se bastante deficientes, motivando críticas que levaram Em qualquer colisão no mar, a responsabilidade nunca é apenas de
a que, logo em 2008, se começasse a reverter a situação, reintro- um dos navios envolvidos. Nessa ótica, gostaria de deixar aqui um
duzindo um curso presencial de 4 semanas (Surface Warfare Officer alerta para o caminho perigoso que a indústria do transporte marí-
– Introduction) para oficiais acabados de se alistarem. Quatro anos timo tem vindo a trilhar. No seu afã de redução de custos, os ope-
depois, em 2012, esse curso evoluiu para o Basic Division Officer radores de navios mercantes têm vindo a impor reduções cada vez
Course, um curso presencial de 2 meses, essencialmente dedicado maiores no pessoal de quarto à ponte, levando ao conceito da “one-
a navegação, manobra do navio, marinharia e limitação de avarias. -man bridge”, em que apenas um homem se encontra de quarto em
No entanto, a situação ainda não foi inteiramente revertida, pois o muitos desses navios, alguns deles de enormes dimensões. Natu-
antigo curso tinha uma duração de 6 meses e o atual tem apenas 2 ralmente, isso não contribui para a redução dos acidentes no mar.
meses. Além disso, a reforma de 2003 deixou uma herança pesada
numa geração inteira de oficiais. CONSIDERAÇÕES FINAIS
DEPENDÊNCIA DAS NOVAS TECNOLOGIAS Para finalizar – e porque os acidentes no mar têm repercussões mais
alargadas do que as meras implicações em termos de navegação – gos-
Com o aparecimento do GPS, dos Electronic Chart Display and taria de aflorar as consequências estratégicas desta onda de acidentes
Information Systems (ECDIS), dos radares com facilidades Automa- marítimos. Como referiu James Holmes (Professor de Estratégia no
tic Radar Plotting Aid (ARPA) e dos Automatic Identification Systems Naval War College), em artigo publicado recentemente, “se a compe-
(AIS), entre outras inovações, a condução da navegação ficou bas- tência da US Navy começa a ser questionada – justa ou injustamente
tante mais facilitada para as equipas da ponte. Contudo, as poten- – então a dúvida instalar-se-á nas mentes estrangeiras. Eles poderão
cialidades desses sistemas podem levar os navegantes a descurar as interrogar-se como é que as forças dos EUA se portarão perante as
perícias de condução da navegação por métodos visuais e por radar, exigências do combate, se não conseguem executar as mais básicas
bem como os procedimentos tradicionais para evitar abalroamentos missões em tempo de paz”. Isso poderá fazer com que “as populações
no mar. Com efeito, a apresentação extremamente sedutora e ape- estrangeiras percam a confiança na US Navy – corroendo o sistema de
lativa dos monitores de navegação, existentes numa moderna ponte alianças, na Ásia e fora dela, em todo o globo”.
de navio, pode induzir no navegante uma falsa sensação de segu-
rança, levando a confiar na tecnologia e a descurar os métodos tra- Sardinha Monteiro
dicionais de navegação. Só que os sistemas eletrónicos só são úteis CMG
SETEMBRO/OUTUBRO 2017 5