Page 80 - Revista da Armada
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Antologia do Mar




                                 e dos Marinheiros




           Carlos Malheiro Dias                                               Pelo cap.·frag.  Crislóviio Moreira    •






                  arlos Malhciro Dias nasceu no Porto, cm 13dc Agosto
                  de  1875, e veio a morrer em Lisboa, a  19 de Outubro
                  de 1941, consagrado como um dos maiores cultores da
           C nossa  literatura hisloricista, de que deixou como mc-
           Ihores exemplos «Os Tclcsdc Albergaria» (1901), "A Paixão de
           Maria do Céu» (1902)  c  ,,0 Grande Cagliostro» ( 1905), obras
           cm que os ambientes históricos são reconstituídos com um rigor
           c precisão pouco comuns, c que emergem de muitas outras que
           publicou,  como  ... 0  Filho  das  Ervas»  (1900),  "A  Fábrica»  e
           .. Amor de Mulher», ou os livros doutrinários "Zona de Tufõcs»
           (1912) e «Exortação à Mocidade» (1937).
             Malhciro Dias cursou DireilO cm Coimbra, e frequen tou cm
           Lisboa o curso superior de Letras. A sua incursão na política (foi
           administrador do 2. Q  bairro do Porto, deputado regenerador por
           Viana do Castelo e por Vila Real), havia de interromper-se com
           o advento da  República, que o levou a exilar-se para o  Brasil ,
           onde aliás se haviam impresso as suas primeiras obras: «Cená-
           rios» (1895) e «A Mulata» (1896), este um romance naturalista.
           Antes de deixar Portugal, Carlos Malheiro Dias dera já provas
           no jornalismo, onde se notabilizou como director da «Ilustração
           Portuguesa» (no Rio de Janeiro fundaria depois uma revista fa-
           mosa, "O Cruzeiro»), e em várias páginas reunidas cm volume                     FOlodoSer~iço
           sob o título «Cartas de Lisboa». Também se dedicou ao teatro,                   de Documenloçõo
           escrevendo a peça em 5 actos «Corações de Todos» (1895). Mas                    do «Diár;o de Noticios»
           a notoriedade do escritor portuense ficou a dever-se principal-
           mente, como dissemos. à ficção histórica, tema cujo interesse,   Gabinete Português de Leitura do RiodeJaneito ficou, ofereCI-
           além dos romances já rderidos, o levou a lançar a monumental   da pelo escritor pouco antes da sua morte, uma grande parte da
           «História da Colonização Portuguesa no Brasil ... da qual a doen-  sua biblioteca.
           ça apenas o deixou publicar três volumes.             Na procura de um texto, na obra dc Carlos Malheiro Dias. de
             Carlos Malheiro Dias foi eleito para a Academia de Ciências   natu reza marítima, fomos encontrar para esta antologia, no li-
           em  1904, e seguidamente para o  Instituto de Coimbra e para a   vro «Em  Redor de  Um Grandc  Drama»,  um  trecho referente
           Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a vaga deixada por   ao iate «Amélia»: do seu gabi nete de trabalho, donde vêo Tejo,
           Eça de Queiroz. Membro fundador da Academia Portuguesa de   o escritor olha o navio, ancorado em frente do Te rreiro do Paço,
           História,  agraciado com várias ordens e condecorações nacio·   e evoca suas lembranças do velho iate, seu triste destino depois
           nais c estrangeiras, foi nomeado cm 1935 embaixador de Portu·   de ter sido protagonista das últimas horas da monarquia em Por-
           gal em Madrid, cargo de que já mio chegou  li tomar posse.  No   tugal.


           De <<EM  REDOR
               DE UM GRANDE DRAMA»

                                             piar no pequeno jardim, com a sI/a nespe-  elJOrme docel de flores murchas, o asstlssi-
           o IATE AMÉLIA                     reira  anã.  de  parque  japonis  abrigando   lIadode Fel'ereiro!
             Todas as manhãs,  ao abrir para o Sol   11m  cameiro  de  açucenas  e  IJardos,  que   Por defrás tios ferraços do mlligo palá·
           que  I/asce  as janelas  elo  //leu  gabinete  ele   e~aporam dos  cá/ices  camudos  os  seus   cio llo barão de Quime/a, O/Ide limor ins-
           trabalho,  os  meus  olhos  se  demOra/II  a   aromas  doces.  as ruazinhas empedradas   la/oll a ma corte marcial. a~isla-se o froll-
           contemplar o colorido cenário que se des-  de  basallO  e a sI/a  casca/a  encaslOada  de   tão do  Tea/ro da  República - aI/ligo D.
           dobra des(le o rio -onde a madf/lgada vai   búzios,  de  vieira.\',  cOl/chas e Cilramujos,   Améfia- edificado nos terrenos em (11Ie os
           acordando do sonho ela  110ite os vapores   qualltos basfidores e repregos no policro-  lluqlles (Ie  Bragança tiveram os seus paçO.f
           das  carreiras llo Seixal e de  Cacilhas ele·   mo cenário lealral,  de IIlIllfiplicadas pers-  citadinos  e  ollde o  velho  lIome  -já ~e­
           ~'alltal1do  sobre  as  águas  as  pálpebras   pecli~as, filIe envolve o horiZO/lfe 111UI! pa-  Iho.l- desaparece  pl/dicameme  I'elado
           brancas  das  I'e/as- até  (/Os  cômoros  do   norama de colosstl/ presépio afé tiOS COfll-  por lima larga tira de palio a qlle o sol e as
           Castelo de S.  Jorge.  onde as  brisas mati-  chéus brancos de S.  Viceme,  em cl/ja crip-  cllII~as de Ollze meses desbotllrtlm as cores
           /wis do OUIOIIO fazem palpitar o pano ver-  la dOrme,  já corrompido pela s{mie, sobre   dos barbaras triullfais da  Rel'o/lIção.  De·
           de e vermelho da /101'a bandeira sobre Un!   o carafa/co tle I'efudo negro.  110 seu sareó·   pois, em mais fongÍlull/O plallo, sobrepos-
           céu enel'oado, qlle ainda cOlIser~a as cOres   fagode rampo decrisral, qlleasemallaçôes   tas  aO.f  telhados  pombalinos  da  Baixa.
           azul e branca da bandeira alltiga. A princi·   cada~éricas embaciaram,  debaixo  de  11111   apOl/tam a.v (1lIas  IOrres da Sé: a da direila

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