Page 253 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
Património Cultural da Marinha
Peças para Recordar
18. OSEXTANTE DE HORIZONTE ARTIFICIAL DO ALMIRANTE GAGO COUTINHO
Entre as criações científicas portuguesas do século XX, uma das mais notáveis terá sido o sistema de
navegação aérea concebido e concretizado pelos comandantes Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Um
sistema integral, abrangendo os métodos inéditos de cálculo e pré-cálculo e os meios específicos para a
resolução da navegação estimada e astronómica. Dois instrumentos fundamentais integraram este con-
junto: o Corrector de Rumos e o Sextante de Horizonte Artificial.
Este sextante resultou de uma adaptação do clássico sextante de marinha, realizada em 1919 pelo
então CMG Gago Coutinho, mediante a aplicação de um nível de bolha de ar e de um espelho auxiliar
para reflectir a imagem da bolha. Este dispositivo permitia assim definir um plano horizontal, à semelhan-
ça da prática com nível de pedreiro. A adequada justaposição da imagem de um astro com a bolha do ní-
vel equivalia ao clássico trabalho de colocar a imagem do astro sobre o horizonte de mar visível, determi-
nando assim a altura observada do astro. Gago Coutinho desen-
volveu inicialmente este trabalho com vista à navegação marítima,
nas situações de horizonte de mar não visível, de dia ou de noite.
Aconteceu que nesse ano de 1919 o Comandante Sacadura
Cabral tomou a iniciativa de planear uma viagem aérea ligando
Lisboa ao Rio de Janeiro, por ocasião do centenário da indepen-
dência do país irmão, em 1922. Tal ideia implicou desenvolvidos
estudos técnicos e logísticos relativos às rotas, tipo de avião e
métodos de navegação. E foi neste contexto que decidiu convidar
o Comandante Gago Coutinho, seu ex-chefe nas missões geo-
désicas em África, para colaborar nesses estudos, incluindo a fina-
lização e aperfeiçoamento do sextante de horizonte artificial, ele-
mento indispensável para a navegação astronómica aérea.
Na mesma época existiam já dois modelos ingleses e um
americano de horizonte artificial, tentativamente utilizados em
navegação aérea, não muito bem aceites pelos navegadores. O
sistema de Gago Coutinho trouxe, porém, uma inovação genial, CN = ON’
que facilitou grandemente a prática das observações e melhorou
o rigor das leituras. Essa inovação consistiu em utilizar um nível cujo raio de curvatura era exacta-
mente igual à distância entre o olho do observador e a imagem virtual da bolha no espelho auxiliar.
Desta simples subtileza geométrica resultava que as oscilações angulares do sextante devidas à instabi-
lidade do navio (ou avião) eram iguais às deslocações angulares da bolha. A leitura da altura do astro
não era afectada por essas oscilações, desde que se mantivesse a respectiva imagem coincidente com
a bolha, sem sujeição a qualquer outra referência fixa, como era o caso dos modelos estrangeiros.
O modelo Gago Coutinho permitia também efectuar observações sobre horizonte de mar, o que o
autor recomendava, sempre que possível. A partir de centenas de observações com horizonte artificial,
em terra e em voo, Gago Coutinho determinou o erro médio de ±10` para uma leitura isolada, e ±3`para
a média de 7 leituras consecutivas. Por isso o seu autor lhe chamou “astrolábio de precisão”.
A firma alemã Plath produziu em série, com a anuência graciosa de Gago Coutinho, um modelo
baseado naquele original, no qual foram introduzidos pequenos ajustamentos propostos pelo Capitão
Navegador Jorge de Castilho, designadamente a mudança da pega do lado direito para o esquerdo e a
melhoria da iluminação da escala e da bolha.
O sextante original utilizado por Gago Coutinho nos voos históricos com Sacadura Cabral em 1921 de
Lisboa ao Funchal e em 1922 na 1ª Travessia Aérea do Atlântico Sul, é hoje uma das mais valiosas relíquias
do nosso Museu de Marinha, estando em exposição juntamente com o Corrector de Rumos, próximo do
hidroavião Santa Cruz, que finalizou a histórica Travessia Aérea.
Museu de Marinha
(Texto – Com. A. J. Silva Soares,
te
Aviador Naval)