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PONTO AO MEIO-DIA





                                          Escola Naval
                                          Escola Naval

                                      – “Alma Mater”?
                                       – “Alma Mater”?



                 ma questão que se coloca hoje,  turalmente diferenciada, identificada  caz sistema de Defesa e Segurança em
                 talvez como nunca durante os  com a natureza e as aspirações do  que cada um dos subsistemas seja sufi-
          Uúltimos dois séculos, à Mari-     País, preparada para cumprir os seus  cientemente forte para não quebrar o
          nha, às Forças Armadas e ao País, re-  grandes objectivos. A Nação lucrou  conjunto e suficientemente aberto para
          fere-se à Escola Naval, ao papel que  obviamente com a acção individual e  aceitar e tornar eficaz o enlace de
          tem desempenhado e àquele que deve  colectiva de tal comunidade. A afirma-  todos. Assim, as tendências estratégi-
          ser o seu futuro no contexto do grupo  ção da necessidade de formação inte-  cas modernas, aliás sobretudo opera-
          onde se  insere e exerce: a Marinha de  gral e específica dos chefes militares  cionais e menos genéticas, não vêm, de
          Portugal. Terá sido, será, deverá conti-  por um lado e a consolidação de con-  forma alguma, prejudicar a necessi-
          nuar a ser a Escola Naval a “Alma  ceitos de acção estratégica diferencia-  dade de Portugal, Nação marítima por
          Mater” da Marinha?                 dos para os diversos ambientes, mar,  excelência que foi, é, e deve continuar
            Da expressão Alma Mater, como de  terra e mais tarde, o ar, por outro,  a ser, continuar a manter e a desen-
          muitas outras, tem o tempo matizado  vieram confirmar a vantagem da  cha-  volver uma cultura naval no seio das
          e enriquecido o significado. De mãe  mada Cultura Naval e das instituições  suas Forças Armadas, como meio de
          criadora, do latim comum, passou, na  que lhe têm dado corpo e expressão.  fortalecer este sector indispensável à
          linguagem dos poetas, a abranger    A arte e a ciência militares necessi-  sobrevivência da identidade Nacional.
          todas as mães e a significar a Pátria a  tam, para serem exercidas, de homens  E voltamos à Escola Naval. Admi-
          que, com alguma falta de lógica, os  e máquinas. Hoje como ontem, talvez  tindo que qualquer Escola, civil ou
          povos filhos de Roma não chamaram  em proporção numérica evolutiva,  militar, desde que disponha de meios
          “Mátria”. De qualquer modo, o signifi-  mas sempre de máquinas e homens.  materiais e humanos adequados,
          cado poético latino de Alma Mater  Ambos, como se tem demonstrado,   possa fornecer a formação técnica e
          acrescentou ao utilitarismo da expres-  requerem paradigmas e caracteres físi-  científica, talvez até ética e militar aos
          são algo de espiritual que, transcen-  cos em muito comuns mas igualmente  futuros oficiais da Armada, restaria no
          dendo a simples designação da relação  diversos consoante o meio onde  entanto o “espírito”. Restaria a agluti-
          ou objecto, lhe conferiu um conceito  exercem. Esta diferenciação física  nação dos sonhos, interesses e para-
          de valor aglutinador e diferenciador.  torna igualmente vantajoso, mesmo  digmas  que decorrem e respondem à
          A Pátria transporta um valor espiri-  indispensável, que os homens ad-  especificidade do mar, das platafor-
          tual que, por comum e específico,  quiram, à partida e na continuidade  mas e dos sistemas navais; restaria a
          identifica e diferencia. Breve o signifi-  da sua formação, mentalidades, psi-  linguagem, o entendimento no planea-
          cado figurativo da expressão abarcou  cologias, conhecimentos técnicos e  mento e na acção. Faltaria a cultura
          aquilo que mais importa para a identi-  filosofias adequadas à sua condição  naval enfim! Só a Escola Naval pode
          ficação e diferenciação da Pátria: A  militar e, por outro lado, adaptadas ao  responder pelo espírito marinheiro.
          fonte da sua cultura. Alma Mater pas-  meio físico, à especificidade do mate-  Se Coimbra, talvez não tanto como
          sou, em várias línguas e sempre na sua  rial e dos sistemas que operam em  Sagres, nos ajudou a identificar, dife-
          forma latina, a significar aquilo que  acção.                        renciar e afirmar como Nação-Povo
          contribui para a formação do espírito  Quer isto dizer que estão errados os  que activamente tem participado na
          do grupo diferenciado. É assim que as  modernos conceitos de Defesa e Segu-  construção da Europa e do Mundo, a
          grandes universidades europeias, fun-  rança que implicam a integração e co-  Escola Naval e o seu espírito, criado
          dadas em épocas de aglutinação e afir-  operação civil-militar, a interoperabili-  por sucessivas gerações dos seus
          mação de povos nascidos do tronco  dade de sistemas ou a operação con-  mestres e alunos e pela interacção per-
          comum greco-latino, constituindo-se  junta inter-armas? De forma nenhuma.  manente com a própria Marinha e o
          pólos de consolidação e desenvolvi-  A participação coligada de toda a  Mar, tem sido o melhor instrumento
          mento de novas culturas, são eleitas  sociedade, a operação conjunta dos  para identificar, diferenciar, afirmar os
          Alma Mater nacionais. Coimbra tem  Ramos, a troca de experiências e de co-  marinheiros de Portugal, agentes
          sido considerada a Alma Mater da   nhecimentos, o encontro de escalas  estruturantes do carácter da Nação.
          Nação Portuguesa.                  organizacionais e operacionais viáveis  É que de facto, a Escola Naval é de
            Do que foi a Escola Naval, não   são, hoje, indispensáveis à concretiza-  há muito e deverá continuar a ser a
          restam dúvidas. Para além da função  ção do direito dos cidadãos à Defesa e  “Alma Mater” da Marinha de Por-
          utilitarista que terá presidido à sua  Segurança nacionais. Mas esses con-  tugal, repositório e fonte do seu espíri-
          fundação nos finais do século XVIII e  ceitos só serão realizáveis e eficazes se  to, do seu modo de servir, da sua cul-
          que se traduzia na formação científica  cada um dos intervenientes estiver  tura de valores sempre identificados
          e técnica dos homens a quem a Nação  preparado para a sua especificidade  com os da Nação.
          entregava a sua soberania do Mar, a  em favor da actuação do conjunto.
          Escola aglutinou esses homens, foi  Ninguém pode dar o que não tem ou
          determinante para a consolidação de  ensinar o que não sabe. Trata-se hoje,        Américo da Silva Santos
          uma comunidade profissional e cul-  portanto, de construir um grande e efi-                      CALM

                                                                                          REVISTA DA ARMADA • MAIO 99  5
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