Page 238 - Revista da Armada
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No dia 17veioo vento ao NE, o marcahiu ea viagem fez- não se perdeu, porque foi apanhada por um navio inglês
-se linda ate ao Cabo da Boa Esperança. que a devolveu ao navio, sendo novamente colocada, alta-
Bem diz o povo que _a seguir à tempestade vem a bo- neira, no seu devido lugar.
nança~ . Em 1 de Dezembro de 1876, depois de uma viagem tor-
Do Cabo a Luanda a viagem fez-se sem incidentes de mentosa, chegou a Londres a fim de conduzir para Lisboa
maior e com os usuais trabalhos no aparelho. na máquina, os restos mortais do marechal duq ue de Saldanha, nosso
fainas de carvão, reabastecimento de frescos e agua, salvas embaixador naquela cidade, que ali havia falecido em 21 de
de artilharia, cumprimentos, etc. Novembro. À chegada a Lisboa, foram a bordo receber o fé-
Em Moçâmedes, dia 20 de Abril. foi recebido a bordo o retro (dia 19) o presidente do Ministério, o ministro da Mari-
seguinte telegrama: Conselho do Almirantado viu com sa- nha e várias outras individualidades militares e civis.
tisfação modo desempenhou comissão. Fica pertencendo Numa das várias comissões que fez no Ultramar, regis-
dIvisão. te-se a seguinte nota do, ao tempo, aspirante de Marinha,
No dia 26 de Maio, em Luanda, o comandante Mattos mais tarde conhecido almirante lvens Ferraz, que seguia a
entregou o comando da _Rainha de Portugal_ e assumiu o bordo (Novembro de 1888): A iluminação era tão antiquada
da canhoneira _Douro. , na qual z.arpou para Portugal nodia como a artilharia. Na c.fmara do comandante havia o luxo
3 de Junho, desta vez. com os vivas das canhoneiras ~Vou dum lustre com 4 velas de esrearina, mas a cãmara dos ofi-
g8» e "Massabi», transporte "Pera de Alenquen e ainda ciais era frouxamente iluminada por um farol de globo, com
uma canhoneira inglesa que ali se encontrava de passa- grlserapara azeite ( ... ).
gem. O mesmo almirante, no episódio «O Temporal», do con'
Com u ma viagem normal, escalando Cabo Verde, Guiné to «O Malhado", descreve assim um temporal que apanha-
e Las Palmas, o relato termina abruptamente e sem qual- ra no dia 9 de Dezembro, na mesma viagem, na tirada de
quer explicação, deste modo: No dia 21 de Julho entramos Malta para Porto Said:
noFunchalâs3 Vz (p. m .). Em 9 o mar era medonho, o vento muito duro e os fusis
Por investigações posteriores no Arquivo Geral da Mari- por todo horizonte. O mar galgou a proa, partiu os paus da
nha ficámos a saber que a ~Douro . chegou a Lisboa a 1 de bujarrona e de pica-peixe, deixando os mastareus de proa
Agostode 1897. desemparados dos estais. Partiu-se tamoom, consequente-
• mente, o mastareu do veJacho, cerce pela pega do traquete,
• •
• sendo alljados ao mar, num balanço maior, os mastaréus
Para confirmar o que constava do caderno do coman- desarvorados e a verga do velacho.
dante Xavier de Mattos, fui ler o que dizia sobre a i!Rainha Pela noite arrebenta o cabo do leme e passou-se a gover-
de Portugal» a obra do capitão-de-mar-e-guerra António nar com a cana. Houve pânico a bordo. O navio desgoverna·
Marques Esparteiro «Três Séculos no Mau (IV Parte/Cor- do e sem poder utJ1izar a maquina, pejo perigo de se enras·
vetas/4.o volume). carem os cabos na helice, atravessou ao mar, dando balan-
Que bonita é a história deste navio I Uma vida não muito çosde «meteretirarlaisJl. Os destroços da mastreaçãopen-
longa - 22 anos - mas bem movimentada! Sulcando os dentes duma emaranhada teia de cabos, batiam estrondo-
mares, aguentou violentos temporais, teve momentos de samente de encontro ao costado tendo arrombado a trin o
alegria e outros de tristeza e prestou relevantes serviços ao cheira de bordo. Enormes serras de mar galgavam o navio
pais. Nasceu em Inglaterra, onde foi construida, juntamen- de 16s-a-16s ameaçando arrebatar quem não tivesse pernas
te com sU'lirmã gémea _Mindelo •. Bem fadadas, uma e ou- e unhas de marinheiro para se aguentar. A man'nhagem, 85
tra, ambas se tomaram famosas e ambas atravessaram a li- ordens do comandante, munida de machadinhas de abor-
nha do século XIX para o XX. E então a "Rainha» foi mais dagem, safava rapidamente o navio dos desrroços penden -
feliz pois enquanto sua irmã ficou a servir de pontão, ela foi tes fora da borda. Os estais, fixos na roda de proa, eram difi-
destinada a navio-hospital. Já velhas e inuteis, ambas tive- ceis de cortaI devido 8S enormes caturradas que a corveta
ram, porém, triste final : o que têm quase todos os navios dava.
-a sucata! Apareceu, no entanto, um safa-rascadas que, num bal-
Mas vamos à _Rainha. e a algumas coisas que dela con- sa, os foi cortar, tendo merecido, como prémio, um louvor
ta o comandante Esparteiro. em ordem ao navio, dois decilitras de vinho a ceia durante
Chegou a Lisboa em 14 de Abril de 1876. Deslocava oito dias e uma libra de ouro como presente especial do co-
1124t, tinha 51,81 m de comprimento, 10,86 de boca e 3,89 mandante.
de calado a vante e 4,53 a ré. De armamento: 7 peças obso' Em 17 de Março, em viagem de Lourenço Marques para
letas de carregar pela boca, duas de 17,7cm em rodlzios e o Cabo, com mal grosso, numa caturrada maior do navio,
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6 de amurada de 12.7. Superfície total das velas, 790m ; 165 partiu+se o pau da bujarrona arrastando na queda tudo o
homens de guarnição; uma máquina de 900 cavalos, com 3 que a ele estava ligado e três marinheiros que ali manobra-
caldeiras de 6 fornalhas, que lhe davam uma velocidade de vam o aparelho. Arriaram uma baleeira que recolheu dois
11,5nós. deles, desaparecendo o terceiro perante a guarnição con-
Havia, pois, dois autênticos infernos a bordo a funcionar tristada.
em alternativa ou simultaneamente: as velas e sua com- O que fica dito não é mais que umas ligeiras notas acer-
plicada e arriscada manobra e/ou as fornalhas das caldei- ca da agitada vida deste belo navio que prestou relevantes
ras, a engolir carvão e a vomitar fumo e fuligem. serviços ao pais, tantos que se torna diticil enumerá-los.
A figura de proa representava a rainha O.Maria Pia de Chegou a Lisboa a 23 de Maio, tenninando a sua vida d e
Sabóia, em traje de corte. A propósito, quando o principe de mal.
Gales visitou Portugal, em 1876, o nosso rei D. Luis acompa- Em 23 de Julho de 1898 passou ao estado de completo
nhou-o a bordo do transporte real "Serapis», no qual regres- desannamento, ficando a servir como hospital.
sou a Inglaterra, embarcando seguidamente na ~Rainha» Em Fevereiro de 1911 foi vendida. porinUtil. para a suca·
que havia de o escoltar até ao cabo da Roca. O outro escolta. ta. Conta-se que o sucateiro teria dito ao comprá-la, e por
8 fragata britânica ~Rale ight", ao tomarem os dois navios estar simultaneamente à venda a corveta «Afonso de Albu-
posição devida. manobrou mal e foi abalroar a nossa corve- querque» : compro esta porque sempre ê ((rainha »,
ta causando-lhe muitos danos e atirando à água a gentil fi- M.doVaJe,
gura de proa, juntamente com tudo o que existia à proa. E c/sIm
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