Page 42 - Revista da Armada
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As escalas
dos instrumentos náuticos (II)
m ~rtigo anterior (I) referimo-nos ao avanço tecno- É natural que esta invenção tivesse tido o seu maior
lógIco dos portugueses no domínio dos instrumen- desenvolvimento em Inglaterra. Assim, começam a apa-
E tos náuticos durante a época das Descobertas. Po- recer em Londres várias oficinas que apresentam instru-
rém, a partir da segunda metade do século XVII, a situa- mentos de qualidade, não s6 na parte mecânica como na
ção modificou-se profundamente, pois os ingleses e ho- óptica, devido à incorporação de lentes acromáticas
landeses começaram a ser os grandes senhores da navega- (1757) que devemos ao inglês Peter Dollond.
ção. Em Inglaterra, especialmente. o Board of Longitude Porém, um dos aspectos de maior dificuldade para os
desenvolveu uma acção notável que teve, no campo dos fabricantes dos chamados instrumentos de matemática
instrumentos náuticos, a concretização de duas invenções era exactamente a graduação das escalas. Jã vimos(2)
que permitiram navegar com maior rigor e, por conse- como era dividida a escala de um astrolábio, mas nestes
quente, maior segurança: o cronómetro de bordo e o ai- não eram exigidas divisões inferiores a um grau. Nos ins-
tante, ambos nascidos no segundo quartel do século trumentos de dupla reflexão, e agora apenas nos referi-
XVIII. mos aos nãuticos, era necessário atingir, como divisão mí-
O aitante e os seus sucedâneos quinlante, sextante e nima,os 10minutosdearco.
o círculo de reflexão trazem para a medição de ângulos Fazer um instrumento bem dividido era portanto uma
na astronomia náutica algumas inovações extraordiná- operação difícil que exigia artistas extremamente compe-
rias: tentes. Além disso era um trabalho demorado que tinha
de ser realizado a uma temperatura constante, o que não
1. Permitem a coincidência entre os astros observa-
era fácil manter numa oricina do século XVIII. Bird, que
dos ou entre estes e o horizonte;
foi um conceituado fabricante, escolhia certas épocas do
2. Uma vez feita a coincidência, esta não se desfaz
ano - O princípio da Primavera ou do Outono - efec-
mesmo que se balance O instrumento;
tuando a divisão das escalas de preferência durante a ma-
3. E por último, e não menos importante, podem ser
nhã.
feitas medições com um grande rigor. De facto, a
Percebe-se agora como era indispensável encontrar
meio do século, a utilização do nónio permite ir até
ao minuto arco. uma solução para este difícil problema. A primeira má-
quina de dividir circular foi provavelmente construída por
Henry Hindley, de York, por volta de 1739, e teria sido
inicialmente concebida para o fabrico de rodas dentadas
de relógios. Depois, um francês, o duque de Chaulnes,
entre 1765 e 1768, apresenta uma máquina para dividir es-
calascirculareseoutra para escalas rectilíneas. Porém, foi
em 1777 que efectivamente apareceu a mãquina de dividir
que obteve a verdadeira notabilidade. Por este facto , e
pela elevada qualidade dos instrumentos que fabricou,
Jesse Ramsden (1735-1800) ficou na história da tecnolo-
gia como um dos maiores artistas do seu tempo.
A grande inovação de Ramsden foi a introdução de
um parafuso tangencial a uma roda de 2160 dentes, o que
permitiu alcançar o espantoso rigor de 10 segundos de
arco, 60 vezes mais do que era exigido para um instrumen-
to náutico. Agora era possível graduar uma escala de um
sextante em meia hora, acabando assim um dos maiores
pesadelos dos artífices da época.
Se Ramsden tivesse nascido noutro país teria sido o
único a beneficiar do seu invento. Como nasceu em Ingla-
terra, quem efectivamente enriqueceu foi o seu próprio
país. Porquê? Porque o Board of Longitude, além de o
contemplar com o prémio de 300 libras esterlinas pela sua
invenção, lhe ofereceu mais f.315, com a condição dele
publicar uma memória sobre a sua máquina de dividir e
colocar-se à disposição de dez dos seus colegas, escolhi-
Mdquilla dedividiresca/as, de 1855, exislenle no Il1SliwloSupeTioT Ttelli· dos pelo Board, para ensinar a fabricar máquinas equiva-
eo (folo de Reinaldo de Carvalho). lentes e a usá-Ias. Esta sábia medida foi uma das princi-
(') V/'r «Revislada Armada~ n. n 172/Jall. 86. (')tbidem.
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