Page 249 - Revista da Armada
P. 249
BIBLIOGRAFIA
Almirante Sarmento Rodrigues
Testemunhos e inéditos no centenário do seu nascimento
m livro que não podia deixar de ser escrito. Rogério de Oliveira escreveu no prefácio: “Disse
USarmento Rodrigues não foi de facto um homem um famoso filósofo e escritor que Deus destinou aos
vulgar, um oficial de craveira mais ou menos, um ser Portugueses um recanto do Mundo para nascer, mas
como qualquer outro deste planeta. De porte que não deu-lhes o Mundo Inteiro para morrer, assim sinteti-
devia nada, nem à altura, nem à pose, nem à pre- zando a vocação universalista do Povo Português.
sunção, Sarmento Rodrigues era como aparece na Manuel Maria Sarmento Rodrigues confirmou e sim-
capa do livro – até nisto o livro foi feliz – um homem bolizou pela sua vida esta idiossincrasia lusitana”.
sóbrio, chapéu mole, desportivo, blusão, colarinho Nos caminhos da vida em que das pedregosas ter-
desapertado e “pull-over”, se necessário, botifarras, ras do Transmontano desceu ao mar, aí se fez gente,
tirando apontamentos. Um dia, chegando a Cabo Gente com G grande, e como Gente compreendeu
Verde em viagem presidencial onde figurava como o que poderia ter sido o Ultramar, e ajudou a vários
ministro, abeirou-se de mim e perguntou-me: “onde é níveis altos e muito altos a construir essa hipótese,
que se pode tomar um banho de mar? (Já levava o infelizmente efémera, e por tais “crimes” sofreu
calção debaixo do braço). Isto não impedia que, prisão, todavia, “Grande renovador da política ultra-
noutras circunstâncias, se fizesse fotografar, para efeitos marina” chamou-lhe Álvaro da Silva Tavares, “Um
de representação, em trajo de cerimónia, com todas as condecorações. dos portugueses mais ilustres deste século” disse dele António de
Mas voltemos ao livro, porque falando dele, livro, falaremos do Almeida Santos, “Um Ome Grande” como o invoca Ário de
homem, ou o que dele outros disseram. São, contas redondas, 400 Azevedo, “Chefe que fez Escola” como afirma Carlos Bessa, a sua
páginas. Deve-se a edição conjunta da Academia de Marinha e da passagem pela Revista Militar, pelos governo da Guiné, de
Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, terra de naturalidade Moçambique, pela responsabilidade maior de Ministro do Ultramar,
de Sarmento Rodrigues. Patrocinaram o, (então) Governador de conferem-lhe currículo onde a responsabilidade andou sempre de par
Macau e o (ainda) Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada. com a lhaneza, a capacidade sem desfalecimentos, a ousadia, o valor
Apoios da Caixa Geral de Depósitos e do Banco Espírito Santo. das obras praticadas.
Outros agradecimentos abrangem familiares, sobretudo Dr.ª Ana Na Marinha a sua obra não foi menor nem de menor projecção.
Maria nascida Junqueiro Sarmento e acrescentando depois Cavaleiro Para muitos oficiais, (onde eu me incluo) ele foi o único comandante
de Ferreira, Escola Naval, Biblioteca Central de Marinha, fotógrafos em que a convivência da câmara (nem se fechava nem se refugiava
Reinaldo de Carvalho e Mário Nobre Aleixo, e – “the last but not the na sua camarinha) não só não limitava, como aumentava ainda o
least”, “à iniciativa e ao entusiasmo do Professor Doutor Veríssimo respeito com que por todos era olhado. E isto não é qualquer um que
Serrão, que com todo o seu saber e experiência superintendeu à sua o consegue.
coordenação, e orientou os trabalhos de preparação e de acabamen- Enfim, ler o livro do Almirante Sarmento Rodrigues é ficar a co-
to, para o que contou com todo o empenho e colaboração do Coro- nhecer o homem que pode ser o paradigma de muitos.
nel Piloto Aviador Amadeu Ferreira, do Coronel Médico da Força Aé- Alfa e Ómega, a Academia de Marinha, que agora lhe presta tão
rea Ernesto José Madeira e do Capitão-de-Mar-e-Guerra José Cyrne de significativa homenagem, foi ele que a fundou. Só se prestigia com
Castro e ainda do Vice-Almirante António Cavaleiro de Ferreira que isso. Andamos às vezes tão embevecidos a contemplar a própria som-
promoveu a obtenção, recolha e selecção de vasta documentação”. bra, que nem temos olhos para admirar a luz que doutros irradia.
“Um Toque no Preconceito”
Senhor Colbert Demaria Boiteux frequentou a Escola Naval Brasi- que toca de perto o biográfico. São as velhas lutas (mais íntimas que físi-
Oleira nos mesmos anos em que nós próprios frequentámos a cas) também por isso mesmo mais dramáticas, do preto saído da escra-
Escola Naval Portuguesa. Depois, formou-se ainda em Engenharia vatura acabada de abolir para uma vida de liberdade sem sentido nem
Civil e Electrónica, donde saiu engenheiro. Professor de várias Univer- proveito, no caminho de um futuro cheio de dúvidas, de angústias, de
sidades no Brasil, acabou de publicar um livro a que deu o título “Um desilusões, de aprendizagem de todos: dos pretos e dos brancos.
Toque no Preconceito”. Vivendo-se, como se vive ainda hoje, num mundo onde se crê que
Antes dissertara em livrinho mais pequeno sobre os Descobrimentos basta correr de África com velhos (e úteis) colonos, para distribuir as
Portugueses, com a abordagem feliz de tocar no que fazendas deles pelos africanos campestres, julgando-se
houve de essencial nesse feito de nossos antanhos. E em com isso que assim se resolvem os problemas dos
referência bibliográfica feita nesta Revista, não deixámos “Sem Terra”, e da riqueza do país, como duvidar que
de mencionar o que achámos de meritório nas páginas há cem, ou cento e tal anos, não haveria problemas
dedicadas a tema que nos é, naturalmente, muito queri- semelhantes no Brasil?
do. “Um Toque no Preconceito” é escrito com outra di- Da história em si, só lendo: bem feita, bem entre-
mensão; não vai apenas ao fundo histórico; é, aliás, uma meada, bem urdida, como pano de boa fibra e de
história mais ou menos disfarçada sobre tema que a nós, bom fabrico. Também não se sabe bem até ao fim se o
portugueses, sempre tocou por perto, mas que nunca “toque” no “preconceito” é pela positiva, se pela nega-
vimos tão delicadamente tratada: o racismo. tiva. Parabéns caro camarada Boiteux! A Revista da
Colbert Boiteux arranja outros nomes, que são nomes Armada fica-lhe grato pelo exemplar que nos ofere-
franceses, (talvez melhor, suíços), porém, a sua filiação ceu, e fica enriquecendo a nossa Biblioteca. Eu, tam-
dum Almirante de nome francês – o Almirante Lucas bém. Escreva mais!
Boiteux –, e o desenvolvimento da história (estória, em Sousa Machado
brasileiro) não deixa muitas dúvidas de ser romance CMG REF
REVISTA DA ARMADA • JULHO 2000 31