Page 332 - Revista da Armada
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                                    o MARINHEIRO

                                                                             / ~


            A terceira viagem







                   a ducentésima nonagésima oitava noite, Sehe-  nito  ali  presente,  emudecendo  todos,  quando  uma
                   herazade contou a terceira viagem de Sind.bad   chusma enorme de seres incrivelmente feios,  baixio
            N Marinheiro.  pondo.  como  habitualmente,  na     nhos,  peludos,  de olhos  amarelos  em  rostos  muito
            boca deste a  própria narrativa. !lSabei - disse ele pata   negros, e soltando gritos agressivos, Iodeou e  princi-
            os convidados a  quem  descrevia as suas viagens -  piou a  invadir  o  barco,  parecendo dar ordens  que,
            Que  na  existência  deliciosa  que eu  levava  desde  o   todavia,  pela  arenga  estranha  que  linguajavam
            regresso da segunda viagem, acabei por me esquecer   ninguém conseguia perceber.
            dos males e  perigos passados, e  por me aborrecer da   Em número que fazia lembrar nuvens de gafanho-
            ociosidade em que  passava os  dias.  A  minha alma   tos, retiravam aos do barco toda a veleidade de defesa,
            desejou com ardor a vista de panoramas diferentes,   sequer de oposição aos seus intentos, pois ali o melhor
            e  eu próprio fui  tentado pelo amor do negócio e  dos   era ficar quieto,  não tugir nem mugir, atitude, aliás,
            lucros. Ora, é  sempre 8 ambição a  causa das nossas   em que a  prudência e  o  medo se fundiam. Os assal-
            infelicidades,lI                                    tantes, porém, como se não vissem obedecidos, nem
               Impelido por tais razões',  Sindbad proveu-se das   a gritos nem a invectivas, assenhorearam-se comple-
            mercadorias do pais. viajou para Baçorá, e aí embar-  tamente do barco: caçaram velas, manobraram O leme,
            cou em navio prestes a  largar, já com outros merca-  e dentro em pouco tinham o navio contra as costas da
            dores e  passageiros a  bordo. E, com a  bênção de Alá,   ilha, onde encalharam.
            fizeram-se de vela ao mar largo.                       Em permanente grito empurraram mercadores e
               O  negócio  decorria  muito  bem;  em  cada  porto   marinheiros todos para terra, deixaram-nos na praia
            visitado o espfrito refrescava-se com a  variedade de   e,  sem  mais  porquês  nem  para  quês,  voltaram  ao
            gentes  e  de  paisagens;  a  convivência  a  bordo  era   navio, que repuseram a  navegar, com ele desapare-
            excelente. Até que um dia, em plena derrota, já longe   cendo em breve no horizonte.
            da pátria muçulmana o capitão começou a dar murros     Perplexos, olhavam-se os da praia uns aos outros,
            na cabeça, a  puxar os pêlos da barba e a  lamentar-se   mas achando que nada adiantavam em ficar ali a ver
            com incontrolável angUstia. Perguntado pela razão de   o  mar,  resolveram  embrenhar·se terra dentro,  onde
            tão súbito sofrimento ele explicou: iiSabei, Ó passagei·   encontraram, por sorte, árvores de frutos e água fresca
            ros da paz, que ventos contrários nos afastaram da rota   com que animaram um pouco os corações, e sentiram
            que levávamos para o porto de destino, e nos atiraram   que  podiam,  pelo  menos,  retardar  a  morte,  que  se
            agora para esta ilha sinistra, donde ninguém jamais   augurava, nas circunstAncias, mais que certa. Cami-
            voltou depois de  nela ter arribadolll             nhada  alguma  distAncia,  descobriram,  de  sUbito,
               E ainda o som destas palavras ecoava no grupo ató-  enorme casa, um tanto estranha, pois era muito alta,

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