Page 84 - Revista da Armada
P. 84

Antologia do Mar




                                   e dos Marinheiros








            Graciliano Ramos  Pejo cap.-frsg.  CrislÓvão Monin


                   raciliano Ramos, cscrilOr brasileiro: um nome grande
            G
                   da  literatura de  língua  portuguesa.  No  ano de  1948
                   (tinha então 56 anos de idade) ele poupava-nos o tra-
                   balho de redigir a SU3 biografia, traçava assim  o seu
            aulo-retrato:
              .. Nasceu  a 27 de Outubro de  1892. cm  Quebrangula, Ala-
            goas. Casado duas vezes, tem sete filhos. Altura 1 ,75m. Sapato
            0.°41. Colarinho  0.°39.  Prefere  não andar.  Não gosta de vizi·
            nhos. Destesla rádio, telefone ecampainhas. Tem horror às pes-
            soas que falam alio. Usa óculos.  Meio calvo. Não tem preferên-
            cia por qualquer comida. I ndiferente à música. Não gosta de fru-
            tas nem de doces.  A  Bíblia é  a sua leitura preferida.  Escreveu
            .. Caclés» com 34 anos.  Não dá preferência a nenhum dos livros
            publicados. Gosta de bcbcraguardente. Éateu. Adora crianças.
            Manocl António de Almeida, Machado de Assis, José Lins do
            Rego e  Rachel  de  Queiroz são os romancistas brasileiros que
            mais lhe agradam. Gosta de palavrõcs, escritos e falados. Escre-
            ve scu~ livros pela manhã. Fuma cigarros Selma (três maços por
            dia).  E inspector de ensino, trabalha no «Correio da  Manhã».
            Apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo. Só tem cinco
            ternos de roupa, estragados. Refaz seus romances várias vezes.
            Escreve à mão. Tem poucas dívidas.  Quando prefeito de  uma
            cidade do interior, soltava os presos para construirem estradas.
            Espera morrer com 57 anosde idade ...
              Morreu quatro anos depois do que esperava, aos 61. era 20
            de  Março de  1953.  Ainda foi  eleito presidente da  Associação
            Brasileira de  Escritores, em  1951. apesar do gosto pela aguar-
            dente, e ainda anles de se lhe declarar no pulmão a doença que
            talvez tivesse a ver com os seus três maços diários de cigarros.
            Do homem de aparência dura, que lá por dentro o não era, sem
            vocação para a felicidade, já podia o Departamento da Ordem
            Politica e Social inutilizar a ficha, de preso politico, que a sua
            sensibilidade amarga o fazia perigoso, vertia em seus livros a so-
            lidariedade para com os infelizes, que mal transparecia da .. acri-  .. Infância ..  (memórias, 1945), .. Insónia ..  (conlos.  1947), e, já a
            doce feição  .. de que falou Vinicius no admirável soneto que fez   título  póstumo,  .. Memórias  do  Cárcere»  (1953),  .. Viagem»
            à máscara mortuária de Graciliaflo.                (1954),  .. Linhas Tortas»  (crónicas,  1962),  .. Viventes  de  Ala-
                                                               goas»  (quadros e costumes do Nordeste,  1962), «Alexandre  e
                 .. Feito SÓ, sua máscara paterna              Outros Heróis» (literatura para a infância e juventude, 1962) e
                 Sua máscara tosca, de acridoce                .. Correspondência» (1981). Autor genuinamente brasileiro, ain-
                 Feição, sua máscara austerizou·se             da  que  defensor da  língua  portuguesa  como  expressão  única
                 Numa preclara decisão eterna.                 (como declarou da vez que passou em Lisboa, em 1952, a cami-
                                                               nho de Paris. onde ia assistir às comemorações dedicadas a Vltor
                 Feitosó, feito PÓ, desencantou-se             Hugo), Graciliano Ramos ultrapassa com a sua obra as frontei-
                 Nele o íntimo arcanjo, a chama interna        ras do  seu  pais,  reconhecido por todo o mundo como um  dos
                 Da paixão em que sempre se queimou            maiores e mais autênticos escritores brasileiros de sem pre.
                 Seu duro eorpo que ora ao longe inverna.         A temática do mar e dos marinheiros não está presenle na
                                                               obra de ficção de  Graci1iano; mas,  tratando-se de  um  escritor
                 Feito pé, feito pólen, feito fibra            .. indispensável», fomos buscá-la, ainda que por indirectoscami-
                 Feito pedra, feito oque é morto e vibra       nhos,  às suas «Memórias do Cárcere»:  recordação dos tempos
                 Sua máscara enxuta de homem forte             duros da prisão, documento poderoso de uma época para esque·
                                                               cer, e em que está patente a estatura moral de Graciliano, que
                 Isto revela em seu sil! ncio à escuta:        perante as situações mais revoltantes deixa transparecer sempre
                 Numa severa afirmação de luta                 a esperança e a coragem, nunca o ódio. As passagens que trans·
                 Uma impassível negação da morte ...           crevemos  dessa  obra  pungente,  são  inevitavelmente  dos  dias
                                                               passados a bordo do velho  .. Manaus», o «calhambeque  muito
              A negação da morte de Graciliano está na sua obra, reduzida   vagabundo», que em seu porâo transporta , como se fosse gado,
            masde uma apaixonante densidade. Escritacurta, directa, vigo-  a leva de presos, e entre eles um que Graciliano Ramos se cha-
            rosa.  Quatro  romances:  .. Caetés ..  (1933),  .. São  Bernardo ..   ma, e de quem o moleque do cais da Baía não vai ao menos levar
            (1934),  .. Angústia ..  (1936) e .. Vidas Secas ..  (1938). Seguem-se   o recado para que alguém saiba da sua miserável condiçâo.

           10
   79   80   81   82   83   84   85   86   87   88   89