Page 152 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO-DIA
Escola Naval
Escola Naval
– “Alma Mater”?
– “Alma Mater”?
ma questão que se coloca hoje, turalmente diferenciada, identificada caz sistema de Defesa e Segurança em
talvez como nunca durante os com a natureza e as aspirações do que cada um dos subsistemas seja sufi-
Uúltimos dois séculos, à Mari- País, preparada para cumprir os seus cientemente forte para não quebrar o
nha, às Forças Armadas e ao País, re- grandes objectivos. A Nação lucrou conjunto e suficientemente aberto para
fere-se à Escola Naval, ao papel que obviamente com a acção individual e aceitar e tornar eficaz o enlace de
tem desempenhado e àquele que deve colectiva de tal comunidade. A afirma- todos. Assim, as tendências estratégi-
ser o seu futuro no contexto do grupo ção da necessidade de formação inte- cas modernas, aliás sobretudo opera-
onde se insere e exerce: a Marinha de gral e específica dos chefes militares cionais e menos genéticas, não vêm, de
Portugal. Terá sido, será, deverá conti- por um lado e a consolidação de con- forma alguma, prejudicar a necessi-
nuar a ser a Escola Naval a “Alma ceitos de acção estratégica diferencia- dade de Portugal, Nação marítima por
Mater” da Marinha? dos para os diversos ambientes, mar, excelência que foi, é, e deve continuar
Da expressão Alma Mater, como de terra e mais tarde, o ar, por outro, a ser, continuar a manter e a desen-
muitas outras, tem o tempo matizado vieram confirmar a vantagem da cha- volver uma cultura naval no seio das
e enriquecido o significado. De mãe mada Cultura Naval e das instituições suas Forças Armadas, como meio de
criadora, do latim comum, passou, na que lhe têm dado corpo e expressão. fortalecer este sector indispensável à
linguagem dos poetas, a abranger A arte e a ciência militares necessi- sobrevivência da identidade Nacional.
todas as mães e a significar a Pátria a tam, para serem exercidas, de homens E voltamos à Escola Naval. Admi-
que, com alguma falta de lógica, os e máquinas. Hoje como ontem, talvez tindo que qualquer Escola, civil ou
povos filhos de Roma não chamaram em proporção numérica evolutiva, militar, desde que disponha de meios
“Mátria”. De qualquer modo, o signifi- mas sempre de máquinas e homens. materiais e humanos adequados,
cado poético latino de Alma Mater Ambos, como se tem demonstrado, possa fornecer a formação técnica e
acrescentou ao utilitarismo da expres- requerem paradigmas e caracteres físi- científica, talvez até ética e militar aos
são algo de espiritual que, transcen- cos em muito comuns mas igualmente futuros oficiais da Armada, restaria no
dendo a simples designação da relação diversos consoante o meio onde entanto o “espírito”. Restaria a agluti-
ou objecto, lhe conferiu um conceito exercem. Esta diferenciação física nação dos sonhos, interesses e para-
de valor aglutinador e diferenciador. torna igualmente vantajoso, mesmo digmas que decorrem e respondem à
A Pátria transporta um valor espiri- indispensável, que os homens ad- especificidade do mar, das platafor-
tual que, por comum e específico, quiram, à partida e na continuidade mas e dos sistemas navais; restaria a
identifica e diferencia. Breve o signifi- da sua formação, mentalidades, psi- linguagem, o entendimento no planea-
cado figurativo da expressão abarcou cologias, conhecimentos técnicos e mento e na acção. Faltaria a cultura
aquilo que mais importa para a identi- filosofias adequadas à sua condição naval enfim! Só a Escola Naval pode
ficação e diferenciação da Pátria: A militar e, por outro lado, adaptadas ao responder pelo espírito marinheiro.
fonte da sua cultura. Alma Mater pas- meio físico, à especificidade do mate- Se Coimbra, talvez não tanto como
sou, em várias línguas e sempre na sua rial e dos sistemas que operam em Sagres, nos ajudou a identificar, dife-
forma latina, a significar aquilo que acção. renciar e afirmar como Nação-Povo
contribui para a formação do espírito Quer isto dizer que estão errados os que activamente tem participado na
do grupo diferenciado. É assim que as modernos conceitos de Defesa e Segu- construção da Europa e do Mundo, a
grandes universidades europeias, fun- rança que implicam a integração e co- Escola Naval e o seu espírito, criado
dadas em épocas de aglutinação e afir- operação civil-militar, a interoperabili- por sucessivas gerações dos seus
mação de povos nascidos do tronco dade de sistemas ou a operação con- mestres e alunos e pela interacção per-
comum greco-latino, constituindo-se junta inter-armas? De forma nenhuma. manente com a própria Marinha e o
pólos de consolidação e desenvolvi- A participação coligada de toda a Mar, tem sido o melhor instrumento
mento de novas culturas, são eleitas sociedade, a operação conjunta dos para identificar, diferenciar, afirmar os
Alma Mater nacionais. Coimbra tem Ramos, a troca de experiências e de co- marinheiros de Portugal, agentes
sido considerada a Alma Mater da nhecimentos, o encontro de escalas estruturantes do carácter da Nação.
Nação Portuguesa. organizacionais e operacionais viáveis É que de facto, a Escola Naval é de
Do que foi a Escola Naval, não são, hoje, indispensáveis à concretiza- há muito e deverá continuar a ser a
restam dúvidas. Para além da função ção do direito dos cidadãos à Defesa e “Alma Mater” da Marinha de Por-
utilitarista que terá presidido à sua Segurança nacionais. Mas esses con- tugal, repositório e fonte do seu espíri-
fundação nos finais do século XVIII e ceitos só serão realizáveis e eficazes se to, do seu modo de servir, da sua cul-
que se traduzia na formação científica cada um dos intervenientes estiver tura de valores sempre identificados
e técnica dos homens a quem a Nação preparado para a sua especificidade com os da Nação.
entregava a sua soberania do Mar, a em favor da actuação do conjunto.
Escola aglutinou esses homens, foi Ninguém pode dar o que não tem ou
determinante para a consolidação de ensinar o que não sabe. Trata-se hoje, Américo da Silva Santos
uma comunidade profissional e cul- portanto, de construir um grande e efi- CALM
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