Page 32 - Revista da Armada
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AQUILO QUE A GENTE NÃO ESQUECE (14)
Hoje vamos ter ({ronco»
Ronco é das palavras mais ricas e mais expr~ssivas Recordo que, na messe de Marinha, em Bissau, cos-
que eu já conheci. Vocábulo próprio do léxico guineense, tumava realizar-se, todas as quintas-feiras, um jantar
ronco significa tudo o que manifesta exuberância, grano melhorado a que os oficiais podiam levar os seus convi·
deza, opulência. dados e a que, normalmente, iam assistir as senhoras
E assim, pode dizer-se de um fato bonito e bom que que por lá estavam em companhia de seus maridos. A
é um fato de ronco, uma festa rija e valente é uma festa coisa era chique, chiquissima, mesmo a ponto de, em
de ronco, um espectáculo solene e espampanante é um determinada altura, esse referido ágape se transformar
espectáculo de ronco. Enfim, por tudo e por nada, de na mais selecta e requintada reunião de sociedade que
qualquer coisa que nos agrade e caia no goto podemos. naquela terra se realizava. Tanto assim era que consistia
com precisão, afirmar que é uma coisa de ronco. uma benesse e uma honra alguém ser convidado para
tal repasto, havendo mesmo uma determinada ciumeira
da parte de quem não era convidado tantas vezes quan-
tas gostaria.
a anterior salão da messe daslNAB (Instalações Na-
vais de Bissau) era sóbrio, mas acolhedor. Contudo, uma
profunda remodelação levada a cabo no tempo em que
o cap. -m. Ag. AN Adolfo Figueiredo chefiava o Serviço de
: Abastecimento tornou a messe de Marinha, em Bissau,
qualquer coisa parecida, .. mutatis mutandis .. , com um
hotel de cinco estrelas. Melhor dito, e falando claramen-
te, era o Ritz lá do sitio.
Pois o referido encontro das quintas-feiras de que es-
távamos falando era por toda a gente designado, nada
mais nada menos, por ronco. Hoje vou ao ronco, hoje es-
tou convidado para o ronco, assim se lhe referiam os que
nele iam participar. Era o que se podia chamar o ronco
da gente de ronco, ou seja, da gente fina e graúda.
Mas havia também o ronco da plebe, da massa, dei-
xem dizer-me, do "'pagode ... Consistia num aparatoso
desfile militar, com fanfarras, pelas dez horas de cada
domingo, na principal artéria da cidade, culminando com
o render da guarda e hastear da bandeira no palácio do
governador. Alternavam-se os diversos ramos das For-
ças Armadas - Marinha, Exército e Força Aérea. Era
uma festa. Apesar de frequente e rotineira, não deixava
o evento de atrair inúmeros espectadores. Havia adep-
tos para cada uma das modalidades. Porém, sem querer
minimizar qualquer dos ramos, o ronco dos fuzileiros
atraia maior assistência e aplausos.
Mas o ronco mais colorido e, sem dúvida, o mais par-
ticipado de todos quantos se realizavam na Guiné era o
ronco que encerrava o Ramadão, o tempo penitencial e
de jejum observado pelos muçulmanos. Num largo próxi-
mo do Alto Bandim, a zona maometana por excelência,
tinha lugar a referida festividade a que assistiam as mais
altas entidades da Provlncia.
Tijilavas e cofiós, capulanas e lenços das mais diver-
sas cores, emprestavam ao acto um ar de rara beleza e
alegria a que se juntavam os sons diferenciados de gui-
zos, tambores, chifres, guitarras e cavaquinhos, dando
-Ronco .. frenreaoPafAciodoGovemo. vida melódica à grande assembleia em louvor de Alá e
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