Page 309 - Revista da Armada
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o patrão  Casaca  no  seu  mundo ...



                                                         - Uma  noite,  eram  pr'aí  umas  11  horas,  um  barco
                                                         espanhol- o  «Monte  Beltrone» - pediu  socorro  por
                                                         ter  encalhado  nos  baixos  da  Cabeça  dos  Mortos.
                                                         O  vento  era tanto  que  só  às  3  da manhã  consegui-
                                                         mos abrir a porta do posto para deitar o salva-vidas
                                                         à  água.  Lá  fomos  para  o  local  do  sinistro  debaixo
                                                         de  muito  mar.  Chegado  lá,  fundeei  ao  largo  e  dei-
                                                         xei-me  descair sobre  a amarra para junto do barco
                                                         encalhado. Atiraram-se 2 cabos, um da proa e outro
                                                         da  popa.  Quando  a  vaga  passava  encostávamos  o
                                                         salva-vidas  ao  navio  e  embarcávamos  náufragos,
                                                         mas  quando  o  mar vinha,  afastávamo-nos  para  não
                                                         bater».
                                                         - Tínhamos  já  nove  náufragos  a  bordo  quando  re-
                                                         bentou  o  cabo  da  proa.  Atiraram-nos  outro,  mas
                                                         com  tan.to  azar  que  se  enroscou  no  nosso  hélice,
                                                         e  partiu  metade  da  porta  do  leme.
                                                        - Com  muita  dificuldade  naveguei  para  Olhão.
                                                         Havia  muito  povo  para  assistir à  chegada  dos  náu-
                                                         fragos.  Entre  estes  estava  o  cozinheiro  que  trazia
                                                         uma  grande  faca.
                                                        - Pedi-lha  emprestada  e  desimpedi  o  hélice.  De-
                                                         sembarcaram  os  náufragos  e  voltei  ao  navio  enca-
                                                         lhado.  Repeti  a  manobra  e  embarquei  os  restantes
                                                         náufragos - vinte  e  tal.
                                                         - O  pior é  que  já  em  terra, na Alfândega,  fizeram  a
                                                         chamada  e  verificaram  que  faltavam  três  tripulan-
    E agora é patrão do «Comandante Couceiro », desde    tes.  Teriam  desaparecido?
    1963,  outra  rica  embarcação,  que  ele  trata  como   - Voltámos  ao  navio,  que  remédio  tínhamos  nós ...
    se  fosse um filho.  O mar para ele não tem  segredos.   O tempo tinha amainado o suficiente para podermos
    O  pior  é  a  vista  que  já  vai  falhando ...     atracar.  Lá  estavam  eles.  Não  queriam  largar  a
    - Sabe sr. Director, antigamente trabalhava-se muito.   carga  que  diziam  ser  muito  valiosa ...
    Só  havia  barcos  à  vela  e  os  desastres  eram  cons-  - Trouxe-os  também  para  terra,  embora  contra-
    tantes.  Houve  meses  em  que  .não  dormia  mais  de   riados.
    10  n'oites  em  casa.  As  outras  passei-as  acordado,   - E g~nhou o  patrão  Casaca  alguma coisa por este
    no  mar.                                            salvamento,  perguntei?

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