Page 15 - Revista da Armada
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Rumou-se ao Japão, a fim de participar no Festival da Espingarda,  Marinha, apoio à formação de desportistas náuticos (designada-
         na ilha de Tanegashima, onde se comemora todos os anos e chega-  mente os dos cursos de Patrão do Alto), embarque de jovens das
         da dos portugueses ao Império do Sol Nascente. Visitadas também,  escolas do Território em viagens de treino de mar, aos domingos...
         na altura, Kagoshima, Nagasaky e Omura.              Raras foram as semanas em que não houve missões programadas –
           O aprontamento do navio foi acelerado – e houve mesmo neces-  as quais foram aproveitadas para saídas em treino próprio.
         sidade de levar a bordo um intérprete, o mestre Valente, meu
         “braço direito” no Departamento de Actividades Marítimas da  Foram assim os primeiros tempos de vida da lorcha “MACAU”.
         Capitania dos Portos de Macau. Mas nem por isso a preparação da
         missão foi descurada. Desde logo se constituiu um Grupo de  Ainda sob meu comando efectuaram-se, sempre segundo o pa-
         Trabalho para as actividades da lorcha “Macau” (que “funcionava”  drão atrás descrito, viagens a Cantão, ao Japão e à Índia (com pas-
         mesmo!) e cuja tarefa era propor, organizar e acompanhar os pro-  sagem por Singapura, Malásia, Sri-Lanka, Tailândia, Vietname... ).
         gramas aprovados para o navio. Dele faziam parte representantes  Aventuras e desventuras, enrascanços e desenrascanços, dias mag-
         do Museu Marítimo, dos Serviços de Educação, do Turismo, da  níficos e rabos de tufões, amizades e amores, riscos, lágrimas de
         Economia, o Instituto Cultural de Macau e, mais tarde, da dele-  emoção e de saudade, provas de consideração... e de desconfiança,
         gação local da Comissão dos Descobrimentos. Assim, quando a lor-  momentos solenes e de puro divertimento, de tudo houve um
         cha se deslocava ao estrangeiro, constituía apenas a parte mais  pouco nestas viagens. Em Tanegashima sentimo-nos em casa; em
         “visível” de uma numerosa comitiva (que evidentemente se deslo-  Nagasaky ouvimos em nossa honra o hino nacional, cantado em
         cava de avião). O “programa tipo” integrava exposições, conferên-  português, por um coro de dezenas de figuras; em Taiwan, um
         cias, uma semana de gastronomia portuguesa e macaense num  pedido de arribada para fugir a um tufão que se aproximava
         grande hotel local e espectácu-                                                perigosamente, só foi atendido
         los pelo Rancho Folclórico de                                                  quase vinte e quatro horas
         Macau ou por grupos de alunos                                                  depois (enquanto o mar ia cres-
         dos estabelecimentos de ensino                                                 cendo assustadoramente); em
         do Território. Estas viagens                                                   Bombaim fomos recebidos de-
         pressupunham uma progra-                                                       baixo do arco triunfal das Por-
         mação cuidada, que implicava                                                   tas da Índia pela marinha india-
         normalmente a deslocação                                                       na e pelo presidente da Câma-
         prévia aos locais por parte de                                                 ra; em Singapura obrigaram-
         alguns dos membros do                                                          -nos a pagar o gasóleo “cash
         “Grupo de Trabalho”. É claro                                                   and in advance” “borrifando-
         que isto implicava despesas –                                                  -se” completamente nos nossos
         Mas, mais tarde, os resultados                                                 protestos de que a lorcha era
         obtidos encarregavam-se de as                                                  um “Portuguese Navy Ship”;
         justificar amplamente. Também                                                  em Malaca, onde uma pequena
         neste particular é oportuno                                                    comunidade fala uma espécie
         recordar um pormenor rele-                                                     de português arcaico e se orgu-
         vante: é que todos os custos da                                                lha da sua ascendência lusitana,
         missão – lorcha incluída – eram  Cerimónia de entrega da Lorcha à APORVELA.    vimos um rancho folclórico
         partilhados pelas entidades ofi-                                               dançando o vira e o malhão; em
         ciais participantes (Educação, Turismo, etc.) e não apenas pelos  Goa desembarcámos sob uma chuva de flores e cantaram-nos o
         Serviços de Marinha. Óbvio, não é verdade?           fado; em Cantão teimaram em que o navio deveria içar a bandeira
           Finda a viagem inaugural, houve que corrigir alguns por-  chinesa de cortesia; em Danang, ficámos uma semana retidos pelo
         menores no navio e ganhar uma rotina de vida diária e de activi-  mau tempo... e percebemos porque custou tanto a tantos ameri-
         dade operacional em Macau.                           canos deixarem aquele país... ; no estreito de Malaca escondemos
           A principal avaria que se registou foi num dos telecomandos dos  valores e dinheiro com receio do assalto de piratas; em Damão,
         motores principais, o que obrigou a dar ordens por “porta-voz”  depois de uma noite memorável de confraternização a bordo, com
         para a ponte baixa, donde era possível comandar o motor em  a lorcha fundeada no rio Sandalcal, sob um luar indescritível, não
         causa. Nada de complicado no assunto... excepto uma vez, já em  contivemos a emoção ao ver partir os nossos anfitriões cantando
         Macau, em pleno canal do Porto Interior, em que o “homem da  toda a saudade que lhes ia na alma... De todos estes contactos
         ponte-baixa” entendeu a voz de “pára a máquina” como ordem  ficaram o testemunho do grande capital de consideração que
         para desligar o motor...                             Portugal goza no Extremo Oriente, um enorme orgulho no nosso
           Já nessa altura, e durante cerca de dezoito meses, a primeira hora  passado, amizades sólidas por onde se passou e com quem se tra-
         e meia de cada dia de serviço era dedicada à aprendizagem da lin-  balhou e, finalmente, uma indestrutível ligação com a guarnição de
         guagem: português e cantonense. Professores e alunos éramos nós  lorcha “MACAU”.
         todos, sentados em redor da mesa do refeitório. O inglês era a lín-  Em 1998, a lorcha veio para Portugal, a fim de participar na
         gua comum, partilhada por mim e pelo A Chun, o nosso mari-  EXPO.
         nheiro “electrónico”, que nos permitia orientar a “classe”.  Esgotadas as razões que justificaram  a classificação do navio
           O rancho, constituído logo que o navio arrancou, foi evoluindo  como Unidade Auxiliar e deixando de estar ao serviço do Governo
         do peixe cozido... com arroz, para uma mesa farta e de excelente  de Macau, foi decidido superiormente o seu abate.
         qualidade, com sopa, um prato ocidental e dois ou três pratos chi-  A APORVELA, em boa hora manifestou interesse no concurso
         neses por refeição – combinação da boa gestão financeira e das  do navio para treino de mar dos seus associados. Em 1 de Outubro
         artes culinárias do Mestre Lúcio com a qualidade e vontade de  do passado ano procedeu-se à cerimónia de oferta com todo o seu
         aprender de A Keong, o cozinheiro. A refeição era comum, no  equipamento àquela associação, abrindo-se assim um novo capítu-
         refeitório, excepto quando havia convidados para a Câmara de  lo na sua vida.
         Oficiais. Enquanto internamente, vivendo, convivendo e trabalhan-  Para ela, para a APORVELA e para o velho amigo Zé Inácio, seu
         do em conjunto, se iam retratando, de certo modo, as etapas de  novo comandante – boa sorte... e bons ventos!!
         adaptação que os nossos antepassados portugueses e chineses per-
         correram, trabalho operacional não faltava: apoio à Escola de                               Rui M. Sá Leal
         Pilotagem de Macau na formação dos quadros dos Serviços de                                          CMG
                                                                                       REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 99  13
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