Page 116 - Revista da Armada
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Da consciência nacional
à credibilidade do Estado
s regimes políticos sào extremamente vulneráveis aos estatuto de força e a posição hierárquica de um Estado em
fenómenos sociais internos. Tal facto deve-se à influên- relação aos seus aliados.
o cia que as crenças, valores e tradições comuns a uma Entre os ganhos mais importantes destacamos a credibili-
sociedade, factores constitutivos da consciência nacional. têm dade. Com efeito, num mundo caracterizado pelo sofisticado
num dos componentes do poder· a vontade nacional. É esta a exercício da influência política e do poder, a credibilidade,
razão pela qual os modos de acção estratégica associados a dis- especialmente aquela que decorre da participação efectiva e
putas entre Estados sobre interesses connituais, recorrem, em responsável do Estado nas acções de defesa colectiva, é da
primeiro lugar, à coacção psicológica, destinada a influenciar maior importância para que disponha, não só de uma re-
num sentido desejável e a desacreditar ou desmoralizar os go- putação e imagem positivas, mas também da legitimidade
vernos antagónicos, determinados grupos no seu interior e a moral e política necessária à condução de uma política externa
opinião pública em geral. ajustada à defesa do interesse nacional.
Embora tenham sido as guerras de expressão marxista e de No caso concreto de Portugal a reputação e imagem positivas
descolonização a dar essência e modernidade aos modos de parecem essenciais para que o país se afim\e, de forma livre e
acção estratégica que assentam na coação psicológica, coube ao independente no âmbito dos principais processos políticos des-
facto nuclear a demonstração, definitiva e por absurdo, de que tinados a construir O futuro das organizações internacionais
a percepção da violência física nunca inibe a acção estratégica: que suportam a segurança europeia: a adaptação da NATO às
toma-a mais sofisticada, indirecta e menos exigente do ponto novas realidades mundiais e a Conferência Intergovernamental
de vista material; logo, mais fácil. mais frequente e acessível a da União Europeia (CIG-96). Relativamente à NATO, a re-
todos os actores do sistema político internacional. putação e imagem positivas contribuirão para que Portugal faça
Por isso, uma estratégia de defesa que persiga exclusiva- respeitar os seus interesses nas alterações doutrinárias e da
mente objectivos orientados para a salvaguarda ou consecução estrutura militar integrada, na consolidação da parceria para a
de uma posição de superioridade material, susceptível de dis- paz (Pfp) e no fomento das condições objectivas para o alarga-
suadir a guerra, assegurar uma vitória fácil, ou destruir as mento gradual. sem esquecer as forças-tarefa conjuntas e com-
forças adversas, não possui hoje a validade ou importância de binadas (CjTF), porque a NATO é uma aliança militar da qual
outros tempos. Na actualidade, as estratégias de defesa visam depende a segurança euro-atlãntica. No que se relaciona com a
também o fortalecimento da consciência nacional, que ao per- CIG-96, a reputação e imagem positivas serâo importantes para
mitir a prosecução lúcida, determinada e coesa do interesse na- que Portugal defenda o desenvolvimento da capacidade opera-
cional, contribui de forma decisiva para a consolidação das cional da UEO, sustentáculo de uma verdadeira Identidade
instituições que organizam a sociedade civil e regulam o exerci- Europeia de Segurança e Defesa (lESO), no quadro da UE e
cio do poder. Desta forma, os Estados reduzem as possibili- como o pilar europeu da NATO. Esta Iigaçào afigura-se indis-
dades de sucesso das contra- estratégias que, utilizando técni- pensável, não só para impedir um regresso .à política de poder,
cas de propaganda e doutrinação sobre temas criteriosamente que retirará a voz aos Estados menos potentes e anoJará a ver·
escolhidos, estimulando pacifismos, ou empreendendo acções tente atlãntica na politica externa da UE, mas também para
terroristas de intimidação, procurem conquistar uma sociedade manter o processo de decisão intergovernamental e preservar a
através da exploração de tensões socio-económicas ou de regra do consenso, eventualmente flexibilizada pelo mecanismo
paixões de natureza ideológica. da abstenção positiva, ne<:essário para que, em determinadaS
As estratégias de defesa não se esgotam, no entanto, no for- situações, se execute uma politica externa comum.
talecimento da consciência nacional, porque esta pode ser A legitimidade moral e política parece determinante para
desvalorizada por um avanço tecnológico ou surto ideológico e, que Portugal se possa afirmar, com individualidade própria,
por si SÓ, é insuficiente em caso de conflito armado; requerem na contrução política da Europa. Está associada ao facto de o
igualmente consideráveis esforços destinados a edificar e sus- país, como defensor dos direitos humanos, do respeito pelas
tentar os meios materiais de acção, que consubstanciam outro minorias, dos valores democráticos e da primazia do direito,
componente de poder - a capacidade nacional. São estes meios para manter uma postura coerente, não poder sentir-se indife-
que permitem o emprego directo da força, quer com o fim de rente às violações verificadas no primeiro grande conflito
proteger ou alcançar interesses específicos, quer tendo em vista europeu do pós II Guerra Mundial. Dai ser considerado que a
contribuir para as iniciativas de defesa de interesses comuns a intervenção da NATO, para além de legítima face ao Direito
diversos Estados. No contexto destes contributos situam-se as lnternacional, já que decorre de um pedido dos beligerantes
acções militares destinadas, por exemplo, a impor as normas do subscritores do acordo de Dayton, também é justa, não só
direito internacional, a apoiar a resolução pacifica dos conflitos, porque falharam todas as tentativas de solução política do
a promover a estabilidade regional, a fazer respeitar os direitos conflito, mas, sobretudo, porque as populações estavam
humanos, e a garantir a não proliferação de armamentos e o sujeitas a um tremendo sofrimento. Portugal, como membro
livre acesso a recursos naturais essenciais ao desenvolvimento fundador da NATO e tendo sempre afirmado que o papel da
económico de todos os Estados. Aliança é insubtituível na preservação da segurança euro-
Ultrapassada a ideia de defesa exclusivamente autónoma e atlântica, para preservar a credibilidade de Estado responsável,
assente num exercício sem condicionantes da soberania, os não poderia deixar de empenhar forças visíveis na primeira
Estados tendem a associar-se em organizações de defesa colecti- operação militar destinada a promover a paz e a estabilidade
va, que assentam a sua eficácia em sólidas e sustentadas no continente. O
relações de interdependência. Estas, caracterizam-se por co-
responsabilização do trabalho estratégico, do qual resulta, obvi- AII/dllio Silva Ribeiro
amente, uma partilha de ganhos e perdas, qualquer que seja o CTEN
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