Page 295 - Revista da Armada
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           mulher e é ~gredo. É o nosso segre-  bravam dos "brancos que não tinham   o pranto de Yemanjá - a senhora de
           do comum.  E a  própria  língua  POT*  nojo de os beijar". Quem mo disse foi   todos  os oceanos - não se  ouve  no
           tuguesa que sobreviveu às boas e más  uma velha senhora na Guiné - altiva e  Brasil, ouve-se por todo o Atlãntico,
           acções,  e que se ergue como objecto  orgulhosa como  Fula  que era -,  uma  de Lisboa  a  Cabo  Verde e  à  foz  do
           da nossa paixão.                  verdadeira senhora,  por quem  pas-  Cunene,  em  Bissau, em  S.  Salvador
                                             saram  todas  as  crises  de  antes  e  da  Baía  e no  Rio de Janeiro; e depois
             E,  por isso,  julgo que é chegado o  depois  da  independência.  Amo-os,  propaga-se  pela savana, numa busca
           momento  de  colher  o  fruto,  cuja  naturalmente - como  não  consigo  urgente de outras águas, até  Pemba,
           semente  foi, de  facto,  lançada  pelos  amar o Brasil, porque não O conheço -  Moçambique,  Beira,  Xai -Xai  e
           portugueses, ao  longo de  muitos  ,  e  sem  querer o  colonialismo de  Maputo.  Porque Yemanjá ...  chora em
           séculos de maldades e de boas coisas.  volta,  não pude deixar  de  sentir a  português ....  em que  oulra  língua
           Coisas que têm quinhentos e tal anos,  presença  da  minha  cultura  em  cada  poderia ela  chorar? ..  Porque a  sua
           e  que  se  hoje  são  boas  coisas,  já  canto da  picada  (e  se eu andei  na  grande casa, só pode ser guardada, se
           foram,  entretanto,  maldades; ou se  picada!),  em cada curva do  rio, em  todos  nós,  que  falamos  português,
           hoje  são  maldades,  também  já  foram  cada tabanca, nas mangas que só lá se  tomarmos  consciência  de que essa
           boas coisas.  São  muitos anos,  para  conseguem  comer,  nos  limões  missão é nossa, e nos  lembrarmos de
           que nada sobre.  E é preciso reencon-  redondinhos  para  a  cafriela ,  nas  que ela não nos voltará a perdoar.
           trar o amor que sempre acompanha  ostras preparadas  pelos  Deuses, até
           as obras com esta dimensão.       nos comprimidos para o paludismo.   Este Atlãntico que  pode, ser a base
             Aconteceu, aconteceu!... Olho para                                da  nossa  força  e aquele Indico que
           vocês brasileiros e tenho pena que se   Ê assim  mesmo,  e  embora  haja  nos pode guardar O flanco, como uma
           tenham  americanizado  cultural-  quem  não  consiga  perceber  as  torre de  um jogo de Xadrez, esqueci-
           mente,  como  tenho  pena,  que,  nós  nuances desta  paixão, assolapada  por  da até quase ao final  da partida, mas
           portugu~ses,  tenhamos desdenhado  vergonha  histórica, mas  que  nos  une  que,  no  momento  próprio, estabelece
           aquela  Africa,  onde  há  quase seis  e  nos  faz  ferver  num carnal  desejo,  uma linha proibida ao senhor rei.
           século,s  já  se  falava  em português.  permanentemente insatisfeito,  per-
           Uma  Africa  onde voltei  quase  vinte  manentemente sofrido,  ...  sofrido até   E é  assim que  temos de pensar o
           anos depois da descolonização e onde  aos  mais  dolorosos  limites, que nos  nosso  futuro,  como  nunca  con-
           senti  que  as  pessoas,  depois  das  toldou o espírito e  a  alma  mas  que,  seguimos viver o nosso  passado, per-
           experiências  vividas, depois da  guer-  também,  só  nós,  todos  juntos, con-  dido nas  vielas contorcidas do desti-
           ra, depois de tudo, gostavam de mim  seguiremos chorar. E é de chorar que  no e do desatino.       O
           como eu gostava  delas.  Viviam  mal,  nós  precisamos!. ..  Chorar. ..  até que
           tinham grandes dificuldades, pediam  sequem  as  lág rimas que  nos  con-            J.  S~medo de Matos
           ajuda,  mas, sobretudo,  ainda se lem-  frangem o peito.                                     CTENFl


                                                                                  RMSTAOA .utM.\DA ·  SfTEM6RO/OUT1JU 091i  5
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