Page 236 - Revista da Armada
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Retrospectiva  7








                     A história da Marinha não é feita só
                     de batalhas navais, viagens, encalhes,
                     naufrágios ... é feita também
                     de pequenas coisas, como estas.

                   or gentüeza dum estimado leitor,  mais um velho
                   caderno  de  cálculos  náuticos  nos  veio  parar  às
                   mãos.  Pertenceu ao  então segundo"tenente Joa-
            P quim Gomes Xavier de Mattas e foi coordenado em
            1855. Trata-se de uma autêntica sebenta de oficial de mari-
            nha embarcado. com os cuidados a ter com os cronómetros,
            exemplos  de cálculos  para determinação  da  longitude e
            latitude, desvios da agulha, curvas de giração do navio, etc.
               Não teria pois  qualquer interesse,  por ultrapassada  a
            matéria, se não fora o facto de conter algumas páginas com
            notas sobre uma comissão que aquele oficial, já com o posto
            de capitão-tenente  fez  em  Moçambique.  Começa assim:
               Quartel General da colunna de operações n. o  extra  -
            Cabaceira Grande Moçambique 23 de Outubro de 1896. Ao
            Exmo. Snr.  Commandante da Canhoneir a Zaire. Do ajudan-
            te de campo de S. Exa. o Senhor Governador Geral da Pro-
            vincia de Moçambique. Por ordem de S. Exa. o Governador.
               Constando-lhe que a villa do Parapato se acha ameaça-
            da pelos rebeldes Sua Exa. o S.  Governador Geral requisita
            a canhoneira do mui digno commando de V. Exa. para sem
            perda de tempo prestar socorroáquella villa.
               Segue  a  bordo da  mesma  canhoneira  o  capitão  Julio
            Gonçalves que vai tomar posse do commando militar d'An-  o capitão·tenente Joaquim Gomes Xavier de Maltas.
            goche, este oflicial em tudo que respeita ás operações mili-
            tares fica  subordinado a  V.  Exa.  que se dignará  tomar o   Como se pode ver pelo documento junto, o nosso alferes
            commandosuper iorde todas as forças ali estacionadas. Sua   era fraquinho em ortografia  pois que, em todo o texto em-
            Exa. o Governadorconfia plenamente em que V. Ex a. proce-  pregou apenas quatro virgulas, e quanto a redacção ..
            derá pela maneira mais conveniente por isso não dá instru-  Em cumprimento da missão atribuída, saiu a  IIZaire» do
            ções algumas afim de lhe deixar a maxima liberdade d'acção.   porto de Moçambique no dia 23 de Outubro de 1896, às dez
            Sua Exa. entretanto chama a attenção de V. Exa. para ose-  horas da noite e chegou a  Angoche no dia seguinte às duas
            guinte:                                             da tarde. Depois de fundear, foi a bordo o comandante mili-
               A  exiguidade e má qualidade das forças de que dispõe   tar que disse estar suspirando por um navio; que a guerra
            o  commando  militar d'Angoche  não permitem  provavel-  tivera começo na cobrança de impostos que o Farilai decla-
            mente que se tome a offensiva limitando-se portanto a ac-  ra não querer pagar; que desde o dia 6 tem havido quase
            ções de deffender a villa e as passagens por onde o inimigo   todos os dias tiros contra a nossa linha de cypaes, e que se
            possa receber reforços.  Para a  1. · lembra Sua Exa. o ponto   diz  que  veem  atacar  Parapato;  que  tem  passado  gente
            onde se acha collocado o posto semaphóricoonde se poderá   d'Angoche,  do sultão lbrahimo,  em auxilio ao Farilai; que
            com os recursos locais construir uma pequena obra de forti-  este sultão protesta sempre a  sua amizade ao Rei mas que
            ficação muito provisoria e aproveitar uma ou duas bocas de   é um traidor (. . .).
            fogo ali existentes.                                   Seria fastidioso descrever as operações que se desenro-
               Para a  2. · parece ao mesmo Exmo. Snr. que se poderia   laram a seguir, até ao dia 25 de Novembro, data em que o
            aproveitar uma embarcação armada com uma metralhado-  navio regressou a  Moçambique. deixando tudo apazigua-
            ra. Sua Exa. o Governador Geral lembra a  V. Exa. que pode-  do.  Quero,  no entanto,  salientar um  episódio que  mostra
            rá ser conveniente aprehender todas as embarcações indi-  bem a  noção de dignidade e  lealdade que sempre foram
            genas que se encontrem no rio ecanaes.              apanágio da gente da nossa Marinha.
               V. Exa. não deverá considerar como instrução a cumprir   Poucos dias após a  chegada a  Angoche, o comandante
            o  que fica  exposto nesta nota,  mas apenas como simples   Xavier de Mattos escreveu uma carta ao Ibrahimo para vir
            lembrança por isso que V. Exa. na localidade muito melhor   falar com ele. Respondeu no dia seguinte, dizendo que era
            pode avaliar as circunstancias e resolver por compreensão.   amigo do Rei e que havia de vir mas não sabia quando.  O
               A  canhoneira LIberaI ê esperada brevemente neste poso   commandante militar pediu-me então que voltasse a escre-
            to, logo que ella chegue S. Exa. o Governador Geral irá a An-  ver-lhe insistindo na vinda "para se lhedeitar a mão». Recu-
            goche e se for passiveI começam ali as operações offensi-  sei-me a faze-lo para que não houvesse razão de se dizer
            vaso                                                que o commandantede um navio de guerra portuguez tinha
               Oajudante de campo Ernesto Rocha, alferes.       faltado â  lealdade. Escrevi-lhe sim a dar-lhe o prazo de 24
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