Page 258 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO-DIA
Livro Branco de Defesa Nacional
Novas-Velhas Missões
assamos a vida a dizer que manter, independentemente da nunca para a Marinha. O recente
temos que nos adaptar ao evolução dos tempos e das vontades. comando português da força da
Pmundo novo, mas, na prática, a Alguns exemplos: A integridade do NATO no Mediterrâneo, na sua
nossa maneira de pensar e de sentir território nacional e a defesa da Pátria natureza em nada diferiu das missões
não consegue evoluir de modo a continuarão a ser, para cada Estado, navais portuguesas no Mediterrâneo,
aceitar aquilo que a nossa própria um objectivo permanente e vital. quer quando integrámos a força multi-
razão diz ser imperioso mudar. E os Porém, perante a situação geopolítica nacional convocada pelo Papa quer
estudos prospectivos, muito impor- que vivemos e a evolução que quando, durante dois anos, o Marquês
tantes, muito teóricos e muito empreendemos, este objectivo perma- de Niza apoiou o nosso aliado inglês;
urgentes, sucedem-se e amontoam-se nente e vital está a ter, nos estudos a acção actual das fragatas em Timor,
nas gavetas sem nunca atingirem a divulgados ou em elaboração, mais na sua natureza, muito pouco difere
fase da concretização. Sabemos que o baixa prioridade do que muitos objec- da missão da canhoneira Pátria em
mundo está a mudar mas continua- tivos actuais definidos pela transfor- 1912, quer no aspecto de segurança
mos a apreciar apenas o mundo que mação em curso. Há quem proponha contra incursões externas ou coman-
vemos da janela do nosso quarto. em França, e quem vá atrás da mesma dadas do exterior, quer no apoio às
Terminada a Guerra Fria e os efeitos ideia em Portugal, que a defesa terri- populações; a missão naval de carácter
da bipolarização política por esse torial poderá ser entregue à humanitário na Guiné, em 1998, ou a
mundo fora, têm vindo a cair as refe- Gendarmerie ou à Guarda Nacional que anteriormente esteve preparada
rências demagógicas a todos os male- Republicana, forças que tão depressa na região do Zaire, ou ainda a desem-
fícios do colonialismo. Também aqui o desejam ser consideradas militares penhada pelos fuzileiros navais quan-
problema mais grave é, na realidade, o como apenas militarizadas, reservan- do da recente catástrofe natural em
da incapacidade de um vasto número do, para as Forças Armadas a pro- Moçambique foram, na sua natureza,
de povos se adaptarem a um modelo jecção de poder. semelhantes a muitas outras que ao
de uma matriz cultural estranha, que Por outro lado, temos que traduzir longo dos anos a Marinha vem desen-
querem copiar mas que não estão para objectivos nacionais, os objec- volvendo, tanto em território nacional,
preparados para seguir, apesar dos tivos comuns que ajudámos a definir nomeadamente nos Açores, como em
esforços de uma elite que conquistou em Bruxelas (UE) ou em Washington muitas outras regiões do mundo; as
o poder pela força ou pela força nele (NATO), ainda que, eventualmente, visitas a portos do Brasil ou a Goa (a
se mantém (o caso do Zimbabwé, com algumas objecções ou mesmo primeira de navio de guerra desde
depois de cerca de 20 anos de exem- oposição do representante português. 1961), foram visitas de cortesia, iguais
plar sucesso, é o mais doloroso entre Devemos abandonar a ideia de que às de sempre. A Marinha terá que
os mais recentes). participamos nas missões e tarefas da modernizar-se mas não tem que alterar
Assim, e pensando na região euro- NATO ou da UE; essas são as nossas muito profundamente o carácter das
-americana, necessariamente nos missões e tarefas na NATO ou na UE. A missões clássicas do poder naval.
devemos adaptar a um mundo sem segurança europeia é hoje um interesse A segunda observação: A Europa
ameaças mas com muita instabilidade nacional porque nós temos responsabili- entende que não deve ou que não é
periférica que pode dar origem a dades que não tínhamos há meio século. lógico nem sensato abandonar o elo
riscos muito diversos. Somos uma Por último, as Forças Armadas estão a transatlântico da defesa. Contudo, em
sociedade internacional sem inimigos ser mais frequentemente usadas para Paris, em Novembro de 2000, a
mas constituída por elementos muito manter e impor a paz, do que para fazer Europa deverá definir as capacidades
mais estreitamente relacionados e feroz- a guerra ganhando batalhas. Na Europa, militares que vão ser postas à dis-
mente competitivos. Por outro lado, a em Timor e no âmbito da CPLP temos posição da defesa europeia. Portugal
Europa poderá ser hoje mais interve- vindo a assumir, multi ou bilateral- deve desenvolver raciocínio idêntico.
niente, não só porque se esbatem mente, a responsabilidade por muitas Portugal não deve ou não pode aban-
aquelas referências ao tempo colonial operações de carácter humanitário ou donar a defesa comum. Porém não
como porque as actuais intervenções de apoio ao desenvolvimento. deve deixar de definir quais são as
são do âmbito do novo conceito de São alterações profundas que capacidades que poderão ser
segurança humana, têm carácter exigem uma profunda mudança de necessárias para a exclusiva conse-
humanitário e não de defesa de mentalidade e um grande esforço de cução dos seus interesses nacionais. A
soberania. adaptação. No entanto, duas obser- Europa pensa como poderá actuar sem
A mudança que estamos a realizar vações são, para já, oportunas. os EUA, Portugal deve pensar como
na Europa é enorme. As questões de A primeira observação: As novas poderá actuar sem a Europa.
segurança e de defesa exigem um missões alternativas, tal como por
grande esforço de adaptação, uma vezes foram designadas as missões
grande humildade e solidariedade, actuais das Forças Armadas nesta
mas sem perder ou deixar degradar os Nova Ordem em construção, só são António Emílio Ferraz Sacchetti
valores que cada grupo entende dever novas ou alternativas para o Exército e Vice-Almirante
4 AGOSTO 2000 • REVISTA DA ARMADA