Page 334 - Revista da Armada
P. 334

retalhos



                                           da  vida  do  mar


                                           o senhor x





         o episódio  que  vou  narrar  passou-se  alguns  anos  atrás,   O  navio,  para quem  ele  conseguira  várias  atenções, esta-
         quando da estadia dum navio  da nossa Armada em porto   va-lhe  credor' de imensas  gentilezas. Os  seus  automóveis,
         t'strangeiro,  algures  por  esse  mundo  fora.      por  exemplo,  andavam  num  vaivém  levando  ali  e  acolá
         O  Senhor  X  aparecera  a  bordo  ninguém 'sabia  como,  e   membros  da  guarnição,  quer  em  passeios  turísticos  que
         começara,  devido  muito  mais  à  sua  simpatia  do  que  ao   proporcionava,  quer  em  recados  de serviço  que  ele  pró-
         facto  de ser  um  ricaço,  a  «infiltrar-se»  a  pouco  e  pouco   prio  resolvia.
         na  guarnição  do  navio.                            Um dia, nós, os oficiais, resolvemos convidá-lo para almo-
         Era português,  havia  emigrado  e era uma  daquelas  figu-  çar  na  nQssa  Câmara,  em  convite  especial,  para  uma
         ras  habituais  de  indivíduos  saudosos  que  procuram  por   lauta  refeição  à  portuguesa  em  que  a  sua  qualidade  de
         momentos  consolar,  pisando  o  solo  pátrio  do  convés   bom  garfo  que  constava  que  era,  pudesse  ser  patriàti-
         dum navio, a nostalgia que certamente por vezes os invade,   camente  satisfeita.
         não  obstante  terem  conseguido  triunfar  na  vida e  muitos   Pois  o  Senhor  X,  ao  entrar  na  Câmara,  ao  ver  todos  os·
        . deles  até  terem  feito  grandes  fortunas , como  era o  caso   oficiais  aguardando  a  sua  chegada,  incluíndo  o  Coman-
         deste.         .                                     dante  com  quem  anteriomente  apenas  falara,  perdeu  o
         A história do Senhor X era belll simples. Tendo ido parar   à-vontade  habitual,  hesitou  e parando por  uns  momentos
         a  esse  país  que  consitletavá cOmo  pátria  adoptiva  - em-  à  porta  disse-me  a  mim,  que  vinha  a  seu  lado:
         bora nunca se tivesse esquecido da~ sua verdadeira -, tinha   «- Em  toda  a  minha  vida  nunca  tive  honra  maior.  Para
                .         ~                 ~.'
         mourejado  e. passado  por  tudQ  durante longos  anos  qu~  isto  é  que  eu  ainda  não  estou  preparado.  Os  senhores
         foram  correndo,  nunca  tendó ,Voltado  ·ao  seu  longínquo.  sim, 'que  ~ão  HOMENS  DO  MUNDO,  «enrascam-me»
         Portugal, mas, em compensação, tendo conseguido a posi-  e  receio  cometer  alguma  falta ... »
         ção  que  então  desfrutav'a,  senhor  de  muitos  haver es,   Clarq  que o  almQço  foi  estupendo,  a convivência  melhor
         proprietário  como  era, industrial  de  renome.     ainda  e  o  Senhor  X,  sentindó-se  muito  feliz,  ao  mesmo
         De  condição  humilde, hoje' ocupava um  lugar cimeiro  na   tempo  que  certamente  sentia  o  «gosto  amargo  da  sau'"
         sociedade  local  'cujas  portas  lhe  eram  abertas  e  certa-  dade»,  acabou  por  verter  uma  que  outra  lágrima!
         mente por isso  ele a todos os níveis  também se  habituara,   Mas ...  teria  sido  só  o  Senhor  X?
         percorrendo  toda  a  escala  humana  de  convívios.  Nunca
         se  constrangia  ou  acanhava,  e,  pelo  seu  próprio  feitio,
         estava  à  vontade  em  qualquer  ambiente.                                                 A.  Chuquere








                                                                            bibliografia







                                             KALUNGA (ficção) - por Lígia Gu-   colog ia  complexa  dos  mestiços e
                                             terres                             negros.  Para quem  deseje conhe-
                                                                                cer  um  pouco  melhor  a  pertur-
                                             Depois  de  «Mussamar»,  livro  de   bante sensibilidadede uns eoutros,
                                             contos, Líg ia Guterres dá-nos « Ka-  'as  suas  interrogações,  a  sua  an-
                                             lunga»,  onde  se  reúnem  quatro   gústia  povoada  de temores  e  pe-
                                             histórias:  Kalunga,  Katoki,  Barco   rigos,  este  livro  trará  uma  ajuda
                                             Parado e Um  dos Onangano.         utilíssima,  para  lá  do  prazer  que
                                             Livro  de  temática  africana,  nele   nos  oferece, uma  prosa  cheia  de
                                             assimilamos  a  riqueza  dessa  psi-  imagens fascinantes e poéticas.

          8
   329   330   331   332   333   334   335   336   337   338   339