Page 349 - Revista da Armada
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O fascinante trajecto
O fascinante trajecto
das obras de arte
das obras de arte
ma das mais fascinantes facetas
da vida do objecto de arte é, fora
Ude dúvida, o trajecto por ele per-
corrido, desde a concepção e nascimen-
to, até à sua entrada num museu que é,
quase sempre, a residência definitiva
das peças de prestígio.
Raras vezes se consegue seguir o
caminho efectuado pelo objecto que
estudamos e descobrir o nome do fabri-
cante ou dos proprietários, os restauros,
enfim, os factos mais importantes da
sua existência. Por isso, esgotadas todas
as pistas possíveis, o mais comum é
encerrar-se o dossier, esperando que um
dia, por sorte ou magia, uma inespera-
da fonte venha desvendar esses segre-
dos.
A Alegoria – Neptuno suportando uma
nau, esse belo marfim que é apresenta-
do, no presente número desta Revista,
sob o título “Peças para Recordar”, foi “Composição” de Sousa Machado
para nós um belo exercício, quando ten-
támos conhecer a sua história. dimensões desta Revista, dar conta de A. Dingjan”. Local: Kortenaertade, na
Começámos por consultar a ficha da todo o nosso insucesso, mas os mais cidade de Haia. Até temos o número do
Alegoria, que se encontra no Museu de curiosos poderão consultar – se forem telefone. Simplesmente, a firma já não
Marinha, onde há elementos que, natu- pacientes – o artigo “Navio de Marfim existe nem consta o seu registo na
ralmente, conjugamos com documen- com Alguma Prata e Muitas Safiras”, Câmara do Comércio daquela cidade.
tação existente no Arquivo Histórico, publicado na revista “Oceanos”, nº 22, Além disso, não se sabe se deixou
actualmente instalado na Cordoaria. Abril/Junho 1995. algum espólio.
Ficamos a saber que a Alegoria, cus- Todavia, há um aspecto, que vamos a Todavia, no verso e a lápis, há duas
tou 55 000$00 mas, seguramente, por seguir revelar, na esperança que um pequenas notas: “Rede 150” e “15.2 cm
insuficiência de verbas, foi dividida em leitor, mais perspicaz ajude a nossa de alto”. Que quer isto dizer?
duas partes e paga com dinheiro dos pesquisa. Quando, no passado, não muito dis-
orçamentos de 1958 e 1959. Temos conhecimento que um tal José tante, se ilustrava um texto, a im-
A peça, foi adquirida ao bem conheci- Relvas, teria escrito um artigo sobre a pressão era feita usando os chamados
do antiquário António Costa da rua do Alegoria, o qual, muito provavelmente, zincos, efectuados por um processo
Alecrim, mas era propriedade da joa- será útil para fazer a história deste fotográfico através de uma rede. A rede
lharia Leitão & Irmão. Esta centenária e nosso marfim. Mas onde está o artigo? de 150, era uma rede fina e destinada a
conceituada firma possui um invejável E quem é esse José Relvas? Será aquele reproduções em papel de qualidade. A
arquivo. Jorge Leitão autorizou-nos a que foi político (quem não se lembra da altura de 15,2 cm, significa que a
pesquisa, mas não conseguimos famosa fotografia onde ele, entre ou- fotografia ia ficar na publicação com
averiguar por que razão teria ido ali tros, anuncia a proclamação da Repú- esta dimensão, o que quer dizer que o
parar. No entanto, parece que era blica na varanda da Câmara Municipal autor ou o editor lhe quiseram dar uma
comum alguns dos clientes da joalharia de Lisboa?) e, também foi o colec- certa importância.
entregarem jóias e outras peças de cionador que nos deixou o Museu de Assim tudo leva a crer que o artigo, o
ourivesaria para venda, o que era feio Alpiarça? Duvidamos, dado que não tal artigo que procuramos, foi mesmo
sem que se soubesse o nome do propri- lhe conhecemos um único texto de caríz publicado e talvez, com ele, se des-
etário. artístico. vende a verdadeira historia dessa mag-
A ficha informa ainda que a Alegoria E, por outro lado: teria o artigo sido nífica Alegoria. Mas onde está esse arti-
pertenceu ao Marquês de Pombal, mas mesmo publicado? go? Em que publicação? Não con-
nela também aparece a referência que Acontece, porém, que no Arquivo de seguimos atinar. Estamos, porém, con-
foi propriedade do Duque de Aveiro. Marinha existe uma fotografia, que nos fiados, que um leitor mais feliz nos
Percorremos, como pudemos, nume- fornece algumas pistas. A preto e bran- anuncie a descoberta.
rosas fontes respeitantes a estas duas co, e que António Pedro Vicente,
destacadas figuras, mas apesar de uma grande especialista da história da
aturada busca, nada encontramos que fotografia, data dos anos 40, identifica- A. Estácio dos Reis
nos ajudasse. Não é possível, nas -nos a firma onde foi executada: “Foto CMG
REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 2000 23