Page 294 - Revista da Armada
P. 294

A Comunidade de Países



                        de Língua Portuguesa





          N     uma conversa acerca de infor-  advérbios sem  sentido e, sobretudo,  já  são conhecidas noutros casos (por
                mática  com  um  amigo  sem necessidade.
                                                                              razões que são diversas, mas que não
                                                                              vamos agora discutir)? .. e o Brasil? ..
                brasileiro,  falava-me  ele do
          dOCTJitw ou do Lvitw, que são arquivos   Por  tudo isto,  acho que  foi  óptima,  conta  com  quê? ..  com dólares? ...
          - e emendou  logo de seguida - ou  a criação de  uma  Comunidade dos  dólares que  terão sempre o cheiro da
          ficheiros  como vocês  ai  chamam  em  Países de Língua Portuguesa (CPLP).   esmola, e que serão recuperados com
          Portugal.  E eu gostei de lhe  respon-  Mas  sem  entrar  na  questão  da  juros de leão. Onde pode encontrar o
          der, como ele, confessada mente, gos-  própria  língua,  podemos olhar de  Brasil  uma  plataforma  de  pari-
          tou de ouvir:                     perto algumas vantagens que isso nos  dade? ...  E que o que quer a  Europa
           - Nós  aqui em  Portugal  falamos  pode trazer a  todos.  Peguemos no  dos portugueses?... Abre os braços a
          português (quase sempre), sabia?  exemplo imediato, motivo da conver-  este pequeno rectângulo ocidental
          Aqui  e  em  muitos  mais locais  por  sa  inicial, que tocava a homogeneiza-  por paixão repentina, ou porque aqui
          esse  mundo  fora,  aparte a  vossa  ter-  ção da  linguagem informática em  se fala  português:  uma língua  que se
          rível  tendência  para  transformar em  português, que obrigaria o mercado a  extende por Amca e pela América do
          verbos,  tudo quanto lhes  cheire a  trabalhar para  nós (desde o momento  Sul.
          uma  possibilidade  de  "acção";  em que acabemos com  essas con-
          "atachar", "printar", "salvar", "stres-  tendas  ridículas  do  arquiva  e  do   Não  meus amigos,  pode  parecer
          sar", etc., etc ..                ficheiro).                        um  lugar comum; aliás, é um  lugar
                                             Aliás, se  juntarmos os que falam  comum que toda  a  gente entende,
           Mas. é claro, isto  não chegou a ser  português e os que falam  espanhol  -  menos  alguns   engomados  e
          uma controvérsia. Foi  uma graça pro-  lendo em conta a facilidade com que  queirozianamente miupes. Quem não
          ferida  no  meio  de  uma  conversa  a linguagem escrita pode ser entendi-  vê  o que é que a  Europa espera que
          amigável, e aconteceu  porque qual-  da por uns e outros -, muito mais lar-  os  portugueses  façam,  e  o  que  a
          quer de nós tem a noção do que é ler  gos serão os horizontes onde uma  ou  África  de  língua  portuguesa  ainda
          Jorge  Amado,  José  Uns do  Rego,  outra língua  poderá ganhar um lugar  tem  esperança  de  que  sejamos
          Erico  Veríssimo, até José  Sarney,  de afirmação na cena internacional.   capazes de fazer. Mesmo o Brasil, ou
          reconhecendo que o que está  escrito,   E esta  é  somente uma  pequena  o  Prt"sidente  Fernando  Henrique
          está em português. Naturalmente que  pedra de um  puzzle em  que o Brasil  Cardoso - apesar de alguém ter suge-
          se  excluem  as  nuances de linguagem  deixa de ser o Brasil, na Comunidade  rido  que  vinha  pedir  contas  do
          localizada, aspectos quase dialectais  de Estados  Americanos,  mas  passa  a  Conv,ento  de Mafra  ou  do  Aqueduto
          que  têm  importância no contexto das  contar com cumplicidades (que, efec-  das  Aguas  Livres  (feitos com  O ouro
          histórias, e que aparecem  em  Jorge  tivamente, não sei até onde podem ir:  do Brasil, no tempo  de D.  João V)  -
          Amado, como em  Miguel Torga  ou  para  mim  estão  indefinidas)  de  sabe muito bem  que por aqui  pode
          Ferreira de Castro e, certamente, com  Portugal  e da sua  posição europeia  passar  o  caminho  para  "ile-de·
          muitos outros.  São  formas  tradi-  (?),  de Angola  e da  sua  estratégia  na   France", para  o Deutscher Bundestag
          cionais que se coseram com  os  senti-  Africa  ocidental e  austral  (?),  de  ou  para  Bruxelas.  E é isso que ele
          mentos que expressam e representam  Moçambique! da  sua  posição com-  quer,  porque  de  conventos  e
          a  diversidade  que  enriquece  a  plementar no Indico (?), enfim, de um  mosteiros viveram os frades, e, nal-
          própria  língua. O que quer dizer  potencial negocial estratégico comum  guns casos, os  reis,  mas  nunca  os
          "enfadado"? .. Só o ouvi dizer no sul  que, se não  formos  distraídos - como  presidentt"S.
          de  Portugal.  "Enfadado" é um  misto  parece constituir uma  espécie de
          de  aborrecido, desgraçado,  marcado  feitiço, que paira  por cima  de  todos   Para  todos nós, comuns lusófonos
          pelo destino, cansado, enfim, "amar-  que aprenderam a  falar esta  língua  de qualquer cor, emana uma estranha
          rado ao fado". É difícil definir o esta-  que todos amamos -,  pode ter um  paixão.  Um  sentimento  de  obra
          do de espIrito de quem está enfadado  peso substancial ou, pelo menos, bas-  comum vivendada com a intensidade
          sem  usar a  palavra.  Mas  noutros  tante acrescido.               dos calores  tropicais onde o  suor
          locais  haverá correspondentes, igual-                              escorre, às  vezes  por mal, mas  tam-
          mente expressivos, que são as singu-  Ingenuidades  poéticas,  podem  bém  por bem.  Diz-se  no  Brasil que
          laridades de um  universo chamado  dizê-Io!... pois que o digam! ... di-Io-á,  "'Deus fez  o mundo e português fez a
          língua portuguesa.                até, quem pode, mas esse mesmo não  mulata".  A  mulata  cantada  por
                                            deve esquecer-se, que  hoje  pode e  Vinícios  de  Morais,  que  o  poeta
           Mas  isto são  pormenores magnífi-  amanhã despode.                Castro  Alves  - militante  anti·
          cos da nossa língua, que se vão afun-  Que bons caminhos têm  os  países  esc1avagista do século XIX  - quis
          dando na  lama  dos  americanismos e  africanos para chegar à Europa ou ao  apontar como expressão da  muI tira·
          francesismos  (agora,  mesmo  em  Hemisfério  Norte? ...  múltiplos,  cialidade feita  em beleza, e que Jorge
          Portugal, são mais americanismos)  c1aroL ..  e em  qual deles  podem man-  Amado  várias  vezes  pintou  com
          onde as  palavras são barbaramente  ter a sua originalidade, sem  terem  palavras que  são carícias de amor
          tratadas  e  adaptadas  a  verbos,  e  que se sujeitar às subalternidades que  profundo.  Esta  mulata  dos poetas é


         4  SETEM8ROIOJT\J696 .  Rm$TAIMAlMAI».
   289   290   291   292   293   294   295   296   297   298   299