Page 308 - Revista da Armada
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Oonversa


        . Entre


          Marinheiros





          Não  é  marinheiro  quem  quer ...  É  marinheiro  quem
          navega, quem suporta ventos e tempestades ... dizia
          eu  numa  das  minhas  últimas  «Notas  de  Abertura».
          E é  marinheiro  também,  digo eu  agora, quem  con-
          sagra  a  sua  vida  a  salvar  a  dos  outros  arrostando
          perigos  e  canseiras  que  só  os  que  são  do  ofício
          sabem  avaliar.
          É  o  caso  do  patrão  Casaca  que  tive  a  honra  de
          condecorar  com  a  medalha  de  ouro  de  Coragem,
          Abnegação  e  Humanidade,  no  Dia  da  Marinha.
          No  seu  peito  valoroso,  onde  já  havia  8  de  prata  e
          11  de cobre,  foi  mais  uma  jóia  a  luzir no  azul  fer-
          rete da farda, que há-de ser mortalha deste grande
          lobo  do  mar.

          É  verdade  que  a  nossa  Revista  é  da  Armada,  mas
          a  Armada  é  grande  e  tem  muitos  ramos  de  activi-
          dade.  O  Instituto  de  Socorros  a  Náufragos  é. um
          deles.  Por  isso  o  patrão  Casaca  é  também  dos
          nossos ...  e  é  com  orgulho  que  o  apresentamos.                                  .. ~ ...
          Olhos  azuis,  talvez  de  tanto  olharem  o  mar, corpo                           ".,'~
                                                                                                ..
          magro,  tez  morena,  cabelo  e  bigode  brancos,  rijo
          nos seus 81  anos, o  patrão Joaquim Alberto Casaca
          é  o  autêntico  tipo  do  homem  da  borda  d'água.
          Quando  anda,  balança  o  corpo,  dando  ideia  que                      /
          não  foi  feito  para  andar  em  terra.
          É  casado  e  tem  3  filhos  vivos.  Tinha  outro  que
          morreu  aos  19 anos esmagado debaixo dum  salva-
          -vidas  que  estava  a  limpar.  Tem  8  netos,  3  na  Ar-
          gentina  e  5  em  Olhão,  sua  terra  natal.  Nasceu
          pobre,  e  pobre  continua.  A  sua  fortuna  resume"'se
          à família, às 19 medalhas que com  tanto  risco con-
          quistou  e  ao  mar  tão  grande  e  todo  dele!

          Tinha  17  anos  quando  foi  para  a  pesca.  Começou
          em  Setúbal  nos  galeões  a  remos,  da  sardinha  (os
          precursores  das  actuais  traineiras).  Vinte  anos  na-
          vegou  nestes  mares.  Tinha  pois  34  ou  35  quando
          passou  para a pesca em  barcos a vapor, em  Lisboa.
                                                               o  «Ra inha  D.  Amélia »  após  o  baptismo  e  lançamento  ao  mar
         . Pouco  tempo  depois  regressou  finalmente  ao  seu
          Algarve  para  «andar  à  sacada».                   Andou  2  anos  nele,  passando  depois  a  governar
          Estava  feito  um  grande  marinheiro  e  reconhecidos   o  «Gago  Coutinho »,  um  maravilhoso  salva-vidas
          os  seus  méritos.  Por  isso  não  admira  que  lhe  pro-  comprado  na  Alemanha  que  teve  um  fim  inglório.
          pusessem  entrar  para  o  Instituto  de  Socorros  a   A  certa  altura,  encontrava-se  fundeado  em  Sagres,
          Náufragos, como  patrão  do. salva-vidas  da  Estação   quando  um  ciclone  lhe  rebentou  as  amarras; dando
          d'a  Ilha  da  Culatra.                              à  costa  e  perdendo-se  desfeito  pelo  mar.
          O  primeiro  que  lhe  calhou  governar  foi  o  «Olhão »,   Depois  deram-lhe  o  «Rainha  D.  Amélia »,  que  tam-
          em  1926.  É  um  belo  barco,  feito  em  Pedrouços ,   bém  era um  belo barco, ou  melhor, é, porque ainda
          ainda  hoje  ao  serviço  no  posto  de  Tavira.     está  ao  serviço  em  S.  Martinho  do  Porto.

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