Page 325 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
             Património Cultural da Marinha


                                         Peças para Recordar





                       20.A Bandeira da Companhia de Guardas-Marinhas


                A Companhia de Guardas-Marinhas, criada em 1782 para integrar os alunos da Real Academia,
             foi a estrutura militar antecessora do actual Corpo de Alunos da Escola Naval. Como todas as
             instituições do género, deve ter tido o seu estandarte desde a sua criação (ou pouco tempo depois),
             sabendo-se que se apresentou com ele em diversas circunstâncias, embarcando na nau Conde Dom
             Henrique quando a família real, a corte e muitas das estruturas mais representativas do reino, parti-
             ram para o Brasil em Dezembro de 1807. Perde-se aqui o percurso da velha bandeira da
             Companhia que chegou a considerar-se desaparecida, mas em 1846, pouco tempo depois da refor-
             ma que criou a Escola Naval, a rainha Dona Maria II oferecia à Companhia uma nova bandeira que
             formou pela primeira vez na cerimónia ocorrida na Sala do Risco, a 28 de Outubro de 1846, quan-
             do o infante D. Luís (futuro rei D. Luis I) foi nomeado Guarda-Marinha e foi apresentado à
             Companhia.
                Qualquer bandeira é, em si, um símbolo, mas, para além do seu conjunto e da carga que trans-
             porta para a instituição que a detém, os pormenores com que é feita são símbolos que se estruturam
             num discurso apelativo das qualidades, valores e convicções dos elementos da instituição. A bandei-
             ra da Companhia de Guardas-Marinhas começa por merecer a honra de ter sido (eventualmente)
             bordada pela própria Rainha e assume o carácter de uma dádiva maternal que associa simbolica-
             mente os Guardas-Marinhas a um grupo de filhos dilectos da soberana. É feita de dois panos carme-
             sim (a cor real) de damasco de seda lavrada, sobrepostos, com 1,08 metros à tralha e 1,10 metros de
             largura. De um dos lados tem um medalhão de setim branco, oval, onde está pintada a imagem de
             Nossa Senhora da Conceição, padroeira e rainha de Portugal desde que D. João IV a coroou em
             1646, numa pequena capela a ela dedicada em Vila Viçosa. A imagem da Virgem surge-nos de mãos
             postas, em atitude de oração, e aureolada por um círculo de estrelas. Está sobre uma representação
             da Terra e, a seus pés, tem uma serpente. O conjunto reforça simbolicamente a ideia de uma pro-
             tecção maternal sobre a Companhia de Guardas-Marinhas: a Virgem coloca-se como a ligação privi-
             legiada entre o Céu e a Terra, protectora de Portugal e dos seus Guardas-Marinhas. Cercam este
             medalhão uma moldura cercada por uma grinalda de rosas, ligadas por uma fita. Na outra face da
             bandeira está o escudo nacional, com as cinco quinas (de cinco besantes) sobre uma base oval teci-
             da em fio de prata, cercada por uma moldura com os sete castelos e com a coroa de Bragança
             (coroa real) sobreposta. Esta parte está assente sobre duas âncoras cruzadas sobre uma coroa de
             loureiro, árvore simbólica que não perde as folhas no inverno, associada, por isso, à imortalidade e
             à vitória. Da parte inferior do escudo saiem duas partes de uma fita branca, sobre a qual se pode ler
             «COMP.A DE GG. MM.» (Companhia de Guardas-Marinhas) e, imediatamente abaixo, como que
             suspensa do próprio escudo, está a Cruz de Cristo. Em qualquer das faces da bandeira, aos quatro
             cantos, encontramos conjuntos de duas âncoras cruzadas, sobrepostas pela coroa real e ornadas por
             ramos de carvalho, símbolo magestático da força e da sabedoria, associado a uma espécie de "eixo
             do mundo" ou linha de comunicação entre o Céu e a Terra (diz a Bíblia que foi ao pé de um carva-
             lho que Abraão recebeu as revelações de Deus). Todos os bordados e as orlas da bandeira são em fio
             de ouro e mostram bem o empenho de Dona Maria II quando a ofereceu à Companhia.
                Tendo representada a imagem de Nossa Senhora da Conceição, este estandarte só era desenrola-
             do quando estava presente "Pessoa Real" não sendo abatido em nenhuma circunstância. De acordo
             com os regulamentos, em honras a "Magestades ou Príncipes" a bandeira seria apenas ligeiramente
             inclinada pelo porta-bandeira.
                É dispensável fazer uma relação da importância histórica deste estandarte que ainda hoje é pro-
             priedade da Escola Naval. Ele acompanhou a Companhia de Guardas-Marinhas enquanto existiu.
             Foi transferido para o Corpo de Alunos da Armada e só deixou de estar presente nas respectivas ce-
             rimónias em 1910, quando a implantação da República afastou os símbolos do anterior regime.

                                                                             Escola Naval
                                                                             (Texto do CTEN FZ Semedo de Matos)
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